sábado, 24 de fevereiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Agenda de Haddad é prioritária no Congresso

O Globo

Oito medidas para melhorar ambiente de negócios não devem se tornar objeto de barganha política

Em recente encontro com representantes da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, proferiu uma obviedade que parece escapar a muitas lideranças do Congresso. O Brasil nada pode fazer para influenciar o ritmo da economia global ou o patamar dos juros nos Estados Unidos. “O que podemos fazer?”, perguntou Haddad. “Melhorar nosso ambiente de negócios.” Ele tem toda a razão.

No encontro, o ministro pediu apoio da Febraban a oito projetos que buscam corrigir distorções da economia brasileira, todos parados no Congresso. Mais da metade depende da ação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Quatro precisam ser despachados para comissões ou dependem da nomeação de relator. O quinto aguarda a criação de uma comissão especial desde 2019, quando a Câmara ainda era presidida por Rodrigo Maia.

O histórico recente de Lira e das lideranças parlamentares na agenda econômica é positivo. O Congresso votou no ano passado medidas de impacto profundo, como o novo marco fiscal, correções no segmento de fundos de investimentos e a reforma tributária, uma espécie de baleia-branca que o Congresso perseguia havia três décadas. Embora a regulamentação, prevista para este ano, certamente tome tempo dos congressistas, não há razão para deixar de lado os outros projetos citados por Haddad. Seria um desserviço ao país atrasar a tramitação deles. Pior ainda se fossem usados como moeda de troca em negociações sobre emendas parlamentares, cargos ou influência na sucessão no Legislativo.

Os oito projetos estão, nas palavras de Haddad, “muito amadurecidos”. Vários devem tramitar sem sobressaltos uma vez liberados. O Projeto de Lei Complementar (PLP) 281/2019 cria mecanismos para socorrer instituições em dificuldade, como bancos, seguradoras ou entidades de previdência privada. A proposta de legislação foi inspirada em determinações do Financial Stability Board, entidade que monitora o sistema financeiro global. Se aprovada, diminuirá os riscos de instabilidade, aumentando a chance de recuperar instituições financeiras e preservar o dinheiro dos clientes.

O Projeto de Lei (PL) 3/2024 altera a Lei de Recuperação Judicial e Falências. Na avaliação do Ministério da Fazenda, os credores têm pouca influência, falta transparência e os processos continuam morosos. Segundo Haddad, a aprovação deverá “melhorar a capacidade de recuperação de crédito”, beneficiando todas as partes. O objetivo do PL 2.926/2023 é aperfeiçoar a regulamentação de instituições com autorização para realizar atividades como manutenção de contas financeiras ou processamento de operações para liquidações. A proposta de atualização das leis brasileiras foi feita com base em recomendações de órgãos como o Banco de Compensações Internacionais, o banco central dos bancos centrais.

Dados preliminares sobre o desempenho da economia brasileira sugerem que este ano começa com um quadro mais positivo que o previsto. A arrecadação bateu recorde, e as estimativas de crescimento têm sido ajustadas para cima. Mesmo assim, não há motivo para complacência. O bem-estar dos brasileiros depende de taxas mais altas de crescimento. Reformas que melhoram o ambiente de negócios são fundamentais para o país atingir esse objetivo. O Congresso não pode ficar parado.

Boas notícias do Censo Escolar não eliminam desafios educacionais

O Globo

Houve aumento nas matrículas. Para melhorar qualidade do ensino, porém, ainda é necessário fazer muito mais

O Censo Escolar divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do MEC, trouxe boas notícias. Entre elas, o crescimento nas matrículas em creches, na pré-escola, no ensino profissionalizante e nas instituições de tempo integral no ano passado. Depois do choque provocado na educação pela pandemia, especialmente em 2020 e 2021, a expansão é um alento num país que luta para melhorar seus índices educacionais.

Na pré-escola, de acordo com o Inep, o Brasil tinha 5,3 milhões de crianças em 2023, número bem próximo à meta de 5,4 milhões estipulada pelo último Plano Nacional de Educação (PNE). Nas creches, apesar do aumento de matrículas, a situação ainda é insatisfatória. O país teria de abrir mais 900 mil vagas para atingir a meta.

É louvável ainda constatar que diminuíram os diretores de escolas escolhidos por indicação política nas redes municipais, embora a proporção ainda seja alta (caiu de 66% em 2022 para 45% em 2023) e ainda haja grande disparidade entre estados (São Paulo registra 32%, enquanto o Amazonas chega a 89%). A nomeação de diretores por critérios técnicos foi um dos pilares da revolução na educação do Ceará.

Um dos dados mais animadores do Censo é o crescimento no ensino profissional, ponto nevrálgico da educação brasileira. A modalidade não apenas manteve o número de matrículas durante a pandemia, como as expandiu em 27,5% entre 2021 e 2023. Além disso, os alunos passaram a ficar mais tempo em sala de aula. Em 2023, as matrículas em tempo integral representaram 20%, ante 12% há cinco anos. Educadores apontam vários motivos para a ampliação, como empenho maior dos estados no atendimento à demanda dos jovens e políticas de fomento. Os dados positivos, porém, ainda escondem desafios. O ministro da Educação, Camilo Santana, diz que a maior parte dos estudantes do ensino profissionalizante só ingressa no curso depois do ensino médio. O ideal seria cursar os dois ao mesmo tempo.

Apesar de todos os avanços, o governo ainda tem muito a fazer. A reforma do ensino médio, desenhada também para incentivar cursos profissionalizantes, continua parada no Congresso. Sob o pretexto de aperfeiçoá-la, o governo suspendeu a implantação das mudanças aprovadas em 2017. Devido a um impasse em relação à carga horária, o projeto não anda. O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, prometeu que a aprovação será prioridade do governo no Congresso. Espera-se que cumpra a promessa.

É verdade que os problemas educacionais do Brasil vão além das matrículas. Dizem respeito a questões como formação dos professores, precariedade das escolas, falta de equipamentos ou tempo de permanência em sala de aula. De nada adianta aumentar matrículas se não melhorar a qualidade do ensino, necessária para a posição do Brasil subir nos rankings internacionais. Mas, evidentemente, o ponto de partida é que crianças, adolescentes e jovens estejam na escola. Por isso o resultado do Censo deve ser celebrado.

Putin vira o jogo na Guerra da Ucrânia

Folha de S. Paulo

Sem disposição para enfrentar a Rússia, Ocidente vive dilema com posição favorável do Kremlin neste segundo ano da invasão

Há um ano, parecia que a invasão russa da Ucrânia se consumaria em um desastre estratégico fatal para o regime de Vladimir Putin.

Àquela época, ainda que fosse previsível o prolongamento a perder de vista do conflito, Kiev estava em melhor posição na disputa em curso no Leste Europeu.

Em um ano, havia resistido a um assalto que o Ocidente acreditava que duraria apenas 72 horas até a queda da capital, expulsado os russos de seu centro nervoso e retomado duas áreas importantes.

Animados pela retórica triunfalista do presidente Volodimir Zelenski e pela sucessão de erros de Vladimir Putin, os EUA e seus aliados passaram a fornecer mais e melhores armamentos para os ucranianos, vencendo o temor de uma escalada nuclear do conflito.

A soberba ucraniana repetiu então a russa do ano anterior, e seus tanques não lograram mudar a situação em solo. A propalada contraofensiva pariu um rato, apesar de alguns ganhos —particularmente contra a vulnerável esquadra de Putin no mar Negro.

Os russos readaptaram suas técnicas, mobilizaram soldados e agora estão na ofensiva. Mantendo superioridade em ataques de longo alcance, avançam em pontos vitais do leste e do sul do país, embora também não tenham condições de conquistar todo o território.

Putin, rumo à sua farsesca reeleição garantida no mês que vem, ganha confiança. Se a morte do opositor Alexei Navalni lhe serviu para algo, foi para lembrar que o dissenso não tem lugar na Rússia, seja lá como tenha morrido o ativista.

Enquanto isso, o Ocidente se depara com um dilema. O fastio com a guerra é evidente: só 10% dos europeus creem no triunfo ucraniano.

Nos EUA, maior doador individual do R$ 1,35 trilhão recebido por Kiev até aqui, ajuda adicional está parada num Congresso de olho na disputa entre Joe Biden e Donald Trump, que rejeita apoiar Zelenski.

A Europa aprovou um auxílio de longo prazo, mas para custeio da economia, e a munição ucraniana está acabando. Caças e outras armas deverão chegar, entretanto seu impacto é no mínimo incerto.

Encurralado e sem disposição para enfrentar diretamente a Rússia, o Ocidente se pergunta se faz Kiev aceitar uma negociação de paz que envolva perda de 20% de seu território, algo visto como rendição, ou se aumenta a aposta contra Putin.

O argumento de que o autocrata russo não pararia após vitória parcial é válido, embora um ataque à Otan seja tática suicida. Tudo muda caso Trump, que despreza a aliança, estiver na Casa Branca, o que transforma a eleição americana na chave do calendário da guerra.

Por ora, Putin domina o jogo.

Sem decolar

Folha de S. Paulo

Programa do governo Lula para baratear passagens aéreas é desperdício de tempo

Desde seu início, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) procura inventar ou reinventar programas de apelo popular, em busca de marcas de impacto como as dos primeiros mandatos do presidente.

Alguns ministros lançaram-se de modo atabalhoado a criar planos desse tipo. Um deles, imaginado faz quase um ano, é o Voa Brasil, que enfim está para ser implementado —com escasso efeito prático.

A intenção, de mérito já muito questionável, era aumentar a oferta de passagens aéreas a preços mais baixos, de até R$ 200, num programa destinado a aposentados do INSS que recebem menos de dois salários mínimos mensais (R$ 2.824) e a estudantes do ProUni.

Porém as companhias de aviação estão em crise e querem socorro do governo, e o Tesouro Nacional não tem recursos suficientes nem ao menos para as despesas corriqueiras. É óbvio que não haveria meios de baratear os bilhetes sem que alguém pagasse a conta.

Não há quem a pague —e é correta a decisão de não subsidiar viagens. O programa, assim, vai se limitar a agregar informações sobre passagens já mais baratas em uma espécie de plataforma. Não deixa de ser uma ajuda, embora a pasta dos Portos e Aeroportos devesse ter mais com o que se ocupar.

Aumentar a eficiência do setor público significa também melhorar os serviços e evitar dissipação inútil de energia na gestão.

Relembre-se o caso do programa fracassado e inepto do subsídio temporário para a compra de veículos, de meados de 2023. Tempo, trabalho, recursos e credibilidade foram desperdiçados para apenas fazer com que a sociedade bancasse, por meio de subsídios, parte do valor dos automóveis.

Uma marca simbólica dos primeiros governos Lula foi o acesso maior de pessoas mais pobres a viagens aéreas. Era o efeito da alta dos rendimentos, em meio a um crescimento econômico mais veloz.

Não há subterfúgios para melhorar o nível de bem-estar material. O avanço depende do aumento do PIB, de programas bem projetados e de responsabilidade macroeconômica, com eficiência e prudência no uso de recursos públicos. O resto é fantasia e propaganda.

Rota perigosa

O Estado de S. Paulo

As recentes mudanças na cúpula da PM paulista sugerem que, para o governo Tarcísio, a truculência policial é o melhor caminho para proteger a população – e, de quebra, ganhar votos

Causa inquietação a decisão do governador Tarcísio de Freitas de mudar quase toda a cúpula da Polícia Militar (PM) de São Paulo. Conforme o anúncio dos últimos dias, de uma só vez ele exonerou o subcomandante, coronel José Alexander de Albuquerque Freixo, e trocou mais da metade dos coronéis da cúpula da corporação, provocando insatisfação e revolta entre oficiais. Ressalvado o fato de que é prerrogativa do governador promover trocas em postos-chave da administração estadual, inclusive nas polícias que estão sob seu comando, nada indica que a mudança tenha se dado por motivos técnicos e burocráticos ou promoções e transferências rotineiras – as chamadas “conveniência de serviço”, como argumentaram o gabinete do governador e a Secretaria da Segurança Pública, fazendo pouco da inteligência alheia.

É difícil dissociar as trocas da sensação de que está em curso uma mudança, para pior, do perfil da Polícia Militar e da própria segurança pública. Quatro coronéis promovidos fizeram carreira na Rota, a tropa de elite da PM e um dos batalhões mais letais da instituição. Agora cinco dos oito postos mais altos vêm da Rota, a começar pelo comandante-geral, Cássio Araújo de Freitas, único integrante da cúpula que foi mantido. Os coronéis que deixaram os cargos são contrários ao modo como as operações policiais na Baixada Santista vêm ocorrendo e são partidários da expansão do uso de câmeras nos uniformes dos policiais. Movidas por vingança depois do assassinato de policiais, as operações já contabilizam mais de 30 mortes por intervenção policial neste ano, número que sobe a 60 se considerado também o ano passado, quando a Secretaria da Segurança Pública deflagrou a chamada Operação Escudo. Trata-se da mais sangrenta ação da PM em mais de três décadas.

Assim como especialistas na área, os coronéis enxergam nas mudanças o peso político direto do secretário Guilherme Derrite – ele também um ex-capitão da Rota. Eis o ponto: parece evidente que as mudanças têm motivação política. Segundo tal ótica, tanto o governador quanto seu secretário parecem tratar a segurança pública não como um serviço público a ser prestado com base técnica e ancorado nas melhores evidências, e sim com os olhos de quem busca dividendos eleitorais. Convém lembrar que, antes de ser escolhido secretário, o sr. Derrite disse ser “vergonhoso” um policial que trabalhe cinco anos e não tenha “pelo menos” três homicídios em seu currículo. Para ele, policiamento tem tudo a ver com justiçamento. Foi com esse tipo de pensamento que ele se elegeu deputado federal.

A rota traçada por Tarcísio de Freitas e Guilherme Derrite ameaça frustrar o esforço de aperfeiçoamento da PM paulista nas últimas décadas. Depois do choque trazido pelo massacre do Carandiru, em 1992, a instituição passou a trabalhar com a preocupação de obter resultados contra o crime com base em inteligência e evidências. Houve desvios no meio do caminho, mas o fato é que, de lá para cá, práticas e indicadores melhoraram. Nos últimos anos, em especial, São Paulo vinha reduzindo os índices da letalidade policial – não só pelo uso das câmeras corporais, como também por medidas como o investimento em armas menos letais para todas as patrulhas, a criação de comissões de mitigação de risco e apoio psicológico aos policiais. Os efeitos foram positivos para a população. Em 1999, por exemplo, o Estado registrava 44 homicídios por 100 mil habitantes; em 2022, esse número caiu para 8,4.

Esse esforço está em risco diante uma visão de fácil apelo a uma população que se sente assustada, insegura e desprotegida. O medo é uma arma poderosa e torna sedutora a estratégia do espetáculo, do endurecimento e da difusão de uma mentalidade de aniquilação de criminosos. A estratégia mais eficiente, que poupa vidas e respeita o Estado Democrático de Direito, não gera tanta visibilidade e muitas vezes é confundida com leniência com os criminosos. Há quem prefira transformar cadáveres em votos.

A hora da resiliência na Ucrânia

O Estado de S. Paulo

Após os temores do primeiro ano e as esperanças do segundo, a perspectiva é de uma guerra prolongada. Mas uma verdade permanece: a vitória de Putin será a derrota do mundo livre

Em 24 de fevereiro de 2022, o inimaginável aconteceu: quase 80 anos após a 2.ª Guerra, a guerra voltou à Europa com a invasão da Ucrânia pela Rússia. Hoje, exatos dois anos depois, a falta de uma perspectiva de grandes viradas de um lado ou de outro reduz as ansiedades. Mas a falta de um fim à vista reduz as esperanças.

Um ano atrás, a Rússia estava em posição ofensiva. Mas havia grandes preparativos, impaciência e expectativas em uma contraofensiva. As “pombas” vislumbravam uma janela de oportunidades: se os ucranianos empurrassem as linhas russas, Kiev poderia forçar Moscou a abdicar de seus objetivos maximalistas e entrar com mão forte em negociações de paz. Os “falcões” sonhavam em restabelecer as fronteiras anteriores à atual invasão e eventualmente as fronteiras anteriores à invasão russa da Crimeia, em 2014. E sonhavam até com a queda de Putin.

Mas a contraofensiva malogrou. As linhas estão engessadas. No Ocidente, disputas domésticas disfarçadas de doutrinas geopolíticas frustram o apoio à Ucrânia. A Europa aprovou um pacote de 50 bilhões de euros e está aumentando seus gastos em defesa, mas a hesitação em admitir que o dividendo da paz acabou traz dúvidas sobre se esse caminho será trilhado com a velocidade e a determinação necessárias. Nos EUA, um pacote de US$ 60 bilhões aprovado no Senado segue incerto na Câmara. Falta aos aliados da Ucrânia uma teoria da vitória adaptada à nova situação.

Mas o contraste entre o ceticismo de hoje e o otimismo de um ano atrás não deve ser exagerado. Basta pensar em dois anos atrás. Havia temor e mesmo pânico ante o risco de uma conflagração regional e mesmo de uma terceira guerra – possivelmente nuclear. Putin chegou às portas de Kiev e de sua meta: decapitar o governo ucraniano e instalar um regime fantoche. Essa meta foi frustrada e inviabilizada definitivamente. O mito do poderoso Exército russo herdado da União Soviética desmoronou. Não há o risco de a Ucrânia se tornar um satélite russo. Nem Moscou tem a capacidade militar de impor esse domínio nem os ucranianos o tolerarão. A questão é se a Ucrânia completará sua jornada rumo ao fortalecimento de sua nacionalidade, a consolidação de sua democracia e seu alinhamento com o Ocidente ou se sua frágil democracia se degenerará em um Estado autoritário e corrupto. Isso já seria uma vitória de Putin, ao menos no campo dos valores.

No campo de batalha, não há perspectiva de triunfo de um lado ou de outro. Mas isso não autoriza a complacência por parte dos aliados. Sem uma teoria da vitória coerente e convincente, aumentará a pressão sobre a Ucrânia para ceder seus territórios, assinar um tratado de paz e pôr um fim à guerra. Mas isso não seria um fim. Só um intervalo antes da próxima agressão de Putin.

Outra alternativa é um congelamento de facto do conflito, com a luta contida no palco atual, mas prolongando-se indefinidamente. Uma alternativa intermediária seria o armistício, com um fim das hostilidades, mas sem uma definição política formal, como é entre a Coreia do Sul e a do Norte até hoje.

Em todo caso, o objetivo num futuro próximo deveria ser criar um espaço defensivo estratégico para que a Ucrânia possa reconstruir sua economia. Apesar do impasse por terra, o país recuperou seu canal de escoamento no Mar Negro. Mesmo que a inclusão na Otan seja inviável em meio ao conflito, é possível acelerar o passo rumo à integração na União Europeia, incentivando as instituições democráticas no país. Nada disso será possível se a Ucrânia não receber as armas de que precisa para resistir à Rússia neste ano. Com treinamento, defesas aéreas, artilharia e drones, a Ucrânia poderia, no futuro, voltar a empurrar as linhas russas longe o suficiente para iniciar negociações numa situação favorável.

Crucial agora é resgatar o moral das populações da Ucrânia e de seus aliados. Para isso, mesmo sob uma montanha de incertezas, seus líderes têm ao alcance da mão uma verdade cristalina e adamantina: uma vitória de Putin não seria uma mera derrota da Ucrânia, mas de todo o mundo livre. Seja lá como se desdobre a guerra, essa clareza moral não será obscurecida. Mas essa luz será inútil se não for convertida em energia.

‘Voa Brasil’ no chão

O Estado de S. Paulo

No setor aéreo, o melhor que o governo tem a fazer é deixar as empresas se ajustarem por conta própria

Ao que tudo indica, o programa Voa Brasil, por meio do qual o governo pretendia incentivar a venda de passagens de até R$ 200, não vai decolar. Sem recursos para bancar mais uma estripulia, o Executivo deve resignar-se a lançar uma plataforma que agregará os bilhetes aéreos mais baratos disponíveis aos consumidores.

Ainda que já existam aos montes serviços semelhantes na internet, é preciso reconhecer que o estrago foi contido. Diante de um déficit fiscal de R$ 249,1 bilhões no ano passado, segundo o Banco Central (BC), não é plausível que um país que nem sequer conseguiu universalizar o saneamento básico consiga justificar um aporte bilionário para baratear passagens aéreas.

Se o programa felizmente não saiu do chão, não foi por falta de vontade. A primeira vez que a ideia circulou publicamente foi em março, quando o então ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, revelou a intenção de oferecer passagens baratas a aposentados, estudantes de baixa renda e servidores.

À época, França levou reprimenda indireta do presidente Lula da Silva, que cobrou de seus ministros que discutissem suas “genialidades” dentro do governo antes de torná-las públicas. O programa, porém, jamais foi engavetado e, ao contrário, acabou encampado pelo atual ministro da pasta, Silvio Costa Filho.

Sem subsídios, as três principais companhias aéreas se comprometeram, no fim do ano passado, a vender 25 milhões de passagens com preços entre R$ 699 e R$ 799 – valores que, não por acaso, já correspondiam ao preço médio dos bilhetes, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Agora, novamente sem subsídios, a ideia é ofertar 5 milhões de passagens de até R$ 200 em períodos de ociosidade – uma nova roupagem para as promoções que as empresas já faziam.

Se não teve qualquer efeito prático na precificação dos bilhetes aéreos, o voluntarismo do governo abriu espaço para que as companhias se sentissem à vontade para apresentar velhas e novas demandas, como a redução do custo do combustível e linhas de crédito baratas garantidas pelo governo.

De fato, as aéreas, no Brasil e no mundo, enfrentam dificuldades inerentes a um setor que opera com custos elevados e margens reduzidas, precisa de alta ocupação e requer um nível de eficiência operacional e financeira exemplar para se manter de pé.

Quem sobreviveu à queda brutal da demanda por viagens durante a pandemia de covid-19 o fez por meio de empréstimos onerosos que ainda comprometem seus resultados. Eis o motivo do aumento dos preços das passagens, de 47,24% em 2023, segundo o IBGE – e não o custo do querosene de aviação, que caiu 41% desde o ano passado, segundo a Petrobras.

Porém, ainda que estejam caras, as passagens aéreas não estão encalhando, o que sugere um equilíbrio entre oferta e demanda. A taxa de ocupação, relação entre os bilhetes pagos e os assentos disponíveis nos voos domésticos, atingiu 83,6% em janeiro, segundo a Anac, bem próxima dos níveis pré-pandemia. Mais uma razão a reforçar que o melhor que o governo tem a fazer é deixar as empresas se ajustarem por conta própria.

Virar a página do Holocausto

Correio Braziliense

Apesar de sua declaração infeliz, não se deve perder de vista de que a posição de Lula coincide com a de todas as chancelarias do G 20 quanto à necessidade de acabar com a guerra e criar o Estado da Palestina

A volta ao leito principal da política externa do governo Lula passa pelas negociações do G20, que se iniciaram nesta semana sob a presidência do Brasil. Porta-voz do encontro, o chanceler Mauro Vieira reiterou que as nossas prioridades no G20 são articular uma campanha mundial contra a fome e a miséria, enfrentar a emergência climática e promover a transição para a energia limpa, e restabelecer a capacidade de governança global dos organismos multilaterais, sobretudo do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), que está paralisado.

Antes do encontro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve uma conversa de quase duas horas com o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, na qual as divergências entre o Brasil e os Estados Unidos sobre Israel ficaram do seu verdadeiro tamanho, ante a robusta convergência de posições sobre a necessidade de conquistar a paz em Gaza e viabilizar a solução de dois estados, com a independência da Palestina.

Ontem, na Argentina, onde a polêmica declaração de Lula não é um assunto da mídia, Blinken declarou que qualquer expansão dos assentamentos israelenses na Cisjordânia seria inconsistente com o direito internacional: "Tem sido uma política de longa data dos EUA, tanto sob administrações republicanas como democratas, que novos colonatos são inconsistentes para alcançar uma paz duradoura", advertiu. "Eles também são inconsistentes com o direito internacional. Nossa administração mantém firme oposição à expansão dos assentamentos. E, na nossa opinião, isto apenas enfraquece – e não fortalece – a segurança de Israel", disse o secretário de Defesa dos EUA em entrevista coletiva em Buenos Aires.

É verdade, o governo Lula ensaia uma mudança de estratégia na política externa que tangencia a perspectiva de uma ordem "pós ocidental", o que seria um realinhamento ao Sul Global em contraposição aos Estados Unidos e as potências ocidentais. O chanceler Mauro Vieira negou a intenção de o Brasil se colocar no cenário internacional como uma espécie de "mediador universal", mas deixou claro que o governo brasileiro não deixará de se posicionar em relação aos conflitos. É aí que mora o perigo.

Se esse posicionamento for em busca da paz e defesa da democracia, estaremos no rumo certo. Entretanto, certas declarações e omissões do presidente Lula levam a questionamentos sobre a sua verdadeira posição quanto, por exemplo, a Venezuela e Nicarágua, à guerra da Ucrânia e ao Hamas, em Gaza.

No momento, porém, o mais importante é preciso circunscrever o conflito com o governo de Israel em razão da tese de genocídio em Gaza, que passou a ser adotada por Lula, com grande repercussão favorável no mundo árabe e na esquerda. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu aproveitou-se dessa posição para escalar a crise e descontextualizar o debate sobre o cessar-fogo imediato, a ajuda humanitária, a necessidade de uma paz duradoura e solução de dois estados, ou seja, Israel e Palestina, com fronteiras seguras e definitivas.

Apesar de sua declaração infeliz, não se deve perder de vista de que a posição de Lula coincide com a de todas as chancelarias do G 20 quanto à necessidade de acabar com a guerra e criar o Estado da Palestina, ao contrário da de Netanyahu, que defende a guerra sem tréguas e implacável e não aceita a solução de dois estados. O problema é outro, a volta da política externa brasileira ao eixo do multilateralismo, do pragmatismo e defesa dos interesses objetivos do Brasil, como um país emergente do Ocidente, o que exige que se relacione bem tanto com todos os estados. Tanto com os Estados Unidos quanto com a China, com a Rússia e Ucrânia, com a Autoridade Palestina e Israel, mesmo que relações atuais entre os dois governos sejam péssimas.

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