O Estado de S. Paulo
O problema é como falar para um terço dos EUA que ainda acredita que a eleição de 2020 foi fraudada
A contratação e demissão de Ronna McDaniel
como analista política da NBC News pode parecer apenas uma pequena tempestade
midiática, mas nos obriga a reconhecer uma questão muito mais ampla desta
campanha: como lidar com Donald Trump e seus apoiadores.
Recapitulando: Ronna era presidente do Comitê
Nacional Republicano, em novembro de 2020, e tentou pressionar autoridades
republicanas locais a não certificar os resultados da eleição. Ela também negou
que a vitória de Joe Biden tenha sido justa.
Tudo isso é terrível. Já ouvimos tanta coisa a esse respeito que, às vezes, ficamos insensíveis para a sua importância. Por isso, permitam-me lembrar: Trump foi o primeiro presidente na história americana a tentar impedir a transferência pacífica do poder. Ele incitou uma multidão para intimidar seu próprio vice-presidente e os legisladores republicanos.
DILEMA. Mas o problema é: desde então, um
terço dos americanos passou a acreditar que a eleição de 2020 não foi livre e
justa. Estamos falando de mais de 85 milhões de adultos. Como abordá-los? Como
abordar as pessoas que os conduziram a essa crença? Vamos cancelar todos eles?
Nenhuma pessoa com esse ponto de vista pode ser aceita na NBC News? Acho que os
executivos da NBC procuraram uma maneira razoável de trazer o ponto de vista de
85 milhões de americanos para a emissora.
Compreendo o dilema. Ronna não agiu de
maneira conservadoras nem republicana, e sim antidemocrática. Ela atacou os
alicerces democráticos do país. Mas a natureza da democracia liberal é tal que
permitimos a todas as pessoas que expressem seu ponto de vista. Comunistas
declarados já concorreram à presidência dos EUA.
MEIOS ANTILIBERAIS. As democracias liberais
devem evitar a tentação de usar meios antiliberais, mesmo quando confrontadas
com posicionamentos e opiniões abertamente hostis a elas. Eu me preocupo com
alguns dos casos contra Trump nos tribunais.
Embora sejam tecnicamente legítimos, alguns
envolvem crimes cometidos anos atrás e pelos quais ele não foi acusado na
época. Teria ele sido acusado desses crimes se não tivesse se convertido em uma
figura política tão controvertida?
Até o momento, as tentativas de tirá-lo da
eleição através da lei fracassam. Apesar de 88 acusações de crimes graves e a
reprovação de toda a elite da mídia, Trump lidera as pesquisas de intenção de
voto. Afinal, seus apoiadores são movidos pela crença segundo a qual um grupo
de progressistas metidos que não se importam com eles estaria governando o
país.
Enquanto escrevo meu novo livro, Age of
Revolutions (“A Era das Revoluções”), o desdém da nova direita populista em
relação à democracia liberal é assustador. Mas a esquerda também cometeu seus
excessos nessa direção.
Muitos “desejam banir a fala daqueles que
defendem ideias ‘erradas’. Querem alcançar a igualdade racial por cota ou
decreto. Querem usar o ensino e a arte para alcançar objetivos políticos em vez
de educacionais ou artísticos”.
O populismo de direita de Trump é
antiliberal, xenofóbico e conduz os EUA para becos sem saída. Mas a forma de
derrotá-lo em uma democracia liberal não é usar mecanismos jurídicos para
tirá-lo do tabuleiro político e cancelar aqueles que o apoiam. Temos de debater
com seus aliados, apresentar posições convincentes que mostrem a possibilidade
de atender suas demandas, e confrontar Trump no campo de batalha político — e
vencê-lo. (Tradução de Augusto Calil)
*É colunista do ‘Washington Post.
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