Macron usa clima para justificar protecionismo
Folha de S. Paulo
Presidente francês ataca acordo entre
Mercosul e UE, sob pressão do setor rural de seu país, que teme competição
externa
Muito amigável na visita de três dias ao
Brasil, o presidente da França, Emmanuel
Macron, foi também claro a respeito de um tema essencial da agenda
econômica. Rechaçou sem meias palavras os termos do acordo de livre comércio
entre Mercosul e União
Europeia, defendendo novas negociações a começar do zero.
Para o mandatário francês, o
acordo negociado há mais de 20 anos ficou antiquado e seria
péssimo para as duas partes, pois olharia para o passado e não levaria em conta
a biodiversidade e o clima.
Macron disse que a França não poderá abrir
seu mercado agrícola a produtores externos que não estejam sujeitos às mesmas
exigências ambientais. Não se disfarça o protecionismo, posição tradicional
francesa que sempre foi o maior obstáculo nas negociações.
Embora as tratativas não sejam bilaterais e
ocorram entre os dois blocos, a oposição de membros dificulta ou inviabiliza
uma conclusão.
O momento político também não é propício na Europa. Vários países enfrentam protestos maciços de agricultores contra a agenda climática, que obriga o setor a reduzir emissões de carbono e aumenta os custos da produção local já pouco competitiva.
Qualquer retomada de negociação, se houver,
deverá ficar para depois das eleições para o Parlamento
Europeu, em junho, que parece indicar um crescimento da direita mais
protecionista.
Com tal dinâmica, de todo modo, é cada vez
menos provável a criação do bloco comum, que abarcaria 720 milhões de pessoas e
20% do PIB mundial.
Estudo publicado pelo Ipea indica que o acordo ampliaria em 0,46% o PIB
brasileiro entre 2024 e 2040, além de elevar os investimentos em 1,5%.
Macron pode ter razão em um aspecto —novos
acordos de livre comércio com foco em redução de tarifas podem ser
insuficientes no contexto mundial atual. Isso não pode ser pretexto, no
entanto, para evitar a abertura econômica benéfica para a coletividade.
O acirramento da competição geopolítica força
a uma reordenação de cadeias produtivas, enquanto a emergência climática
demanda ação coletiva. Tais realidades inescapáveis abrem novas opções para
engajamento e cooperação que precisam ser consideradas.
Diante da imbatível competitividade da agricultura brasileira,
que ganha o mundo e não tem na Europa nem de longe o mercado principal,
interessa ao país a esta altura negociar oportunidades de integração produtiva
por meio de maiores investimentos também na industria e nos serviços.
A conclusão da reforma tributária que alinha
o Brasil às melhores práticas globais favorece essa agenda. As negociações
precisam continuar sem perder de vista afinidades entre os dois blocos.
Os nem-nem
Folha de S. Paulo
Taxa de jovens sem estudo e trabalho demanda
foco no ensino técnico e parcerias
Sem estudo, sem trabalho.
Nesse limbo ocioso encontram-se
19,8% dos brasileiros entre 15 e 29 anos, de acordo com a Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) Educação de
2023.
O poder público deve implementar políticas
para lidar com o fenômeno, que impacta não apenas a renda de
9,6 milhões de pessoas como produz efeitos no longo prazo —quando se considera
o envelhecimento da população brasileira e, consequentemente, o processo de
perda do bônus demográfico.
Segundo levantamento da OCDE de
2023, entre 42 países, o Brasil tem o sexto maior índice de jovens entre 18 e
24 anos que não estudam nem trabalham. Enquanto a taxa média da entidade é de
15%, a nossa é de 24,4%. Entre as mulheres, o índice aumenta para 30%; já entre
os homens, cai para 18,8%.
Essa discrepância também foi verificada na
Pnad Educação, com 25,6% da população feminina entre 15 e 29 anos nessa
situação, ante 14,2% da masculina.
A principal causa do abandono escolar é a
busca por emprego. O problema é que, com formação precária, os jovens enfrentam
dificuldades para conseguir contratação. Assim, é necessário buscar meios de
manter os alunos na rede de ensino e acelerar a transição entre estudo e
trabalho.
A OCDE preconiza o chamado VET (vocational
education and training): programas de orientação vocacional aliados a parcerias
entre escolas, empresas e indústria para treinamento e contratação de
aprendizes.
É fundamental, portanto, a integração do
ensino técnico ao regular, e o Brasil peca nesse quesito.
A meta do Plano Nacional de Educação (PNE) de
2014 era triplicar as matriculas no ensino profissionalizante de nível médio
até 2024, atingindo cerca de 4 milhões de alunos. Mas o Censo Escolar 2023
mostrou que não mais de
2,4 milhões cursavam essa modalidade.
Em tramitação no Congresso, a nova versão da
reforma do novo ensino médio incentiva a educação profissional. Não é panaceia,
mas um passo necessário para mitigar o atraso do país nessa seara.
Câmara tem de referendar prisão de Chiquinho
Brazão
O Globo
Decisão de manter preso o deputado acusado de
mandar matar Marielle foi unânime no Supremo
A Câmara dos Deputados deveria acelerar a
análise e referendar a prisão do deputado federal Chiquinho
Brazão (ex-União-RJ), detido no último domingo em operação da
Polícia Federal (PF), sob acusação de ser um dos mandantes — ao lado do irmão
Domingos Brazão — do assassinato da vereadora Marielle
Franco (PSOL) e de seu motorista, Anderson Gomes. Chiquinho
está na Penitenciária Federal de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul. Pela
Constituição, a manutenção de sua prisão precisa do aval da Câmara.
Em seu parecer, o relator Darci de Matos
(PSD-SC) defendeu a prisão decretada pelo ministro Alexandre de Moraes e
confirmada por unanimidade pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal. Para
Matos, além de ela estar “adequadamente fundamentada”, estão presentes “os
requisitos constitucionais do flagrante e da inafiançabilidade”. No entanto a
análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara acabou adiada por
pedidos de vista dos deputados Gilson Marques (Novo-SC), Fausto
Pinato (PP-SP) e Roberto Duarte (Republicanos-AC), sob crítica de parlamentares
de esquerda.
O próprio presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), endossou o adiamento. Ao comentar o pedido de vista, afirmou que a
prisão de Chiquinho é um caso “difícil”, “sensível” e “complexo”. Afirmou que o
parlamentar permanecerá preso até que o plenário da Casa se manifeste em
votação aberta. “Todos tratam esse assunto com o máximo de cuidado pela
repercussão que sempre teve”, disse Lira.
Por mais que se trate de um caso intrincado,
com desdobramentos dentro e fora do país, não há motivo razoável para adiar a
decisão. Chiquinho é suspeito de um crime grave, cometido, segundo a PF, com a
colaboração do delegado Rivaldo
Barbosa, ex-chefe de Polícia Civil do Rio e ex-titular da Delegacia
de Homicídios. Pela trama descrita no inquérito, meticulosamente planejada ao
longo de meses, os acusados contrataram pistoleiros e chegaram a infiltrar um
agente no PSOL para acompanhar Marielle. Os parlamentares têm a seu dispor
quase 500 páginas do relatório policial, cujo sigilo foi suspenso por Moraes.
Os detalhes estão todos lá.
Em contrapartida, o União Brasil não esperou
nem o dia seguinte para expulsar Chiquinho. Na própria noite de domingo, a
Executiva Nacional da legenda se reuniu virtualmente e tomou a decisão de forma
unânime. Até o Conselho de Ética da Câmara, que não prima pela celeridade, fez
andar o pedido de cassação apresentado pelo PSOL na segunda-feira. Segundo
o presidente do conselho, Leur Lomanto Júnior (União-BA), o
colegiado deverá apreciar o tema na próxima sessão, prevista
para ocorrer na primeira quinzena de abril.
Ainda que o corporativismo costume
influenciar decisões sobre parlamentares acusados na Justiça, os deputados
precisam considerar que o assassinato de Marielle é também um crime contra a
política. A quinta vereadora mais votada no Rio, eleita com 46.502 votos, foi
silenciada a tiros numa emboscada, em pleno exercício do mandato. Os motivos
apontados pela PF — sua atuação contrariava interesses da milícia — estão
vinculados à atividade legislativa. O mínimo a esperar é que os parlamentares
sejam os primeiros a rechaçar quem atenta contra a política e contribui para
conspurcá-la.
Chuvas mostram que governos estão
despreparados para eventos extremos
O Globo
Cerca de 30 morreram no Rio e no Espírito
Santo, a maioria por não ter sido retirada a tempo de áreas de risco
As cerca de 30 mortes no Espírito
Santo e no Rio de Janeiro em consequência das chuvas que
castigam o Sudeste desde o dia 23 revelam que, apesar dos alertas sobre riscos
iminentes, os governos ainda se mostram despreparados para enfrentar fenômenos
climáticos extremos, cada vez mais frequentes e letais.
Ninguém pode alegar que não sabia da previsão
de chuvas torrenciais. No dia 21, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet)
emitiu avisos de “grande perigo” para Região Metropolitana de São Paulo,
Litoral Norte paulista, todo o Estado do Rio, sul de Minas Gerais e sul do
Espírito Santo. O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres
Naturais (Cemaden) advertiu sobre a alta chance de inundações e deslizamentos.
Chegou a afirmar que, na Região Serrana do Rio, havia condições propícias a
chuvas semelhantes às de 2011, as mais arrasadoras já registradas, com saldo de
mais de 900 mortos.
O volume de chuva no Sudeste foi mesmo
excepcional. Em algumas cidades, choveu em 24 horas o esperado para o mês
inteiro. Petrópolis registrou mais de 200 deslizamentos. Estradas foram
fechadas. Era um cenário previsto, mesmo assim moradores foram deixados em
áreas sujeitas a desastres.
É verdade que algumas cidades acionaram
protocolos de emergência. No Rio, a Prefeitura suspendeu aulas na sexta-feira,
decretou ponto facultativo e incentivou os moradores a evitar deslocamentos.
Felizmente, na maior parte da capital fluminense não aconteceu o dilúvio
esperado. Isso não significa que as medidas preventivas não devessem ter sido
tomadas. Apenas respostas ágeis podem evitar o pior quando existe alta
probabilidade de catástrofe.
Na Região Serrana fluminense, repetiram-se as
cenas trágicas de sempre. Em Petrópolis, ao menos quatro pessoas de uma mesma
família morreram quando a casa foi soterrada por um deslizamento. Em todo o
estado, o número de mortes chegou a nove. No sul do Espírito Santo, as chuvas
mataram pelo menos 20 moradores (sete continuavam desaparecidos) e produziram
cenas dramáticas de veículos arrastados pelas águas, carros empilhados e casas
submersas. Mais de dez municípios decretaram estado de emergência, e 20 mil moradores
estão fora de casa.
Segundo o Cemaden, o Brasil tinha no ano
passado cerca de 8,2 milhões de habitantes vivendo em áreas suscetíveis a
inundações ou deslizamentos. Evidentemente, não é um problema que se resolva de
uma hora para outra. Primeiro, porque é fruto de descaso de sucessivos governos
durante décadas. Segundo, porque demanda soluções de médio e longos prazos,
como políticas habitacionais consistentes.
Danos materiais são em geral inevitáveis
diante da força das tempestades, mas é possível preservar vidas, retirando os
moradores das áreas mais vulneráveis antes da chuvas. Nisso o país tem
fracassado miseravelmente, como mostram repetidas tragédias em que só mudam
nomes e endereços. Os alertas de temporal do Inmet para os próximos dias agora
se concentram nas regiões Sudeste, Norte e Nordeste. Espera-se que sejam
ouvidos.
A rua da esquerda está deserta
O Estado de S. Paulo
O esvaziamento das recentes manifestações
convocadas pela esquerda vai além do erro de uma agenda fragmentada e dispersa:
é também um sintoma da ausência de boas ideias
A esquerda brasileira “morreu como esquerda”,
e a extrema direita é hoje a única força política real no Brasil. Esse
diagnóstico, feito por um dos principais intelectuais de esquerda, o professor
da USP Vladimir Safatle, tem produzido um animado debate entre seus pares. Não
faltaram reflexões sobre a tese do falecimento, por si só polêmica, nem sobre
as razões para a falta de norte da esquerda, os caminhos para superá-la e até
embates delirantes sobre a recusa a “gerir a crise do capitalismo” – sim, houve
quem sugerisse que a esquerda morreu porque se limitou a conviver com o
capitalismo, como se a alternativa a isso pudesse ser muito diferente das
ditaduras como a Rússia de Putin ou a Venezuela de Maduro, para citar dois
tiranos que contam com a admiração embevecida da esquerda e o beneplácito do
presidente Lula da Silva.
Caso se leve realmente a sério, contudo, a
esquerda tem mais um rico objeto de análise para discutir seu passamento ou sua
desorientação: o notável esvaziamento das manifestações convocadas em todo o
Brasil no último dia 23 de março.
Foram constrangedoras as cenas produzidas nos
atos convocados pela frente que abriga PT, PCdoB, PSOL, sindicatos e movimentos
sociais. Entre as 22 cidades programadas para abrigar manifestações, Salvador
teve a maior mobilização, reunindo modestas 1,7 mil pessoas, segundo cálculo do
grupo de pesquisa da USP, especializado em medições dessa natureza. No Largo
São Francisco, em São Paulo, viu-se um público estimado em até 1.300 pessoas.
Houve capitais com algumas poucas centenas de pessoas, e isso no pico da manifestação.
A palidez dos atos foi reafirmada pela ausência das maiores lideranças da
esquerda – não compareceram a nenhuma manifestação nem o presidente Lula da
Silva nem governadores, parlamentares ou ministros relevantes.
Era um fracasso anunciado desde que a frente
mais extremista da esquerda arquitetou os atos como resposta à multitudinária
manifestação recentemente promovida pelo bolsonarismo na Paulista. Neste caso,
a derrota da esquerda não se deu somente nos números – foi também conceitual.
Enquanto os bolsonaristas tinham uma agenda enxuta e bem definida – a defesa de
Bolsonaro e dos golpistas –, os atos do PT e de seus satélites foram marcados
pela dispersão de propósitos. Havia de tudo no receituário lulopetista, da
defesa da “prisão de Bolsonaro” à “ditadura nunca mais”, em memória dos 60 anos
do golpe militar; do discurso cínico “contra o genocídio na Palestina” a uma
difusa “defesa da democracia” – totalmente seletiva, é claro.
Não se trata de um fracasso pontual. É de um
tempo distante o protagonismo da esquerda na ocupação das ruas. Sua liderança
existiu enquanto sindicatos formavam a espinha dorsal dos movimentos sociais
que empurraram a pauta da democracia, a partir do fim da década de 1970, e os
protestos contra Fernando Collor, nos anos 1990. Essa força se diluiu quando os
sindicatos perderam musculatura pela incapacidade de atualização de suas pautas
e pelo fim das benesses financeiras que eram geradas pelo imposto sindical. O
PT também exibiu força enquanto se protegeu sob o manto da virtude
oposicionista, um messianismo desmoralizado após os ruidosos casos de corrupção
dos mandatos de Lula e Dilma Rousseff. Para completar, as Jornadas de Junho de
2013 e o “Fora, Dilma”, em 2015 e 2016, mostraram que as ruas não tinham mais
dono a partir dali.
Pesaram para isso também a captura do campo
progressista pela pauta identitária, agenda que hoje mais afasta do que atrai
progressistas moderados, além das próprias contradições petistas: o
envelhecimento do seu ideário, a incapacidade de perceber que as clivagens na
sociedade não permitem mais tentar se mostrar como o único representante dos
interesses nacionais e a escandalosa associação petista com ditadores. Enquanto
achar que sua pauta se confunde com o petismo e planejar seus atos com base do
bolsonarismo, a esquerda seguirá produzindo vexames como o que se viu no vazio
de março. A ausência nas ruas é um dos sintomas da ausência de boas ideias.
Democracia exige moderação
O Estado de S. Paulo
A agonia do PSDB é o sintoma de uma política
que legitima o extremismo e desabona o que deveria ser uma premissa para a
democracia: forças centristas, democráticas e responsáveis
Tomado por divisões e extremismos de toda
ordem – não arrefecidos mesmo após quase 18 meses da mais acirrada e violenta
disputa presidencial desde a redemocratização –, o Brasil precisa urgentemente
de um centro democrático, moderado, responsável e viável eleitoralmente.
Enquanto as principais forças se resumirem ao lulopetismo e ao bolsonarismo,
sobretudo com seus respectivos radicais livres dispostos a deslegitimar
qualquer esforço de diálogo e união, seguiremos em meio a escombros ideológicos
e partidários. Não nos enganemos: nem o presidente Lula da Silva nem o
antecessor, Jair Bolsonaro, dois líderes inegavelmente populares, serão capazes
de inspirar valores e aspirações comuns à maioria dos brasileiros.
Trata-se de uma tarefa especialmente complexa
para um país fraturado e mais ainda para quem gosta, como eles, de usar
dissensos como arma eleitoral.
Se de Lula e Bolsonaro pouco ou nada se pode
esperar para atender a essa necessidade, a perspectiva se torna ainda mais
sombria quando se assiste ao ocaso do PSDB – partido que, durante mais de 20
anos, funcionou como uma espécie de farol do centro democrático, a
possibilidade concreta de destruição de muros que separam esquerda e direita, e
o mais próximo que chegamos de uma social-democracia moderna e reformista,
defensora de princípios liberais e avessa tanto ao populismo personalista
quanto ao fetiche do estatismo. Em São Paulo, Estado onde governou numa
sequência ininterrupta de 28 anos, no Congresso, onde suas bancadas vivem numa
espiral descendente, ou em outros Estados País afora, o PSDB é hoje um
constrangedor exemplo de agonia lenta e constante. Com ele agoniza também o
centro de que precisamos.
O necrológio tucano ganhou adendos
consideráveis nos últimos dias. O líder do partido no Senado, o senador Izalci
Lucas (DF), está oficializando sua migração para o PL de Bolsonaro, deixando
como representante do PSDB na Casa apenas o amazonense Plínio Valério (AM). Em
1998, auge do poder tucano e ano da reeleição do então presidente Fernando
Henrique Cardoso, o partido tinha 16 senadores. Na Câmara, depois de chegar a
ter 99 deputados, a legenda alcançou sua menor bancada na história: 13.
Recentemente perdeu um, o deputado Carlos Sampaio (SP), que foi para o PSD. Em
São Paulo, vereadores preparam uma debandada e ameaçam migrar para MDB, União
Brasil, PSD, Podemos e PL – sedimentando um enfraquecimento que já se via nas
prefeituras pelo interior. Enquanto isso, o partido ficou engolfado pelo debate
sobre o apoio ou não ao prefeito Ricardo Nunes (MDB).
São variadas as razões para a queda tucana,
mas a principal delas remete à covardia instalada nos seus quadros sob
inspiração de Aécio Neves. Coube ao ex-governador, ex-senador e hoje deputado a
tarefa de abrir as rachaduras que mais tarde fariam o PSDB desmoronar. Em 2014,
ao perder a disputa presidencial para Dilma Rousseff, Aécio fez seu partido
esperar apenas quatro dias para gritar oficialmente contra o resultado. A ação
jurídico-eleitoral era marota: por um lado, aliviava a barra do Tribunal Superior
Eleitoral, argumentando não pôr em dúvida a lisura da apuração; por outro,
justificava o gesto com “denúncias e desconfianças” surgidas nas redes sociais.
Vindo de uma linhagem de políticos mineiros marcados pela conciliação – a
começar pelo seu avô, Tancredo Neves –, Aécio ajudou a plantar a semente do
golpismo que não aceita a derrota. O que veio a seguir foi seu epitáfio. Na
oposição ao governo Dilma, tornou-se um espantalho do PT. No governo de Michel
Temer, fez a defesa envergonhada das reformas de então. Em seguida,
converteu-se em fantoche de Bolsonaro. Não foi o único.
“Na política”, dizia Tancredo Neves, “são as
ideias e não os homens que brigam.” Ignorando tal lição, partidos e lideranças
legitimam forças extremistas que veem as disputas eleitorais e partidárias como
batalhas em que derrotados devem ser eliminados da vida pública. Mas só a
existência de forças centristas, moderadas e responsáveis é capaz de
deslegitimar tais métodos e inspirar a sociedade a voltar a acreditar que
diferença não é sinônimo de conflito.
Viagem pitoresca a Pindorama
O Estado de S. Paulo
Havia um bode na sala da pajelança de Lula e
Macron: o acordo UE-Mercosul, ao qual se opõem
O presidente Lula andou ciceroneando o
presidente francês, Emmanuel Macron, num tour pelas terras brasileiras. Na
agenda, visitas a comunidades ribeirinhas e fábricas de chocolates orgânicos,
convescotes com caciques e jantares com celebridades das artes e esportes.
Além de promover esse rebranding dos
estereótipos sobre o país tropical do samba e futebol, os dois batizaram um
submarino nuclear construído sob uma parceria de 2008. A primeira-dama quebrou
uma garrafa de espumante no casco, enquanto os presidentes faziam apelos à paz
mundial e prometiam ampliar a “parceria estratégica”. Ainda que não seja claro
como os investimentos bélicos se coadunam com a doutrina de defesa de Lula –
“quando um não quer, dois não brigam” –, ele fez bem em cobrar a França por
relutar em transferir a tecnologia acordada a um aliado pacífico de longa data.
Os presidentes propagandearam um “plano” para
arrecadar ¤ 1 bilhão para a bioeconomia e preservação da Amazônia. Não é a
primeira promessa a ir para o papel e, se não sair de lá, não será surpresa.
Sob os holofotes da Cúpula do Clima em Dubai, Macron prometeu ¤ 500 milhões ao
Fundo Amazônia. Nos bastidores, sua Chancelaria indicou que só teria ¤ 1 milhão
para dar agora.
Entre velhos projetos e promessas incertas, a
pajelança fez o possível para disfarçar o bode na sala: o acordo de livre
comércio Mercosul-União Europeia. Como se sabe, Macron é o maior entrave à sua
ratificação na Europa. E Macron reiterou seu recado: “É um péssimo acordo”,
supostamente por desconsiderar “a biodiversidade e o clima” – senha de dez em
dez governos franceses para barrar o ultracompetitivo agro brasileiro.
Ainda outro dia, o Palácio do Eliseu foi
cercado por tratores, e Macron recuou de sua proposta de ampliar leis de
proteção ambiental na França. Na agenda concertada com o Brasil, nenhuma visita
a uma fazenda de soja ou gado, nenhum encontro com comitês de agrônomos e
ambientalistas, nenhum dossiê comprovando os altos índices de sustentabilidade
do agro ou os ganhos do acordo para consumidores brasileiros e franceses.
Macron não diz, mas é indisfarçável sua
intenção de blindar os fazendeiros franceses. Lula não disfarça que quer
excluir a concorrência europeia das compras governamentais brasileiras para
blindar a indústria, à revelia dos próprios industriais. Mais do que todas as
promessas assistencialistas e ambientalistas dos presidentes somadas, o acordo
seria um poderoso instrumento para estimular a produtividade, gerar emprego e
renda e ajudar os povos amazônicos a sair da miséria, ambiente tão fértil aos
crimes ambientais. Mas, quando dois não querem, não há acordo.
Os takes fotográficos dos presidentes saltitando de mãos dadas na floresta talvez ajudem Macron a cativar o jovem eleitorado ambientalista francês, e Lula, os jurados do Prêmio Nobel. Mas resta a questão: foi um encontro de chefes de Estado ou de egos? Admitindo-se, pelo benefício da dúvida, o primeiro, foi inócuo. A claque lulista vai continuar repetindo seu mantra: o Brasil voltou. Mas voltou para onde sempre esteve, fechado e subdesenvolvido e, se depender de Macron, continuará aí.
Parceria do Brasil com a França é estratégica
Correio Braziliense
Brasil e França, segundo Lula, trabalharão juntos para promover, pelo debate democrático, uma visão compartilhada de mundo
Mesmo sem uma solução para o impasse em torno
do acordo do Mercosul com a União Europeia, a visita do presidente da França,
Emmanuel Macron, ao Brasil foi um dos mais importantes passos dados pelo
presidente Luiz Inácio Lula da Silva na sua política externa. Deu continuidade
e ampliou uma parceria estratégica iniciada pelo próprio Lula, em 2006, durante
o governo do presidente Jaques Chirac.
Naquela ocasião, a França reconheceu o Brasil
como um ator global e aspirante legítimo ao Conselho de Segurança da ONU.
Estabeleceram-se iniciativas conjuntas para compartilhamento de recursos
materiais, tecnológicos, humanos ou naturais, nas áreas militar, espacial,
energética, econômica, educativa e transfronteiriça (entre a Guiana Francesa e
o Amapá).
Brasil e França, segundo Lula, trabalharão
juntos para promover, pelo debate democrático, uma visão compartilhada de
mundo: "fundamentada na prioridade da produção sobre a finança
improdutiva, da solidariedade sobre o egoísmo, da democracia sobre o totalitarismo,
da sustentabilidade sobre a exploração predatória". Durante a visita de
Macron, Lula assinou 21 acordos de cooperação com a França, em áreas como meio
ambiente, inteligência artificial, direitos humanos e igualdade de gênero.
Destacam-se a criação de um centro de
pesquisas da biodiversidade amazônica e a cooperação jurídica entre os países
em matérias penais. Há ainda a previsão de uma parceria entre o Parque
Amazônico da Guiana, na Guiana Francesa, e o Parque Nacional das Montanhas de
Tumucumaque, no Amapá e no Pará. Já havia uma grande parceria militar na
construção da nova frota de submarinos da Marinha do Brasil, cuja terceira
embarcação foi lançada durante a visita, o Tonelero, e que inclui um submarino
com propulsão nuclear com armamento convencional. A tecnologia do reator é
brasileira.
Como o programa de construção de submarinos
(Prosub), o Centro Franco-Brasileiro de Biodiversidade Amazônica, na
Universidade da Amazônia, é fruto de negociações iniciadas durante o governo de
Nicolas Sarkozy, quando o ex-presidente francês visitou o Brasil. Agora, chegou
a um novo patamar, ao assegurar que parte dos benefícios provenientes das
pesquisas seja compartilhada com as comunidades da região amazônica.
Lula e Macron também assumiram um compromisso
institucional para promover a integração entre o parque amazônico da Guiana
Francesa e o parque Montanhas do Tumucumaque, a maior reserva de floresta
tropical do mundo. Localizado no Amapá, com uma porção menor no Pará, o parque
abrange uma área de 3,8 milhões de hectares. A unidade faz fronteira com as
florestas da Guiana Francesa. Com o acordo, a intenção é transformar essas
áreas em um corredor florestal, protegendo mais de 7 milhões de hectares.
Transição ecológica e energética,
bioeconomia, agricultura, tecnologia digital, inteligência artificial, direitos
humanos e igualdade de gênero fazem parte da agenda de cooperação e ajudam a
superar os obstáculos que impedem a França de apoiar a assinatura do acordo
entre a União Europeia e o Mercosul. A cooperação jurídica em matéria penal e o
combate ao garimpo ilegal na fronteira, que é a maior da França com outro país,
e a cooperação em relação a minerais estratégicos, materiais críticos e
segurança energética também são de grande importância.
Mais de 1.150 subsidiárias de empresas
francesas estão estabelecidas no Brasil, onde geram 520 mil empregos e 61
bilhões de euros em faturamento. A França é um dos principais investidores no
Brasil, com 41,3 milhões de euros em 2022. Entretanto, as relações comerciais
entre os dois países são assimétricas.
No ano passado, a França exportou 4,4 bilhões EUR para o Brasil, que ocupa o 27º lugar entre seus clientes. O Brasil exportou para a França 4 bilhões EUR, é o 34º lugar entre os fornecedores da França. O problema somente pode ser resolvido com o acordo entre a União Europeia e o Mercosul. A dificuldade é mais econômica do que política: os agricultores franceses temem a concorrência do agronegócio brasileiro e pressionam Macron.
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