O Globo
Ministra da Saúde foi atirada numa missão que
exigia outros atributos além de ser uma técnica de respeito
A ministra Nísia Trindade não está apenas
submetida a uma lenta fritura. É pior. Foi jogada numa fogueira alimentada por
inimigos, os suspeitos de sempre e pretensos companheiros. Uma maldade sem
tamanho contra uma pessoa do bem, atirada numa missão que exigia outros
atributos além de ser uma técnica de respeito.
O orçamento do Ministério da
Saúde para este ano é de R$ 218 bilhões, o segundo maior da
Esplanada e quase R$ 50 bi acima das despesas de 2023. As funções são
certamente as mais difíceis do governo.
Na parte técnica, digamos, vão desde distribuir remédios de graça em farmácias até planejar e investir em pesquisas de alta complexidade; comprar e aplicar vacinas; prevenir desastres anunciados, como a epidemia de dengue; selecionar e adquirir medicamentos; administrar hospitais complexos; levar medicamentos e tratar dos ianomâmis; manter os programas de tratamento de aids; financiar e apoiar ações de prefeituras e governos estaduais.
Nessa parte administrativa, o ministério tem
como interlocutores: a grande indústria farmacêutica; fabricantes e
importadores de equipamentos e insumos; governadores, prefeitos, secretários da
Saúde, médicos, enfermeiros, pessoal de apoio; o INSS;
a indústria de planos e seguradoras.
Tem mais, mas fiquemos por aqui. Claro que,
em parte, são negociações administrativas, mas está na cara que tem muita
política aí, no atacado e no varejo.
No atacado: a distribuição de recursos para
outros ministérios, governos estaduais e prefeituras. Quem recebe antes,
considerando um ambiente político polarizado? Um estado governado pela oposição
pode precisar mais que a administração de companheiros. Que programas precisam
de mais apoio? Gastar mais com a dengue hoje ou com os ianomâmis?
No varejo: negociar com deputados e senadores
a distribuição das emendas, dinheiro do Orçamento federal cujo destino é
indicado pelos parlamentares, mas passa pelo crivo do ministério. De novo, um
deputado do PT vale
mais que um do PL, independentemente da finalidade do recurso?
Tem mais: a relação com as diversas entidades
da sociedade civil ligadas à saúde, incluindo questões como aborto e liberação
de drogas.
Finalmente, a nomeação das equipes: há
necessariamente critérios técnicos, mas claro que os militantes dos diversos
partidos, que também ganharam a eleição, têm indicações a fazer. A começar pelo
presidente Lula e sua turma mais próxima.
Vai daí que a ministra Nísia Trindade
precisaria combinar enorme capacidade de gerência técnico-administrativa —
gente! É mais difícil do que administrar uma grande estatal — com experiência e
habilidade político-partidária. E precisaria contar com apoio irrestrito do
governo e dos partidos que o integram — o que certamente não é o caso.
Vamos falar francamente: não está
funcionando. Tem problema em todas as áreas. É uma administração que reage
atrasada. Declarou-se agora emergência nos hospitais federais do Rio. Depois de
15 meses de governo, todo mundo sabendo que a situação era caótica? Só
lembrando: a emergência para os ianomâmis foi declarada em janeiro do ano
passado.
O ministério está em desmonte. Troca-se um
secretário aqui, outro ali, sobe um diretor, mudanças bruscas. A menos culpada
nisso tudo é Nísia Trindade. Na verdade, tornou-se vítima de ataques ora sutis,
ora ostensivos. A responsabilidade maior neste momento é do presidente Lula.
Reclama ostensivamente da ministra — como é de seu estilo —, mas não oferece
saídas. A culpa é dos outros.
E quem colocar? Entregar tal ministério para
o Centrão seria capitular à pior política. Então? Uma dica, um exemplo: o
melhor ministro da Saúde das últimas décadas foi José Serra,
político e gestor.
O desgaste se arrasta. Lula tem dificuldade
em reconhecer erros, especialmente quando cometidos com amigos. Caso da
tentativa de mudar a abordagem em relação à Venezuela,
mas sem admitir que nesse tempo Lula apoiou ostensivamente uma ditadura. E que
Maduro continua sendo ditador.
Com pesquisas ruins, o governo Lula parece
estar em algumas manobras de correção. Atrasadas e insuficientes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário