domingo, 9 de junho de 2024

Rolf Kuntz - Para vencer a praga dos 2%

O Estado de S. Paulo

Sem cuidar da capacidade produtiva, incluído o potencial do trabalhador, será irrealista pensar em crescimento mais dinâmico

Grandalhão, ineficiente e sem rumo de longo prazo, o Brasil estará condenado à mediocridade enquanto o governo descuidar do investimento produtivo e da busca de produtividade, como vem ocorrendo na maior parte do século 21. O Brasil está no “rumo certo”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, comemorando o desempenho da economia no primeiro trimestre, quando o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 0,8% sobre os três meses finais de 2023. Mas boa parte dessa expansão foi apenas uma retomada, depois de dois meses de variação próxima de zero. O quadro parece pouco melhor quando se observa um período mais extenso. Ao longo de um ano a atividade aumentou 2,5%, com ampla desigualdade entre os setores. A agropecuária avançou 6,4% e os serviços, 2,3%, enquanto o produto industrial se expandiu 1,9%, mas com novos tropeços e novos sinais de retrocesso.

O setor extrativo liderou o avanço da indústria, com aumento de 8,2%, enquanto o segmento de transformação, fabricante de bens de consumo e de meios produtivos, entregou 0,6% menos que no período anterior. Persistiram, portanto, os sinais de enfraquecimento da atividade fabril, notados há mais de uma década. Não se trata, é importante ressaltar, da passagem para uma fase pós-industrial, semelhante ao processo observado em economias mais desenvolvidas. Longe disso, os números apontam dificuldades de avanço numa industrialização ainda incompleta, insegura e globalmente pouco integrada.

O presidente Lula, no entanto, mostra-se incapaz de perceber as dificuldades de expansão, de modernização e de atuação internacional das indústrias nacionais. Mais empenhado em buscar a liderança em um “Sul Global” muito mal definido, o governante brasileiro continua devendo uma política de integração econômica nos mercados globais. Não se formulará essa política sem uma prévia definição de objetivos e interesses nacionais prioritários e independentes de vínculos externos.

Definir esses objetivos e parâmetros é muito diferente de proclamar valores e interesses num palanque sindical ou num discurso de início da carreira política. É muito diferente, também, de seguir uma cartilha de mandamentos ideológico-partidários. O presidente brasileiro tem sido capaz, em algumas ocasiões, de ultrapassar as limitações petistas, mas em movimentos pouco duradouros.

Essa limitação é bem visível quando se trata, por exemplo, da gestão das contas públicas. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem prometido equilibrar as finanças federais ou, pelo menos, diminuir sensivelmente seu desequilíbrio, enquanto seu chefe se mostra mais inclinado a manter a gastança. Quando se trata de gastar, o presidente se mantém muito mais fiel ao velho ideário petista do que aos critérios da responsabilidade fiscal e da aritmética financeira.

Prioridade política para o presidente Lula é favorecer consumo, como se fosse possível atender mais consumidores, de forma indefinida, sem cuidar da oferta. Mas isso é fisicamente inviável. Para cuidar da oferta, nesse caso, é preciso ampliar a capacidade produtiva. Isso depende, inevitavelmente, de maior investimento, mas o presidente parece dar pouca atenção a esse detalhe. O ideário petista valoriza o crescimento econômico e a criação de empregos, mas os meios para aumentar a expansão econômica nem sempre são lembrados.

Para se investir no potencial produtivo é preciso, normalmente, mobilizar capitais privados e recursos públicos. Essa mobilização tem ficado longe dos valores necessários. No primeiro trimestre deste ano, o total investido equivaleu a 16,9% do PIB, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Um ano antes havia correspondido a 17,1%. Nos dois momentos, ficou-se muito longe do necessário para garantir a um país como o Brasil um crescimento em torno de 4% ao ano, talvez um pouco superior.

O mínimo necessário, segundo estimativa corrente, seria algo na faixa de 22% a 24% do PIB, proporção raramente alcançada, no País, nas últimas três ou quatro décadas. Outros emergentes, no entanto, têm conseguido manter esse volume de investimento em meios físicos de produção, como recursos de infraestrutura, máquinas e equipamentos. Mas também seria preciso pensar no investimento em capital humano, isto é, na formação de mão de obra produtiva e em condições de receber treinamento profissional. Mais do que aumentar o valor investido, seria preciso pensar no sistema educacional e na formação oferecida às crianças e aos jovens.

Sem cuidar da capacidade produtiva, incluído o potencial do trabalhador, será irrealista pensar em crescimento mais dinâmico. O Brasil continuará condenado a avançar lentamente, como se a perspectiva de um crescimento próximo de 2% ao ano fosse uma praga insuperável. Não basta pensar na redução dos juros e em formas de atração e de mobilização de capital. Mas, sem um rumo bem definido e sem uma ação governamental confiável, será difícil mobilizar o esforço empresarial. Um setor público responsável será um componente essencial desse quadro. •

 

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