Folha de S. Paulo
PT precisa deixar de viver nos tempos da
Guerra Fria
A crise em curso na Venezuela traz
um grande desafio para o Brasil —maior até do que possa fazer por uma solução
civilizada do conflito no país fronteiriço. Afinal, trata-se de definir o lugar
que a defesa da democracia e da proteção aos direitos humanos ocupa na agenda
externa nacional. A questão é a um só tempo antiga e enroscada.
Brasília de há muito se pauta pela não ingerência nos assuntos internos de outras nações —atitude que deriva da aceitação da soberania como princípio ordenador das relações internacionais. Em consequência, como cada país se organiza politicamente e como os respectivos governos tratam seus cidadãos são realidades irrelevantes para orientar as ações do Itamaraty; relevante, mesmo crucial, é identificar aliados e os competidores, de quais deles se aproximar ou tomar distância.
Em um sistema internacional formado por
Estados soberanos, mas desigualmente poderosos, apegar-se àquele princípio —de
resto universalmente imperante— foi para o Brasil uma forma de proteger-se da
ambição —e da interferência— das potências mundiais, em especial dos Estados
Unidos.
Mas, já nas últimas décadas do século
passado, direitos humanos e democracia foram deixando de ser assuntos apenas
domésticos e ganharam relevância na agenda internacional. A criação de
tribunais para julgar países e indivíduos responsáveis por genocídio e outros
crimes contra a humanidade são parte dessa mudança.
O estabelecimento de cláusula democrática
para ingresso na União Europeia; para pertencer à OEA (Organização
dos Estados Americanos) ou ao Mercosul vão no mesmo rumo.
Sua existência implica reconhecer a
legitimidade de pressões externas pelo advento de um regime que assegure
liberdades básicas a seus cidadãos, garanta eleições livres e limpas e
reconheça seus resultados.
O compromisso com a defesa da democracia e
dos direitos humanos, inscrito na Constituição de 1988 no capítulo sobre
política externa, não é, nem pode ser, o único valor a guiar a atuação
internacional do Brasil, assim como não é em nenhuma das nações do Ocidente
democrático. Mas tem crescente importância também porque fortalece o sistema de
liberdades no país, que teria muito a perder com a ascensão de regimes
autocráticos na vizinhança e no mundo.
A diplomacia profissional brasileira tem tudo
para transformar esses valores em ações que contribuam para a dificílima
transição do autoritarismo para a democracia na Venezuela. O que fará melhor se
o presidente Lula abdicar dos improvisos e se o PT deixar de viver nos tempos
da Guerra Fria —e finalmente desembarcar no século 21.
3 comentários:
É mais fácil acreditar em Papai Noel, do que o PT se transformar numa organização Que valoriza a liberdade e a democracia
Concordo plenamente com a análise da colunista.
Exatamente!
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