sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Avanço contra pobreza e miséria merece celebração

O Globo

Para que queda de ambas se consolide, porém, governo precisará fazer bem mais do que tem feito

O Brasil registrou avanço significativo no combate à pobreza e à miséria, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2023, ambas caíram aos menores índices da série histórica iniciada em 2012. A proporção de pobres na população foi de 36,7% no ápice — período da pandemia — para 27,4%. A pobreza extrema, de 9% para 4,4%. Estimativas da FGV Social sugerem que a fatia de pobres e miseráveis na população nunca foi tão pequena. Como, apesar da queda, os contingentes ainda são enormes, o combate às duas chagas históricas não pode esmorecer. Para que a tendência se consolide, o governo precisará fazer bem mais do que tem feito.

Dois fatores foram responsáveis pelos resultados positivos. O primeiro foi a redução do desemprego. A desocupação caiu de 8,8% no primeiro trimestre de 2023 para 7,9% um ano depois. A massa salarial, descontada a inflação, cresceu 6,6%, e o rendimento médio subiu 4%. Para a população vulnerável, mais dinheiro no bolso é a diferença entre a pobreza e uma vida mais digna. Mas a previsão é que o crescimento econômico que embalou a geração de emprego e renda arrefeça.

O segundo fator responsável pela queda da pobreza e da miséria foram os programas sociais. Às vésperas da eleição de 2022, Jair Bolsonaro aumentou o valor do Bolsa Família (na época Auxílio Brasil) para R$ 600. Eleito presidente, Luiz Inácio Lula da Silva manteve o valor. Em 2019, os beneficiários do programa receberam R$ 44 bilhões (em valores corrigidos). Quatro anos depois, R$ 174 bilhões. Também houve crescimento de dois dígitos no benefício para idosos e deficientes de baixa renda, o BPC. A crise fiscal, porém, impõe limites à ampliação do orçamento dos programas sociais.

As projeções de crescimento da economia são declinantes justamente porque o governo se mostra incapaz de gastar apenas o que arrecada, sem contrair dívidas. A gastança sem lastro se manifesta em várias frentes, inclusive nos programas sociais. A ampliação permanente do Bolsa Família representou um impacto de R$ 598 bilhões em dez anos. Não houve compensação por meio de redução de outras despesas nem aumento de receita. Não há como incrementar de forma sustentável a transferência de renda sem cuidar do equilíbrio fiscal.

O Brasil já gasta bastante em programas sociais. Somando Bolsa Família, abono salarial, seguro-desemprego e BPC, 3,2% do PIB. Numa comparação de investimento em proteção social feita pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que leva em conta também a Previdência, o Brasil se destaca. Isso já era verdade em 2010, quando destinava 10,55% do PIB. No ano passado, foram 13,28% — o dobro do gasto russo, sete vezes o argentino e 78 vezes o chinês. Como investe muito em proteção social, o Brasil deveria garantir a sustentabilidade dessa rede de proteção. Regras pouco realistas e injustas de reajuste precisam ser mudadas. Nos programas de transferência, o foco deve estar nos realmente pobres e miseráveis, para garantir sua eficácia. Por fim, é preciso assegurar educação de qualidade para todos, de modo a romper o ciclo de transmissão da miséria de uma geração a outra.

Com o tanto que o Brasil gasta, a queda na pobreza e na miséria deveria ser bem maior. Se adotar políticas adequadas, o país deixará os registros de pobreza e miséria nos livros de História.

Perdão de Biden ao filho contribui para degradar democracia americana

O Globo

Com clemência inédita, presidente dos Estados Unidos faz exatamente aquilo que disse que Trump faria

Ao perdoar o próprio filho de forma plena e abrangente, por crimes que cometeu no passado e até pelos que possa vir a cometer, o presidente americano, Joe Biden, contribui para agravar a crise deflagrada em seu partido pela derrota de Kamala Harris para Donald Trump nas eleições presidenciais — e para degradar ainda mais a democracia nos Estados Unidos.

Há longa tradição de o chefe do Executivo distribuir clemência no país, mas Biden extrapolou. Concedeu ao filho Hunter um perdão inédito por todos os crimes que cometeu ou de que tenha participado entre 1º de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2024. Antes, não apenas declarara que não interferiria nos problemas do filho — e, para provar, manteve no cargo o procurador David Weiss, responsável por acusações a Hunter—, como não cansava de acusar Trump de não saber separar a atuação pública de questões privadas.

O perdão a Hunter é um dos mais amplos já concedidos pela Casa Branca. Só comparável ao de Gerald Ford a Richard Nixon depois do caso Watergate, mesmo assim mais abrangente. A clemência não cita crime específico, apenas passa uma borracha em qualquer delito federal cometido por Hunter durante 11 anos, período em que esteve envolvido em várias suspeitas.

Em junho, um tribunal federal de Delaware o condenou por ter mentido ao comprar uma arma em 2018 sem dizer que era usuário de drogas. Hunter passou 11 dias com o revólver de forma ilegal. Em setembro, sofreu condenação em nove acusações envolvendo impostos federais. O perdão dado pelo pai veio pouco antes das duas sentenças.

As suspeitas mais graves contra Hunter vêm do tempo em que foi executivo na Burisma, empresa ucraniana de energia. Adversários de Biden acusam o filho de usar a influência do pai, então vice-presidente de Barack Obama, para fazer lobby a favor da Burisma em Washington. Parte das suspeitas foi comprovada pelo conteúdo de um notebook de que Hunter se desfez, vazado para a imprensa.

Biden não é o primeiro presidente a conceder clemência a parente nos Estados Unidos. Bill Clinton perdoou o meio-irmão Roger Clinton, condenado em 1985 por tráfico de cocaína. O próprio Trump, depois de ter perdido a reeleição para Biden, revogou condenações do sogro da filha, Charles Kushner, por falso testemunho e evasão tributária. Também perdoou seus ex-assessores envolvidos na investigação sobre a interferência russa na campanha eleitoral de 2016. Nesses casos, porém, quando não havia condenação, havia ao menos processo ou julgamento em curso. Biden inovou com um perdão preventivo.

Ele alega que Hunter é perseguido pela Justiça por ser seu filho. É verdade que não comete ilegalidade ao usar a caneta de presidente para livrá-lo dos tribunais. Mas é evidente que não deveria, no cargo, agir como pai. Ao fazer isso, oferece a Trump — que já revelou não ter o menor pudor em usar todos os mecanismos do Estado em benefício próprio — um álibi para perdoar quem quer que seja uma vez no poder.

Volta do crescimento mostra caminho para reduzir a miséria

Valor Econômico

A combinação de expansão econômica pós-pandemia com programas sociais mostrou ser, como já se sabia, uma fórmula poderosa para melhorar as condições sociais

Há menos pobres e miseráveis no Brasil que há uma década, revelaram os Indicadores Sociais do IBGE, com base no novo Censo. De 2022 a 2023, 3,1 milhões de pessoas deixaram a extrema pobreza (renda de R$ 209 por mês), reduzindo sua porcentagem no total da população de 5,9% para 4,4%, a menor da série iniciada em 2012. Da mesma forma, 8,7 milhões de brasileiros deixaram a linha de pobreza (R$ 665 por mês) e pela primeira vez esse contingente ficou abaixo dos 30% da população (27,4%). No primeiro caso, o Bolsa Família explica quase tudo: seu valor triplicou de antes da pandemia (R$ 218 em média) para depois. O aumento principal veio no governo Bolsonaro, com o Auxílio Brasil de R$ 600, que deveria recuar em 2023, mas o governo Lula tornou permanente esse valor e acrescentou mais recursos para crianças, por exemplo.

Para o IBGE, os programas sociais explicam praticamente toda a queda do número de miseráveis no país. O aumento do emprego e dos salários, só possível com a volta do crescimento econômico, foi a alavanca principal. A combinação de expansão econômica pós-pandemia - com avanço de 3% ou mais nos últimos quatro anos - com programas sociais mostrou ser, como já se sabia, uma fórmula poderosa para melhorar as condições sociais. A volta do crescimento é recente e se ele for sustentável - o que não tem sido - é possível, ao longo de anos, eliminar ou reduzir ao mínimo a pobreza e a insegurança alimentar.

Apesar da redução em 2023, ainda há 59 milhões de brasileiros pobres e 9,5 milhões de miseráveis no país. Crescer é na prática a única opção. Os programas sociais atingiram um pico a partir do qual será difícil aumentá-los significativamente. Só o Bolsa Família consome R$ 170 bilhões e atende mais famílias do que quando foi criado, em 2003 (3 milhões) ou 2021 (13 milhões), e o Benefício de Prestação Continuada traz gastos de outros R$ 100 bilhões.

Os indicadores sociais trazem boas novas. Entre 2016 e 2023, o número de brasileiros com acesso à internet saltou de 68,6% para 92,9% - mais de 90% das pessoas em extrema pobreza possuem celular. A frequência escolar de crianças de 0 a 3 anos aumentou de 2019 a 2023 para 38,7% e está mais próxima da meta oficial de conseguir com que pelo menos 50% delas tenham acesso a creches e ensino. Já a frequência escolar de crianças de 4 e 5 anos atingiu o bom índice de 92,9%, um dos efeitos claros do Bolsa Família, que exige sua participação escolar.

Mas há deficiências graves que não desapareceram, nem desaparecerão tão cedo. A desigualdade de renda do Brasil é uma das maiores do mundo e, na América Latina, só é inferior à da Colômbia. O índice de Gini, que mede o grau de desigualdade (quanto mais próximo de 0 mais igual é uma sociedade), manteve-se entre 2022 e 2023 em 0,518. O IBGE calculou que, sem os programas sociais, o índice pioraria para 0,555, ou 7,2%. A renda total dos 10% com maior rendimento foi 3,6 vezes maior do que a dos 40% com menor rendimento. A melhoria no mercado de trabalho, para o IBGE, foi primordialmente apropriada pelos trabalhadores qualificados.

Os indicadores mostram o desafio da qualificação para se obter aumento da produtividade, o fator mais relevante para o crescimento sustentável. Apenas 19,7% dos brasileiros acima de 25 anos completaram o ensino superior, ante 47,2% da média dos países da OCDE. Terminaram o ensino médio 34,7%, ante 40% da média da OCDE. Pior: um terço (33,1%) não tem instrução ou sequer o ensino fundamental. Outros 12,5% passaram pelo fundamental, mas não chegaram ao fim do ensino médio. Isto é, quase metade da população nessa faixa etária tem nível precário de aprendizado escolar.

Prevalecem como chagas sociais a disparidade salarial entre homens brancos em relação a todas as mulheres, especialmente negras e pardas. Na comparação, a maior diferença a favor de homens brancos ocorreu no salário-hora recebido por quem possui título superior - ele é 41,9% superior ao das mulheres.

Preocupante também é a redução da fatia dos rendimentos obtidos com o trabalho em relação aos recebidos por benefícios sociais entre os 20 milhões de pessoas que ganham até um quarto do salário mínimo. Era de 62,8% e caiu para 34,6% em 2023, enquanto a parcela do dinheiro dos benefícios sociais subiu de 23,5% para 57,1%. A fração mais pobre da população está sendo expulsa do mercado de trabalho e pode estar a caminho de tornar-se permanentemente dependente de auxílios sociais.

Ao quase dobrar em termos reais os benefícios sociais, os resultados obtidos estão possivelmente no limite dos que podem ser obtidos - e ainda assim restam 78,5 milhões de pessoas que ganham até meio salário mínimo, insuficiente para o mínimo sustento. Há esforços no caminho certo, inescapável, da educação, que precisam ser aprimorados e intensificados. O equilíbrio macroeconômico é condição essencial para a alocação dos escassos recursos onde mais importam. Colocar as contas fiscais em ordem, para evitar desperdícios e enormes despesas com juros, deveria ser uma das tarefa essenciais dos governos, não importa sua inclinação política.

Pobreza cai, mas gasto social ainda pode ser mais eficiente

Folha de S. Paulo

Proporção de brasileiros de baixa renda se reduz com mais trabalho e ampliação nem tão bem planejada do Bolsa Família

A proporção de pessoas que vivem com renda inferior às de situação de pobreza e de extrema pobreza no país caiu ao menor nível desde 2012, a partir de quando há dados comparáveis nas estatísticas do IBGE —27,4% e 5,9%, respectivamente.

O aumento do valor dos benefícios do Bolsa Família deu grande contribuição para a redução do que se chama de pobreza monetária, em especial nos estratos com rendimento muito baixo. Já o avanço da remuneração do trabalho contribuiu para que os menos pobres entre os mais pobres vissem avanços em sua situação.

Questão essencial é saber como manter tais progressos. Outra é o aumento da eficiência de programas sociais.

A despesa com o Bolsa Família cresceu espantosos 80,4% de 2022 para 2023, acima da inflação, incremento de R$ 78,3 bilhões no primeiro ano do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que deu continuidade ao reajuste promovido por Jair Bolsonaro (PL) mais perto da eleição.

Outros benefícios tiveram também alta relevante, mas em escala bem inferior, distribuindo recursos que não chegam aos mais pobres dos mais pobres.

O impacto do Bolsa Família pode ser observado no aumento da participação de benefícios sociais no rendimento total. Entre famílias com renda domiciliar per capita inferior a um quarto de salário mínimo, tal participação foi a 57,1%, ante 42,2% em 2022 e 26,3% em 2013, no pico de gastos dos primeiros anos petistas.

Dado que a vexatória desigualdade permaneceu estagnada no período, sem o programa social haveria não apenas mais pobreza como mais iniquidade.

Apesar de tal sucesso, a transferência direta de renda apresenta fragilidades, muitas delas agravadas sob Bolsonaro. Houve alta fraudulenta de famílias unipessoais; a qualidade do cadastro e a fiscalização foram degradadas.

Em um ano, o governo retirou 1,7 milhão de famílias unipessoais da lista de beneficiários. Há planos de recadastramento e controle, que podem ser incrementados por medidas embutidas no pacote fiscal. Em relação ao final de 2023, a despesa anual com o programa caiu cerca de 2,4%.

Dada a situação das contas públicas, é improvável que sobrevenham melhoras adicionais significativas por meio de transferências de renda. Apesar dos ótimos resultados no emprego e na renda do trabalho, parece difícil sustentar tal ritmo sem aumentos relevantes da produtividade na economia. Note-se que, na média nacional, 74,2% dos rendimentos advêm do trabalho.

Ainda há muita desigualdade a combater. Entre as crianças de até 14 anos, a taxa de pobreza é de 44,8%. Os nem-nem, jovens de 15 a 29 anos que não estudam nem trabalham, somam 21,2%, e 45,2% desse contingente são mulheres pardas ou pretas.

Eficiência continua a ser palavra-chave: sem maior efetividade no gasto social e produtividade na economia, a situação social ainda deprimente persistirá.

Mais médicos, mesma desigualdade regional

Folha de S. Paulo

IBGE mostra alta no número de profissionais; é preciso articular programas para melhorar situação no Norte e Nordeste

O número de médicos em atuação no Brasil aumentou entre 2019, ano anterior à pandemia, e 2023. Essa é a boa notícia. A má é que ainda há profunda disparidade regional na oferta de profissionais.

De fato, países com dimensões continentais e vastas áreas remotas de natureza selvagem enfrentam desafios para ofertar serviços públicos de modo mais igualitário —até os ricos Canadá e Austrália, por exemplo. Mesmo assim, o esforço para diminuir diferenças deve ser contínuo.

Segundo o relatório Síntese de Indicadores Sociais, divulgado pelo IBGE na quarta-feira (4), o número total de médicos no período subiu de 406,7 mil para 502,6 mil —alta de 23,6%.

A taxa dos que atuavam no SUS em 2023 caiu levemente ante 2019, de 72,8% para 71,4%; já a dos que estavam na rede privada cresceu 1,4 ponto percentual, chegando a 28,6%. O número de médicos por 10 mil habitantes aumentou de 19,6 para 23,7.

Numa comparação internacional a partir de números de 2022, ano dos dados mais recentes de outros países, o Brasil (22,5) estava próximo do Canadá (25), mas distante do Reino Unido (31,7) e muito mais de vizinhos como Uruguai (46,2) e Argentina (40,8).

No âmbito doméstico, o IBGE mostra a diferença regional histórica verificada em várias pesquisas de outras instituições.

A média nacional em 2023 é superada no Sudeste (29,2), no Sul (27,1) e no Centro-Oeste (25,3), enquanto Nordeste e Norte estão muito abaixo dela, com 16,5 e 13, respectivamente. Ademais, a região Norte é a única onde há mais enfermeiros do que médicos por 10 mil habitantes.

Para diminuir disparidades, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reativou o Mais Médicos no início do mandato. A iniciativa é bem-vinda, mas ainda precisa ser associada a outras ações.

Levantamento da Folha de 2023 revelou que, mesmo com as 1.869 vagas destinadas à Amazônia Legal no edital do programa, seriam necessários mais de 21 mil médicos na região para eliminar a discrepância —de acordo com o Ministério da Saúde, neste fim de 2024 há mais de 25 mil profissionais no Mais Médicos.

A telemedicina pode ser uma aliada na supervisão de profissionais jovens —geralmente mais dispostos a passar um período de sua formação em áreas remotas— e no acesso a atendimento para casos mais complexos.

Não há bala de prata. É preciso se valer dos indicadores, investir em infraestrutura e criar políticas articuladas nas três esferas para que o direto à saúde chegue de forma plena a todo o país.

O STF flerta com a censura prévia

O Estado de S. Paulo

Constrangedor voto de Dias Toffoli indica que Supremo vai invadir competência do Congresso para regular as redes sociais, o que decerto levará a uma retração na liberdade de expressão

A pretensão do Supremo Tribunal Federal (STF) de esbulhar a competência do Congresso para legislar sobre a regulação das redes sociais é conhecida pela loquacidade de alguns ministros, que parecem ter perdido o pudor de falar em público aquilo que não deveriam ou, quando muito, deveriam falar apenas nos autos. De modo que não surpreende o mau começo da leitura de votos acerca da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Ao que tudo indica, o STF caminha a passos largos para, sem ter mandato para isso, criar regras tão draconianas para a manifestação do pensamento nas redes sociais que, na prática, reinstalará a censura prévia no Brasil.

O referido dispositivo, convém recordar, determina claramente a condição para responsabilização das empresas de tecnologia pelos conteúdos publicados por terceiros em suas plataformas, em particular nas redes sociais. As chamadas big techs só podem ser responsabilizadas civilmente se, após uma decisão judicial, deixarem de tomar as providências que lhes foram determinadas. A única exceção a essa regra também está escrita em português cristalino no artigo 21 do mesmo Marco Civil da Internet, que diz, resumidamente, que as empresas serão responsáveis por conteúdos produzidos por terceiros que violem a intimidade sexual de outrem quando não retirarem esses conteúdos do ar após notificação das vítimas.

O primeiro e único a votar até o momento foi o ministro Dias Toffoli, relator do processo no STF. Com um voto confuso e uma peroração constrangedora sobre o que ele entende ser o limite da liberdade de expressão, Toffoli defendeu em seu relatório não só a punição das chamadas big techs em caso de “publicações criminosas”, como também, pasme o leitor, a criação de regras para a oferta de seus serviços no Brasil. Ocioso dizer que essa regulação das redes sociais, na visão luzidia de Toffoli, deverá ser feita pelo STF, e não pelo povo por meio de seus representantes eleitos, se e quando achar oportuno.

A qualquer um dos ministros do STF bastaria dizer, com fundamentos factuais e jurídicos, se entende que o artigo 19 do Marco Civil da Internet é constitucional ou não. É evidente que é, pois os legisladores tomaram o cuidado de redigi-lo, após um longo e profícuo debate envolvendo a sociedade civil, “com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura”, como diz o caput do artigo, em pleno acordo com a Constituição. Se o artigo deixou de proteger direitos fundamentais dos brasileiros passados dez anos de sua vigência, o que não parece ser o caso, cabe ao Congresso revisitá-lo, não ao Supremo, evidentemente. Uma lei anacrônica não é necessariamente uma lei inconstitucional. E este nem é o caso dos artigos 19 e 21, válidos como estão escritos.

O STF, contudo, parece ter tomado gosto pelo autoatribuído papel de zelador do Estado Democrático de Direito, além de se ver na posição de “recivilizar o País”, nada menos. Imbuída desse espírito purgador, a Corte não se constrange em virar as costas para a mesmíssima Constituição que deveria defender, traindo-a, é forçoso dizer, em favor da visão absolutamente particular que seus ministros têm sobre o que pode ou não pode circular como discurso na esfera pública.

Nesse sentido, o voto de Toffoli, haja vista a sua condição de relator do processo, é sintomático do modo exótico como um tema de fundamental importância para a democracia no Brasil e no mundo, a liberdade de expressão, tem sido tratado pela mais alta Corte de Justiça do País. É bem verdade que se está tratando de um ministro que não foi capaz sequer de ser aprovado em concurso para juiz de primeira instância, mas a indigência intelectual expressa no voto de Toffoli – que chegou a confundir a expressão discursiva com a prática de crimes tipificados no Código Penal – só não é mais chocante do que o ânimo do STF de, ao custo de uma degradação ainda maior de sua legitimidade, rasgar a Lei Maior e cassar a palavra dos cidadãos ex ante – pois é isso o que vai acontecer – em nome de um suposto combate à “desinformação”, aos “discursos de ódio” e aos “ataques à democracia”.

A França se choca contra a realidade

O Estado de S. Paulo

Convulsões políticas refletem um mal-estar econômico que os europeus se recusam a encarar. A conta só fechará com remédios amargos, e ceder às tentações populistas agravará a doença

Em setembro passado, Michel Barnier assumiu o cargo de primeiro-ministro na França prometendo “ruptura e mudanças”. Não conseguiu nem uma coisa nem outra. Por trás dessas promessas grandiloquentes, o objetivo, na prática, era mais modesto. Com um governo minoritário, as reformas ambiciosas do presidente Emmanuel Macron ficaram no passado. Restava manter uma administração funcional e disciplinar minimamente as contas públicas. Barnier, um veterano de centro-direita que, como comissário europeu, geriu o acordo do Brexit, parecia uma escolha sensata. O problema é que não era a escolha dos eleitores.

A votação expressiva dos radicais de direita da Reunião Nacional para o Parlamento Europeu em junho foi um protesto contra as políticas de Macron. Ao convocar temerariamente eleições na sequência, ele alegou dar aos franceses uma “segunda chance”. Mas eles dobraram a aposta nos radicais de direita e de esquerda, resultando num Parlamento com dois blocos opostos e os centristas de Macron espremidos no meio. Ao escolher Barnier, ele ignorou de novo a vontade do eleitorado.

Em comum, os dois blocos têm três coisas: irritação com Macron, hostilidade um ao outro e a recusa a cortar gastos. Em três meses, ambos se uniram para derrubar Barnier. Foi o terceiro premiê em um ano e o mais breve da Quinta República. Novas eleições só podem ser convocadas em julho e a França terá de se arranjar com um presidente desmoralizado, um Parlamento fragmentado e as contas públicas em decomposição. O Orçamento deste ano pode ser provisoriamente replicado no ano que vem. Mas isso deixará intacta a febre fiscal que inflama a instabilidade política.

Na raiz do mal-estar está o baixo crescimento. Há décadas a produtividade europeia se distancia da dos EUA. Macron sabe disso: “A União Europeia como conhecemos pode acabar; é regulada demais e investe de menos. Se não mudarmos nossa forma de pensar, estaremos fora do mercado”. Mas no seu próprio quintal ele é impotente. Os dois extremos não têm ideia de como revitalizar a economia e podem piorar as coisas se reverterem as reformas trabalhistas e previdenciárias de Macron.

O espectro de uma nova crise fiscal similar à de 2010 assombra a Europa. Mas a volatilidade agora não vem de países periféricos, como Grécia, Irlanda, Portugal ou Espanha, mas do centro. O governo alemão também colapsou por pressões fiscais e baixo crescimento.

O momento não poderia ser pior. Enquanto a Rússia intensifica a agressão à Ucrânia e flexiona seus músculos em antigos satélites soviéticos, como a Georgia, o futuro presidente dos EUA, Donald Trump, ameaça abandonar as defesas europeias à própria sorte e detonar uma guerra comercial. Internamente, a combinação de fragmentação política com economias enfermas cria uma volatilidade perigosa. Governos minoritários (como em Paris) ou coalizões incongruentes (como em Berlim) têm dificuldades de sobreviver, quanto mais de fazer reformas, e, sem a liderança de França e Alemanha, Bruxelas tateia às cegas.

Os governos centrais da União Europeia poderiam aprender algo com os periféricos sobre como reviver a economia. Mas ainda terão o desafio, particularmente na França, de despertar os eleitores para uma realidade que eles parecem se recusar a encarar: a sua economia não consegue sustentar suas demandas. Uma agenda pró-crescimento precisaria combinar um tanto de austeridade, para sanear as contas públicas, e um tanto de desregulação, para estimular o empreendedorismo. Mas isso significa, de imediato, mais riscos nos negócios e menos benefícios sociais. É a velha receita: o bolo precisará crescer para ser dividido. Mas os populistas nos extremos seguem prometendo o impossível – ter o bolo e comê-lo, como dizem os britânicos – e os moderados no centro não estão conseguindo desconjurar esse encanto.

Em junho, Macron justificou a dissolução do Parlamento alegando que “essa decisão é a única que permitirá ao país se mover e se unir”. Ele não conseguiu nem uma coisa nem outra, e a letargia e a fragmentação estão infectando a Europa.

Nova investida contra as agências

O Estado de S. Paulo

Por meio de decreto presidencial, governo Lula da Silva decide tomar para si atribuições da Anatel

Em nova investida contra as agências reguladoras, o governo Lula da Silva decidiu tomar para si o controle dos projetos e compromissos assumidos por empresas de telecomunicação que participam de leilões de radiofrequência. Antes nas mãos da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a atribuição foi repassada ao Ministério das Comunicações por meio de decreto presidencial publicado nesta semana, e terá, inclusive, efeitos retroativos.

Com o decreto, a pasta quer ter o poder de decidir onde, como e de que forma serão realizados os investimentos para conectar escolas públicas à internet de alta velocidade, uma das contrapartidas impostas às teles que arremataram frequências no leilão do 5G. Realizada em 2021, a disputa, à época, movimentou R$ 47,2 bilhões, dos quais R$ 3,1 bilhões foram reservados para a educação.

Atualmente, esses recursos têm sido geridos pela Entidade Administradora da Conectividade de Escolas (Eace), instituição criada especificamente para esse fim após o leilão. Tudo indica que o governo não esteja satisfeito com o ritmo do programa de conectividade das escolas, mas, até aí, bastaria cobrar mais agilidade na condução dos trabalhos.

O Executivo, no entanto, achou por bem passar por cima dos termos do edital, como se ele não representasse um ato jurídico perfeito e não tivesse sido submetido ao Tribunal de Contas da União. E foi além: por meio do Artigo 5.º, deixou claro que suas disposições do Decreto 12.282, de 2 de dezembro deste ano, “aplicam-se inclusive aos leilões de autorização para o uso de radiofrequências já realizados”.

Não se trata de uma posição contrária à criação de uma entidade para a realização de uma política pública. O mesmo modelo já foi adotado no leilão do 4G, realizado durante o governo Dilma Rousseff, e garantiu a transição da TV analógica para o sinal digital – processo, por sinal, muito bem-sucedido.

Com o decreto, o Executivo prova a máxima atribuída ao ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, segundo a qual no Brasil até o passado é incerto. Não cabe alterar, sobretudo por meio de um decreto, os dispositivos do edital de um leilão já realizado e da Lei Geral de Telecomunicações, que definiu claramente as atribuições da Anatel em 1997.

Atrair o setor privado para investimentos em infraestrutura requer, necessariamente, o fortalecimento das agências reguladoras, instituições cuja autonomia Lula da Silva ataca com recorrência.

É surreal que o governo insista nessa saga, considerando que o retorno desse tipo de investimento dificilmente supere a taxa básica de juros, já elevada e com tendência de alta nos próximos meses.

Para o Executivo, segurança jurídica parece ser algo opcional. É de perguntar se é assim que o governo pretende ampliar a infraestrutura e elevar a taxa de investimento, hoje em apenas 17,6% do PIB, longe dos 25% necessários para garantir um crescimento econômico sustentável. Fincado no passado, talvez o governo acredite que poderá contar apenas com empresas estatais para atingir seus objetivos.

Maior enfoque na alimentação sustentável

Correio Braziliense

Mais da metade dos brasileiros se diz engajada com a alimentação que traz melhorias à saúde, reduz impactos no meio ambiente e diminui o desperdício

Para a surpresa de muitos brasileiros, pesquisa mostra que 91% das pessoas têm uma percepção positiva em relação à alimentação sustentável. Das cinco nações e quase 7,3 mil entrevistados que participaram do levantamento — Brasil, Índia, Estados Unidos, França e Reino Unido —, o país lidera as estatísticas. A Pesquisa Internacional de Sustentabilidade Food Barometer 2024, realizada pela Sodexo, que está em sua segunda edição, revela que 51% dos entrevistados brasileiros se declararam engajados com a alimentação sustentável, ultrapassando os 42% do resultado global.

Em um país com índices inflacionários que impactam também na alimentação e no poder de compra e que, nos últimos 10 anos, apresentou um aumento médio de 5,5% no consumo de alimentos ultraprocessados, de acordo com estudo sobre o perfil de consumidores divulgado pela Revista de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), é de causar espanto perceber pelo menos a preocupação com o que se come rotineiramente.

Quando falamos em ultraprocessados, incluem-se formulações industriais prontas para o consumo, como açúcares, xaropes, gorduras, compostos proteicos, e pouca ou nenhuma quantidade de fibras e micronutrientes. E a lista é grande: refrigerantes, doces, balas, biscoitos de pacote, salgados, macarrão instantâneo, frituras, alimentos prontos para aquecimento, chocolates, embutidos, como presunto e mortadela, entre tantos outros.

Embora as pessoas sejam conscientes sobre a relevância da alimentação saudável, o Brasil ainda caminha lentamente nessa direção. Há um distanciamento entre teoria e prática, entre o que se propõe e o que se faz. E isso não é um fenômeno restrito aos brasileiros. 

Segundo a pesquisa Food Barometer, o preço e o sabor se mantêm como elementos principais nos itens de escolha dos consumidores em escala global. Para 73% dos respondentes, o preço é o principal critério, seguido pelo sabor: 61%,  muito em decorrência da crise econômica no mundo, segundo analistas. Em seguida, há critérios como valor nutricional (50%), composição/ingredientes (48%), marca (37%), conveniência do produto (35%) e aparência/acondicionamento (32%).

A pesquisa também ressaltou que a maior parte dos entrevistados reconhece os benefícios da alimentação sustentável, com destaque para a redução do impacto para o meio ambiente (51%), redução do desperdício (50%), melhora da saúde (47%) e proteção da biodiversidade (43%), seguido, pelo apoio a produtores/economias locais (38%) e respeito ao bem-estar animal (36%).

O levantamento serve como um chamamento para que tanto os governos e as instituições de saúde pública quanto a indústria alimentícia e a sociedade se unam  em uma tentativa de liderar uma transição do mundo de ultraprocessados para uma população que consuma dietas mais equilibradas, com práticas agrícolas sustentáveis, campanhas de educação alimentar e introdução de um maior número de ingredientes saudáveis aos processos industriais. Ganha a saúde do brasileiro. Ganha a economia. E ganha o meio ambiente. 

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