O Estado de S. Paulo
Está equivocado quem acredita que a
reviravolta produzida na economia global pelo presidente Donald Trump tenha
como foco principal o tarifaço.
É bem mais o esperneio de Trump diante da
perda de hegemonia dos Estados Unidos no mundo e do declínio do dólar como
moeda de reserva global. O impacto da transformação sobre as áreas monetária e
geopolítica parece irreversível.
Os títulos do Tesouro dos Estados Unidos (treasuries) vão perdendo valor, situação que se caracteriza pela alta persistente dos juros de longo prazo, que não é determinada pelo Fed (banco central), mas pelo mercado – que passou a exigir mais remuneração (yield) para ficar com esses ativos.
Semana passada, a Moody’s rebaixou a nota de
crédito dos Estados Unidos e, assim, juntou-se às outras duas mais importantes
agências de avaliação de risco, a Fitch e a S&P, que já haviam dado esse
passo.
Os países que mais detêm esses títulos, como
Japão e China, os vêm trocando por outros ativos. Essa movimentação amplia a
oferta dos papéis no mercado e pressiona ainda mais os juros de longo prazo.
Por trás dessa progressiva rejeição está a
deterioração das contas públicas dos Estados Unidos. A dívida já ultrapassa os
US$ 36 trilhões. Apenas com juros os Estados Unidos vêm sendo obrigados a
gastar US$ 1 trilhão por ano. É um quadro que tende a piorar porque não há
vontade política, nem do governo nem do Congresso dos Estados Unidos, de
reverter esse jogo perverso. Ao contrário, Trump promete pesada redução de
impostos, que não será coberta pelo aumento da arrecadação das tarifas. Nesta
quarta-feira, o FMI advertiu o governo dos Estados Unidos sobre a disparada do
rombo fiscal e para a perda de confiança no dólar.
Por enquanto, não há substituto para o dólar
na condição de moeda de reserva global nem para servir de refúgio dos
investidores nas condições de crise. A diversificação que vem ocorrendo tem
aumentado as compras de ouro, euros, francos suíços e criptomoedas. Mas esses
ativos ainda não oferecem nem volume nem densidade suficientes para substituir
o dólar e os treasuries como reserva de valor.
De tempos em tempos, mudanças monetárias e cambiais se tornam inevitáveis. A libra esterlina já foi a moeda campeã do mundo e foi substituída pelo dólar em 1944, na cúpula de Bretton Woods. Em 1971, o presidente Nixon acabou com a convertibilidade do dólar em ouro e pretendeu que o dólar fosse aceito pela confiança na pujança da economia dos Estados Unidos. Essa confiança é hoje um vaso trincado, menos pela perda de qualidade da dívida e mais pela falta de condições políticas para a reversão dessa situação.
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