Folha de S. Paulo
As relações entre Brasília e Pequim,
importantes no plano comercial, não são um diálogo entre iguais
Manter o equilíbrio nas relações com os Estados
Unidos, a China e
a União
Europeia talvez seja o principal desafio da política externa
brasileira.
Há muito tempo, o país chegou à maturidade em suas relações com a grande potência do Norte e com as nações da zona do euro. Escapando do realinhamento político automático, o amadurecimento se expressa no baixo grau de conflito; na discussão pragmática das divergências; na cooperação onde possível; no distanciamento quando necessário; na autonomia sempre. O relacionamento oficial, gerido no dia-a-dia por diplomatas de carreira, independe em boa medida da linha dos governos de turno. (Exceção feita ao curto período em que o comando do Itamaraty foi assaltado pelo bolsonarismo delirante do ministro Ernesto de Araujo).
Convém avaliar sob esse prisma a construção
de relações maduras com a China, do que a recente visita do presidente Lula – e
enorme comitiva – é um episódio.
Foi uma viagem mais do que oportuna.
Quando Donald
Trump desorganiza o comércio mundial com a ameaça de tarifas
exorbitantes, o Brasil mostrou serem muitas as oportunidades a explorar com o
gigante asiático, seu principal parceiro comercial. Dali saiu com promessas de
investimentos de empresas locais da ordem de R$27 bilhões na produção
automobilística, em energia renovável, transporte e delivery, insumos
farmacêuticos e até bebidas. Como se pouco fosse, 0 Banco Central explora a
possibilidade de empresas brasileiras captarem recursos por meio de lançamento
de títulos em yuan, a moeda chinesa.
Mas convém lembrar que as relações entre Brasília e Beijing, embora tenham
adquirido envergadura no plano comercial nestas últimas décadas, não configuram
um diálogo entre iguais. Como observou o professor Maurício Santoro, da UFRJ,
no livro "Brazil-China relations in the 21st century" publicado na
Inglaterra, e a merecer tradução para o português, sob a retórica da cooperação
Sul-Sul, o comércio entre os dois países se assemelha ao padrão da tradicional
dependência Sul-Norte: vendemos commodities e importamos manufaturados.
Além do mais, a diferença de regimes
políticos, inexistente no relacionamento com os Estados Unidos e a União
Europeia, sugere cautela adicional no trato com a China autoritária.
A ideia do "Sul Global", se já teve
serventia no passado, hoje mais atrapalha do que ajuda a definição de uma
política externa realista do Brasil para com a China. Disso são prova certas
declarações do presidente Lula e alguns vídeos oficiais sobre a viagem postados
no seu Instagram oficial. O escorregão da primeira-dama no diálogo com Xi Jin
Ping parece provir da mesma falta de clareza dos limites da cooperação
sino-brasileira.
No já remoto ano de 1946, o deputado Octavio
Mangabeira, da conservadora UDN (União Democratica Nacional) ajoelhou-se e
beijou a mão do general Dwight Eisenhower, comandante das forças aliadas na
Segunda Guerra Mundial e futuro titular da Casa Branca. Com o gesto, entrou
para a História como exemplo da subserviência da oposição anti-getulista ao
chamado "Grande Irmão do Norte". Quase 80 anos depois, pega mal um
presidente de esquerda, por ingenuidade ou erro de cálculo, agir de forma
assemelhada diante dos poderosos da vez.
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