Correio Braziliense
O presidente dobra a aposta na sua política
de redistribuição de renda por meio do Estado. É uma velha estratégia de
governantes que desejam aumentar sua popularidade
Com pompa e circunstância, tendo ao seu lado
os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi
Alcolumbre (União-AP), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou, nesta
quarta-feira, medida provisória (MP) que visa reduzir a conta de luz no país.
Com gratuidade e descontos para famílias de menor renda, abertura do mercado de
energia e revisão dos benefícios fiscais para o setor, a MP precisará ser
aprovada pelo Legislativo dentro de 120 dias.
Com a popularidade em baixa, de olho na própria reeleição, Lula adotou o velho discurso do Robin Wood, o lendário herói do folclore inglês, que virou personagem da literatura, do teatro e do cinema. Era um arqueiro e espadachim habilidoso, renegado pela nobreza, que passou a roubar dos ricos para dar aos pobres. É uma fábula medieval da redistribuição de renda. "Todo mundo sabe que o povo mais pobre, que a classe média brasileira paga mais do que as pessoas que utilizam energia pelo mercado livre, que normalmente são os empresários", disse Lula.
"E os pequenos comerciantes, o pequeno
empresário e o povo em geral terminam pagando mais caro na energia do que
aqueles que consomem muito, aqueles que são os grandes empresários
brasileiros", acrescentou. Os ministros de Minas e Energia, Alexandre
Silveira, e da Casa Civil, Rui Costa, em coletiva de imprensa, explicaram que a
medida vai garantir gratuidade do fornecimento de energia para 40 milhões de
brasileiros de baixa renda e descontos para mais 60 milhões.
Ficarão isentas da conta de luz famílias com
renda per capita de até meio salário mínimo (R$ 759 atualmente) que consumam
até 80 kWh/mês. Já famílias com renda per capita entre meio e um salário mínimo
(R$ 1.518) que consumam até 120 kWh/mês terão desconto de cerca de 12% na
conta, pois não vão pagar a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) inclusa
no valor da energia. As concessionárias terão um prazo de até 45 dias para se
adaptarem. A isenção e o desconto terão custo estimado em R$ 3,6 bilhões para
os cofres públicos.
Lula dobra a aposta na sua política de
redistribuição de renda por meio dos mecanismos de que o Estado dispõe. É uma
velha estratégia de governantes que desejam aumentar sua popularidade, desde o
presidente Getúlio Vargas. Reflete uma visão na qual a centralidade da política
está na ação do Estado e não da sociedade civil, privilegia a relação direta do
governante com o povo, sem intermediários.
Na terça-feira, Lula havia sido vaiado três
vezes durante sua participação na Marcha dos Prefeitos, em Brasília: na
entrada, no início e ao final de seu discurso. Embora também tenha recebido
aplausos, as vaias sobressaíram. Lula não respondeu às manifestações, mas
ironizou o discurso de abertura proferido por Paulo Ziulkoski, presidente da
Confederação Nacional dos Municípios (CNM), que o havia criticado momentos
antes. "Hoje, o presidente da CNM voltou a ser o velho Paulo Ziulkoski,
com um discurso mais inflamado e contundente — como sempre deveria ser um
representante dos prefeitos", afirmou.
Ligação direta
Uma das dificuldades de Lula para recuperar a
popularidade são as mudanças que ocorreram na política brasileira. De um lado,
a sociedade civil deixou de ser uma trincheira da esquerda, como ocorreu
durante o regime militar, porque suas lideranças foram cooptadas para atuar no
governo. Resultado: cada vez mais associações de moradores, clubes sociais e
entidades corporativas estão sob controle de lideranças de direita, sobretudo
pastores e militantes bolsonaristas.
Os sindicatos, cuja emergência na política
marcou o século passado, com a chamada Era Vargas, e que são o lócus
privilegiado da atuação do PT desde as greves do ABC de 1978, lideradas por
Lula, já não têm o mesmo peso na representação popular, devido a mudanças
estruturais dos processos produtivos. Nunca no país houve uma situação em que o
poder de barganha dos sindicatos diminuiu com a expansão do emprego.
De ouro lado, a Constituição de 1988, ao
reconhecer os municípios como entes federados, enfraqueceu o poder dos
governadores na relação com a União, que passou a se relacionar também com os
municípios. Essa mudança favoreceu fortemente a reeleição de Lula em 2006, ao
permitir a implantação do Bolsa Família a partir da ação direta do governo
federal junto aos prefeitos de todos os partidos. Entretanto, essa relação
direta do governo federal com os prefeitos foi alterada profundamente com as
emendas impositivas ao Orçamento da União.
A maior parte das verbas federais destinadas
aos municípios é carimbada, como se diz no jargão administrativo. Isso
significa que precisa ser transferida automaticamente do governo federal para
as prefeituras. Os investimentos em obras e serviços, que antes levavam os
prefeitos à peregrinação na Esplanada dos Ministérios, porém, agora são
distribuídas por deputados e senadores, que controlam esses recursos por meio
de emendas impositivas. Hoje, os prefeitos dependem mais do Congresso do que
dos ministros.
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