O Estado de S. Paulo
O Brasil tem pouca relevância na espionagem internacional, mas oferece oportunidades
A primeira operação documentada de espionagem
de Moscou no Brasil data de 1935 e acabou muito mal. Na época, um casal de
agentes soviéticos dirigia de Copacabana o fluxo de dinheiro e mensagens com a
central em Moscou na Intentona Comunista encabeçada por Luiz Carlos Prestes.
O grupo todo enviado por Moscou foi desbaratado, morto, preso, torturado e os que escaparam – como o casal de agentes soviéticos, ucranianos de nascimento – tiveram na volta para casa destino semelhante. O Estado ganhou o Prêmio Esso de 1993 com a reportagem contando esse episódio – e como o famoso “ouro de Moscou” tinha sido dinheiro recebido por Prestes de Getúlio e levado para a URSS.
Nos relatórios desses espiões da precursora
da KGB o Brasil era um país no qual tudo era difícil por falta de disciplina,
desorganização e baixa confiabilidade dos integrantes locais da tropa de
revolucionários internacionais. A causa, segundo eles, da derrota de Prestes.
No imaginário russo o Brasil sempre foi uma
espécie de paraíso tropical fantástico, o que se refletiu na foto com a qual o
último chefe da KGB em Brasília se despediu do País quando a União Soviética
implodiu e ele fechou o escritório no começo da década dos anos noventa. Ele se
deixou fotografar diante do Planalto carregando no dedo uma vistosa arara,
publicada pela Veja, a quem o espião aposentado disse que nada de muito sério
havia tramado no Brasil.
De lá para cá não se ouviu mais falar de
espionagem russa no Brasil, até as revelações trazidas agora pelo New York
Times. Segundo as quais essa mesma bagunça pode ser uma grande oportunidade: a
de se obter facilmente documentos com os quais se permite criar uma identidade
“real”. Além do fato de que qualquer sobrenome ou fisionomia pode ser a de um
brasileiro, o que sempre tornou passaportes brasileiros muito procurados no
mundo da clandestinidade política ou criminal.
Nota-se que os espiões russos criados aqui
estavam sendo preparados para atuar em outras paragens. Ser cidadão de um país,
como o Brasil, afastado de qualquer conflito internacional relevante não
levanta inicialmente nem muita atenção nem muita suspeita. E, à exceção da
Tríplice Fronteira, o País não é palco de disputas subterrâneas entre grupos
políticos internacionais organizados de qualquer tipo.
Em outras palavras, nossa relevância no mundo
das operações secretas hoje está ligada ao tremendo peso que assumiram o crime
organizado, suas ramificações internacionais e sua imensa capacidade
operacional e controle de vastos territórios, como a Amazônia. Não há segredos
a serem roubados por aqui. Só há oportunidades.
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