Valor Econômico
Visitantes do Brasil nos Estados Unidos caiu 21,2% entre janeiro e abril; Trump começa a afetar comércio global de serviços
Mais turistas estrangeiros abandonam planos
de visitar os Estados Unidos por causa da rigorosa política migratória de Trump
2.0. Washington impede em vários casos a entrada inclusive de pessoas
originárias de países que nem sequer precisam de visto.
Os brasileiros estão na tendência global de evitar os passeios a lugares como Flórida, Nova York e Texas, que são preferência nacional. Entre janeiro e abril, o número de brasileiros que visitaram os EUA teve queda expressiva de 21,2%, de 191.646 para 151.008. Ainda assim, o Brasil é o segundo maior emissor de turistas para o mercado estadunidense, após o Reino Unido (e excluindo os vizinhos México e Canadá). O número de argentinos caiu 19,7%, enquanto os indianos rumo aos EUA aumentaram 1,5%.
A entrada de brasileiros com visto de
negócios aumentou 13% nos primeiros quatro meses do ano, provavelmente em busca
de novas oportunidades diante do espaço deixado pela China e outros mais
atingidos por tarifas de Trump. Já a entrada com visto de turista caiu 19,5% no
mesmo período, pelos dados do governo dos EUA.
Ao mesmo tempo, autoridades no Brasil dizem
que o número de estrangeiros visitando o país continua aumentando. Mas a
Organização Mundial do Comércio (OMC) alerta que o setor de viagens em geral
poderá ser o primeiro a sofrer na área de serviços, na América Latina e no
resto do mundo, com as incertezas econômicas causadas por Washington.
Embora não seja diretamente visado pela alta
de tarifas, o comércio de serviços sofre os efeitos negativos da guerra de
Trump 2.0. As mercadorias representaram três quartos do comércio global de US$
33,1 trilhões em 2024, mas o de serviços tem avançado bem mais rapidamente - e
o principal ganhador são, ou eram, justamente os EUA.
As exportações americanas de serviços
superaram US$ 1 trilhão em 2024, representando 12,4% do total mundial, e
expandiram 8% no ano. Embora sejam deficitários no comércio de mercadorias, em
serviços os americanos obtiveram superávit de quase US$ 300 bilhões no ano
passado. Companhias americanas receberam mais de US$ 144 bilhões somente em
royalties de propriedade intelectual e taxas de licença de produtos, muito mais
que seus parceiros globais.
Novas tecnologias possibilitam o fornecimento
e o consumo de mais tipos de serviços transfronteiriços, que beneficia a
inovação de empresas americanas. A digitalização aumentará a participação dos
serviços no comércio mundial total para 37% até 2040, pelas estimativas da OMC.
Os serviços prestados digitalmente, desde consultoria remota até streaming de
vídeo, já são o segmento de crescimento mais rápido do comércio global,
quadruplicando em valor entre 2005 e 2023, chegando a US$ 4,25 trilhões. Os EUA
respondem por mais de 15% dessas exportações.
Ocorre que o choque tarifário, mesmo com os
recuos de Trump, poderá causar contração de 0,2% no comércio de mercadorias, em
vez de alta de 3% neste ano. Com isso, a demanda de serviços, que cresceu 6,8%
no ano passado, deve aumentar só 4%, com uma perda, portanto, de bilhões de
dólares de negócios.
Com tarifas mais altas, que diminui as
transações, a demanda de serviços de transporte e de serviços logísticos nos
portos e aeroportos tende a crescer apenas 0,5% em volume, comparado a previsão
anterior de 2,9%. O setor de viagens poderá aumentar apenas 2,6%, com perda de
1,6 ponto percentual comparado a projeção anterior.
Também é esperada uma queda na demanda de
grande número de serviços intermediários que apoiam o comércio de manufaturas
ou produção de outros serviços, como serviços profissionais, de engenharia, de
pesquisa-desenvolvimento, informática e diversos serviços fornecidos a
empresas.
As tensões comerciais poderão endurecer a
regulamentação sobre licença de propriedade intelectual, o que limitaria o
crescimento de serviços fornecidos por plataformas, jogos on-line ou ensino à
distância. Os serviços financeiros devem igualmente ser afetados, porque o
contexto econômico incerto resultar em baixa dos investimentos internacionais e
das transações, incluindo as efetuadas por consumidores com o uso de cartões de
crédito.
Nesse contexto, a América Latina terá baixa
recorde no comércio internacional de serviços, mais que as outras regiões. Suas
exportações, que já não são muito significativas, podem sofrer contração de
1,1%, em vez de alta de 2,7%.
Para a OMC, o principal motivo é uma
diminuição esperada nas receitas de turismo internacional em 2025, impulsionada
pela redução da demanda de viagens de saída da América do Norte, especialmente
dos EUA, o principal mercado de origem.
O dólar americano está fraco e isso não
ajudará. A região se beneficiou da valorização do dólar americano no período
pós-pandemia. Em 2023, as chegadas de turistas internacionais ao Caribe e à
América Central já haviam ultrapassado os níveis de 2019. Muitas economias da
América do Sul também registraram números mais altos de turistas. As viagens
foram responsáveis por 39% das exportações de serviços da América do Sul e
Central e do Caribe em 2024.
O transporte marítimo também cairá por causa
do menor volume de mercadorias comercializadas. Isso afetará os principais
exportadores de transporte da região, incluindo Panamá, Brasil e Chile. Outros
serviços comerciais - quase dois terços do total das exportações de serviços do
Brasil em 2024 - devem desacelerar, refletindo o contexto econômico global
adverso.
O Brasil tem um grande déficit no comércio de
serviços, na conta que inclui os gastos de brasileiros no exterior. Somente com
os EUA, o déficit de serviços chegou a US$ 22 bilhões no ano passado. Essa
fatura bilateral pode até diminuir. Mas os estragos em geral causados pela
política comercial de Trump poderão ser duradouros para todos nos mais variados
segmentos.
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