O Globo
A aprovação do projeto que flexibiliza as
regras para licenciamento ambiental é o fim de uma novela que se arrastou por
duas décadas no Congresso, deslanchou com Alcolumbre no comando do Senado e
acelerou tremendamente depois que ele voltou do giro com o presidente da
República por Rússia e China. Num mesmo dia,
as comissões do Meio Ambiente e de Agricultura e Reforma Agrária aprovaram um
relatório conjunto — algo raro de acontecer —, e o plenário chancelou o texto
em regime de urgência com ampla maioria.
O novo marco legal libera do processo de licenciamento que existe hoje os empreendimentos de pequeno ou médio impacto e autoriza que tudo seja feito por autodeclaração. Libera de licença, também, a pecuária extensiva em fazendas pequenas e médias. Projetos de grande porte ainda precisarão de licenciamento, mas os pareceres de órgãos ligados aos povos originários, ao patrimônio histórico ou ao Ministério da Saúde se tornam apenas consultivos — podem ser ignorados.
Na sessão, o discurso de senadores foi tomado
de euforia com uma lei que, de acordo com a relatora Tereza
Cristina (PP-MS), traz regras ambientais claras que reduzirão a
quantidade de obras paradas e permitirão mais investimentos em infraestrutura.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva,
chamou o texto de retrocesso, disse que ele “representa risco à segurança
ambiental e social no país”, afirmou que ele dificultará o fechamento do acordo
comercial do Mercosul com a União
Europeia. Organizações respeitadas, como o Observatório do Clima ou o
Instituto Socioambiental, lamentaram a aprovação do projeto às vésperas da
COP30 em Belém e afirmaram que o texto abrirá a porteira a tragédias como as de
Mariana e Brumadinho, atribuídas à flexibilização ocorrida em 2016. A liderança
do governo já afirmou que várias das novas regras são inconstitucionais,
sugerindo que o Palácio do Planalto deverá vetar alguns trechos — o que no
cenário atual não quer dizer grande coisa, já que vetos podem ser facilmente
derrubados.
Apesar de o tema ser complexo e estratégico,
simplificações e lacração de todas as cores ideológicas são inevitáveis. Se é
verdade que órgãos ambientais cometem excessos, achar que, num país como
o Brasil, a
autodeclaração resolverá o dilema entre o aumento dos investimentos e o
respeito ao meio ambiente equivale a acreditar nos sentimentos de um bebê
reborn.
O simbolismo da votação, porém, é inequívoco.
Além de ser uma vitória do agronegócio sobre o ambientalismo, foi um passeio da
oposição no Senado, onde a vida do governo deveria em tese ser mais fácil, já
que, na Câmara, o bolsonarismo é forte e estridente. Mas, acima de tudo, foi
uma demonstração de poder acachapante de Alcolumbre sobre o governo — ou, pelo
menos, sobre o que Lula vendeu
ao eleitorado em 2022.
Não é coincidência que a votação tenha
ocorrido no dia seguinte à liberação, pelo Ibama,
dos testes para exploração de petróleo na Foz do Amazonas pela Petrobras.
Apesar do nome da região, os campos ficam em alto-mar no Amapá e
mobilizarão bilhões para contratação de obras e serviços de todo o tipo no
estado de Alcolumbre.
O senador não só está disposto a empregar
todo seu peso político para fazer o empreendimento andar, como também a indicar
gente sua para cargos fundamentais nas decisões ligadas à exploração da nova
fronteira petrolífera — entre os quais diretores de agências reguladoras e,
principalmente, do Ministério
de Minas e Energia.
Nas últimas semanas, depois de ver que nem
suas indicações e nem a pressão para derrubar o ministro Alexandre Silveira
surtiram efeito, e que o Ibama não tomava nenhuma decisão, Alcolumbre ligou o
rolo compressor. A autorização para os testes veio tarde demais.
Para completar, na última hora brotou no
texto uma emenda que submete os pareceres técnicos do órgão ambiental sobre
empreendimentos classificados como estratégicos a um conselho composto pelo
ministério relacionado a ele, mais um representante da Presidência da
República.
A valer essa regra, Lula certamente
desempatará a disputa a favor da Petrobras e de Alcolumbre. O presidente já
deixou bem clara a sua posição. Mas, mesmo que não fosse o caso, pouco poderia
fazer. Depois de estabelecer no Senado uma barreira ao avanço da oposição
quando a Casa estava sob o comando de Rodrigo
Pacheco, Lula caiu no colo de um Alcolumbre cada vez mais poderoso e
insaciável.
Se os dois concordam, o arranjo é perfeito.
Se discordam, porém, a votação desta semana mostrou que não há dúvidas sobre
quem pode mais. Ao presidente da República, resta cortejar o novo rei de
Brasília, torcendo para que isso não lhe custe o mandato.
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