O Globo
'Poder público não pode se comportar como
criminoso', diz Macaé Evaristo (Direitos Humanos)
A ministra Macaé Evaristo não se conforma com
a festa das autoridades fluminenses após o banho de sangue nos Complexos da
Penha e do Alemão. “Fico estarrecida com gestores que comemoram, alegres, uma
operação que deixou 121 mortos. É um número absurdo, que não pode ser
relativizado”, indigna-se.
Na quinta-feira, a titular dos Direitos Humanos visitou a Vila Cruzeiro, um dos palcos da matança. Conversou com líderes comunitários e moradores que perderam filhos, irmãos e sobrinhos. “Eram majoritariamente mulheres negras chorando. O clima era de muita dor e emoção”, conta.
No morro, ela criticou o governo do Rio e
classificou a ação policial como “fracasso”, “tragédia” e “horror inominável”.
“Uma operação bem articulada de combate ao crime organizado deve proteger os
direitos humanos. Há algo muito errado quando uma ação completamente
atabalhoada mata mais de cem pessoas”, reprova.
Para a ministra, as declarações do governador
Cláudio Castro em defesa da chacina buscam a “legitimação das mortes”. “É
preciso combater o crime organizado. Mas ele não não é comandado das favelas.
De onde vêm as armas?”, questiona. “As operações de alta letalidade no Rio
quase sempre acontecem perto das eleições. Já é quase uma receita de bolo”,
emenda.
Até a tarde de sexta, a polícia havia
identificado 99 mortos. Nenhum deles era citado na denúncia do Ministério
Público que deu origem à ação. Macaé disse ter ouvido relatos de pessoas que
tentaram se entregar e foram fuziladas. “A lei brasileira não prevê a pena de
morte nem a execução sumária. O poder público não pode se comportar como
criminoso”, sentencia.
Ela diz repudiar a tese de que defensores de
direitos humanos não lamentam as mortes de policiais. “Tentam estabelecer uma
falsa dicotomia entre quem defende o bandido e quem defende a polícia. Em
geral, os trabalhadores das forças de segurança também são vítimas”, sustenta.
“Um dos policiais que morreram tinha 40 dias de atividade. Não poderia ter sido
mandado para a linha de tiro.”
No cargo há pouco mais de um ano, a ministra
reconhece que está mais difícil empunhar a bandeira dos direitos humanos no
país. “Há uma banalização da barbárie, das mortes violentas”, desabafa. “É
preciso pensar a desumanização da população pobre, preta e da periferia. A
gente costuma dizer que isso é fruto de 300 anos de escravização e negação de
políticas públicas. Mas o Estado reitera o problema quando naturaliza a ação
violenta nas favelas”, diz.
Na Vila Cruzeiro, a ministra ouviu apelos por
investimentos em educação, cultura e qualificação profissional para disputar os
jovens com o tráfico. “Os moradores querem paz, querem sair de casa sem ter que
passar por alguém de fuzil na mão. Ninguém deseja ver o filho nesse caminho. A
questão é: onde estão as alternativas?”, cobra.
Para Macaé, o ciclo de abandono das favelas
já começou a se repetir. “Fizeram a incursão policial e não tinham nenhum plano
para o dia seguinte. Ninguém pensou em como acolher as crianças que foram
obrigadas a circular entre cadáveres. As escolas ainda não voltaram a
funcionar. Fica todo mundo olhando pesquisa e falando em eleição, mas a
comunidade precisa de socorro.”

Nenhum comentário:
Postar um comentário