sexta-feira, 26 de dezembro de 2025

Lula poderia acender uma vela para o dólar fraco e para o Banco Central. Por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Inflação da comida caiu muito ao longo do ano, o que deu uma força ao prestígio do governo

Moeda fraca dos EUA, arrocho de juros, queda do preço mundial da comida e China ajudaram

inflação da comida chegou 8,8% ao ano em dezembro de 2024. Ficou entre 7% e 8% de outubro do ano passado a maio deste 2025. Terminou o ano em menos de 2%, na medida do IPCA-15. Deve ficar pouco acima de 1%, na medida do IPCA, que sai em janeiro.

Quem sabe no Natal o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha feito um agradecimento pela baixa mundial do dólar e do preço da comida e ao Banco Central, que contribuíram para conter o preço dos alimentos e a inflação em geral.

No primeiro semestre a popularidade de Lula raspava no fundo do tacho e a oposição dava tapas e rasteiras no governo. A campanha da direita com mentiras sobre o pix e impostos sangrara o prestígio presidencial em janeiro. A carestia fazia uma outra parte do estrago.

Em março, Lula queria saber "...onde é que teve um ladrão que passou a mão no direito do povo brasileiro de comer ovo" —jamais descobriu nada. O governo baixou imposto de importação de alimentos, inclusive da lata de sardinha, um vexame marqueteiro desesperado.

A inflação geral no Brasil caiu por causa da baixa mundial do dólar, da baixa do dólar extra causada pelo arrocho de juros do BC, pela contenção da atividade econômica (também por causa da Selic estratosférica), pela safra recorde, pela queda dos preços da comida no mundo e pela ajuda da deflação da China e sua exportação de produtos industriais barateados.

Uma inflação descabelando-se no Brasil, mesmo lá perto de 6%, agravaria a crise política. O IPCA deve terminar 2025 perto de 4,3%.

O índice mundial de preço da comida da FAO crescia a 7,8% em fevereiro; em novembro, a -2,1%. A FAO é a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. Sua medida de carestia da comida considera cereais, carnes, óleos, laticínios e açúcar.

Na comparação convencional com um conjunto de seis moedas relevantes (euro, iene, dólar canadense, franco suíço e coroa sueca), o dólar teve a maior baixa desde 2017. No Brasil, na média de dezembro, o dólar custava R$ 6,1; em janeiro desde 2025, R$ 6,02. Em dezembro, até agora, R$ 5,43. Em termos reais, anda mais barato do que em meados de 2024, quando o governo piorou a lambança fiscal (mudou a meta; em novembro daquele ano, apresentaria plano pífio para as contas públicas).

A depender da técnica de quem faz as contas, a valorização do real desde 2025 pode ser atribuída em uns dois terços ou mais à variação do dólar pelo mundo —o resto, seria fator doméstico.

De passagem: o real ainda está desvalorizado. Jamais se recuperou do tombaço do início da epidemia, no começo de 2020. Dado o estado de certas economias emergentes, até seria possível, pois, que pingasse um tanto mais de dólar por aqui em 2026. O problema fiscal e a eleição incerta não vão ajudar.

A inflação da comida tem impacto na popularidade dos governos, bidu, o que tem ficado ainda mais evidente desde a grande elevação do nível de preços dos alimentos depois da epidemia. Vide os EUA.

Caso a alta de preços não fosse contida, por tantos motivos, a oposição tiraria sangue de Lula —sim, é verdade que, na segunda metade do ano, as direitas e a idiotia bolsonarista deram uma mão ao governo, ao menos no curto prazo. Com inflação decolando, arrocho do BC seria maior ou mais comprido, contaminando de modo pesado o ano eleitoral de 2026.

No balanço de final de ano, Lula poderia acender uma velinha para o dólar fraco e para o BC.

 

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