Alberto Carlos Almeida
DEU NO VALOR ECONÔMICO
O ser ou não ser hamletiano assombra a mente de inúmeros pré-candidatos a governador no Brasil. A propósito, as eleições gerais serão somente em 2010, mas os políticos só pensam naquilo. A disputa regional está completamente aberta em quase todos os Estados. Ou seja, não está claro, na maioria dos Estados, quem será candidato e, muito menos, qual será a aliança estadual e quem ela apoiará na eleição presidencial.
Há algumas exceções a essa regra. Em Goiás, por exemplo, o ex-governador Marconi Perillo (PSDB) e o atual prefeito de Goiânia, Íris Rezende (PMDB), são pule de 10 para estar presentes na corrida de 2010. A interrogação, no caso de Goiás, diz respeito ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Ele será candidato a governador?
Se for, sofrerá do mesmo mal que atingiu os plebeus que compraram títulos de nobres às vésperas da Revolução Francesa: eles deixaram de ser aceitos pelos plebeus e nunca foram realmente incorporados à nobreza. Meirelles sempre foi tucano e sempre teve o perfil do PSDB. Abandonou o partido e nem sequer assumiu o mandato de deputado federal para ocupar o cargo de presidente do BC na era Lula - de quebra com o mais duradouro mandato à frente da autoridade monetária máxima do Brasil. Meirelles nunca foi aceito pelo PT e provavelmente encontraria hoje no PSDB dificuldades que não existiam antes de ele comprar o título de fiador da estabilidade econômica no governo petista.
Aqui e acolá há candidaturas que provavelmente estarão presentes na disputa do ano que vem. O que têm em comum, além do fato de ser raras, é que tendem a ser governadores atualmente bem avaliados que podem disputar a reeleição. São esses os casos de André Puccinelli em Mato Grosso do Sul e Eduardo Campos em Pernambuco. É provável que as cartas se embaralhem também em tais situações. A queda da arrecadação está batendo à porta do setor público. A crise reduziu a atividade econômica e com ela os impostos recolhidos despencaram.
Todos terão de governar em mares mais agitados do que dos últimos anos. Portanto, há espaço para que governadores hoje muito bem avaliados vejam seus índices de ótimo e bom se reduzir nos próximos meses. Se isso acontecer, os Estados onde havia alguma definição de pré-candidatos a governador terão de enfrentar a mesma espera que tomou conta dos demais.
Há outro complicador para a vida de nossos líderes regionais e ele diz respeito à eleição presidencial. Qual será o candidato a presidente apoiado por cada candidato a governador? É grande a expectativa pela eleição de 2010. Collor à parte, PSDB e PT terão governado o Brasil por oito anos cada um. O mandato do próximo presidente vai conferir vantagem a um dos dois contendores nacionais. Será também a primeira eleição pós-ditadura militar sem a presença de Lula na cédula de votação.
Adicionalmente, há sinais de equilíbrio no front. O PT conta com a máquina federal e com a popularidade de Lula; o PSDB, com a rara combinação de dois governadores populares nos dois maiores colégios eleitorais do Brasil, São Paulo e Minas. A soma desses elementos faz da eleição de 2010 uma disputa ímpar. Por isso, os dois principais partidos nacionais veem com muito carinho e grande interesse a montagem dos palanques estaduais. Com quem PT e PSDB poderão contar em cada Estado para facilitar a vida de seus respectivos candidatos a presidente?
Há, em alguns Estados, alinhamentos naturais e automáticos. No mencionado Goiás, o palanque de Marconi Perillo é o palanque do candidato a presidente do PSDB. Íris irá, muito provavelmente, de PT. Nos Estados em que o PT lançar candidato a governador, eles fornecerão o palanque regional para a provável candidata Dilma. Tudo indica que será assim no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, provavelmente com Ideli Salvati, no Espírito Santo talvez com João Cozer, no Rio com Sérgio Cabral ou Lindberg Faria. O mesmo vale, com o sinal trocado, para o PSDB de Yeda Crusius, Leonel Pavan, Beto Richa, Luiz Paulo Vellozo Lucas e o poderoso PSDB de São Paulo. Nesses lugares a questão está fechada: Serra ou Aécio para presidente.
Há, por outro lado, inúmeros outros pré-candidatos a governador que não definiram para que lado irão na eleição presidencial. É aqui que reside o dilema. O que fazer? Apoiar o candidato a presidente com mais chances de vencer e conquistar o Palácio do Planalto ou apoiar aquele candidato que vencer em seu respectivo Estado mesmo que perca a eleição nacional? Exatamente isso, afora os alinhamentos políticos, e pensando de forma cruelmente pragmática, o candidato a governador de 2010 terá, em alguns Estados, de decidir o que é melhor: apoiar desde o início da corrida o provável vencedor ou apoiar aquele que mais lhe ajudar na corrida regional?
Em algumas situações será uma decisão fácil. Toda vez que o candidato a presidente vencedor em um Estado for também o vencedor nacional o dilema do pragmático não existe: é com esse que eu vou! O dilema existirá quando não ocorrer essa feliz coincidência.
Tome-se o Nordeste do Bolsa Família e do Lula-Deus. O que deve fazer um candidato a governador em um dos nove Estados nordestinos? Suponhamos que o PSDB vença a eleição presidencial, mas o candidato do PT chegue na frente em todos os Estados do Nordeste. Nesses casos, quem os candidatos locais deverão apoiar? Nas eleições presidenciais de 1989, 1994, 1998 e 2002, o candidato que venceu nacionalmente também venceu em quase todos os Estados brasileiros. Em 2002, no primeiro turno, Lula chegou na frente em todos os Estados, com exceção do Ceará de Ciro Gomes, o Rio de Garotinho e Alagoas de Serra. No segundo turno, Lula só perdeu em Alagoas, novamente para Serra.
Um candidato a governador daquela eleição não teria dilema em 23 dos 26 Estados. O mesmo é verdadeiro para o Fernando Henrique de 1994 e 1998. Em 1994, FHC só foi derrotado por Lula no Rio Grande do Sul e em 1998 só deixou de chegar na frente no Ceará de Ciro e novamente no Rio Grande do Sul de Lula. Mais duas eleições sem dilema.
2006 foi a primeira exceção à regra das eleições anteriores. O país ficou dividido. Geraldo Alckmin venceu de Mato Grosso do Sul e de São Paulo para baixo e Lula nos demais Estados. Há a crença, não fundamentada nos estudos acadêmicos, de que o voto de presidente "puxa" o voto de governador. O inverso, porém, é verdadeiro. Uma coisa são os estudos acadêmicos, outra, completamente diferente, é o mundo real.
É impossível persuadir um candidato a governador a não considerar de suma importância a força do candidato a presidente em seu Estado. Se isso fosse possível, não haveria dilema. O fato é que em 2002, a eleição na qual venceu a oposição, o candidato Lula ganhou em quase todos os Estados, ao passo que os candidatos de sua aliança eleitoral perderam em quase todos os Estados.
O PT elegeu só os governadores do Acre, de Mato Grosso do Sul e do Piauí. O PSDB, derrotado para presidente naquela ocasião, elegeu os governadores de sete Estados: Ceará, Goiás, Minas, Pará, Paraíba, Rondônia e São Paulo. O PFL, que não apoiou Lula, venceu em quatro Estados: Bahia, Maranhão, Sergipe e Tocantins. O PMDB, que tinha apoiado Serra, ficou com o Distrito Federal, os três Estados do Sul e Pernambuco.
Somente esse resultado mostra a separação entre a eleição para presidente e para governador. Repetindo: no primeiro turno, Lula perdeu somente em três Estados e no segundo, em apenas um. Apesar disso, PSDB, PFL e PMDB juntos conquistaram o governo de nada mais, nada menos, que 16 Estados. Se o voto para presidente tivesse o poder de eleger governadores, o quadro não teria sido esse. O presidente não elege nem os governadores nem os prefeitos.
Acabamos de passar por uma eleição municipal em 2008. Nunca na história deste país isso aconteceu com um presidente tão popular. Mesmo assim, Lula não foi um bom cabo eleitoral. O crescimento de seu partido ocorreu dentro do que seria previsível independentemente da popularidade do presidente.
Qual conclusão se pode retirar de tais evidências? Que se ocorrer em 2010 o que tem acontecido nas últimas eleições gerais, o melhor para os candidatos a governador é apoiar o candidato a presidente com mais chances de vencer a eleição presidencial e não aquele com mais chances de ser o candidato a presidente mais bem votado em seu respectivo Estado.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" (Record).
DEU NO VALOR ECONÔMICO
O ser ou não ser hamletiano assombra a mente de inúmeros pré-candidatos a governador no Brasil. A propósito, as eleições gerais serão somente em 2010, mas os políticos só pensam naquilo. A disputa regional está completamente aberta em quase todos os Estados. Ou seja, não está claro, na maioria dos Estados, quem será candidato e, muito menos, qual será a aliança estadual e quem ela apoiará na eleição presidencial.
Há algumas exceções a essa regra. Em Goiás, por exemplo, o ex-governador Marconi Perillo (PSDB) e o atual prefeito de Goiânia, Íris Rezende (PMDB), são pule de 10 para estar presentes na corrida de 2010. A interrogação, no caso de Goiás, diz respeito ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Ele será candidato a governador?
Se for, sofrerá do mesmo mal que atingiu os plebeus que compraram títulos de nobres às vésperas da Revolução Francesa: eles deixaram de ser aceitos pelos plebeus e nunca foram realmente incorporados à nobreza. Meirelles sempre foi tucano e sempre teve o perfil do PSDB. Abandonou o partido e nem sequer assumiu o mandato de deputado federal para ocupar o cargo de presidente do BC na era Lula - de quebra com o mais duradouro mandato à frente da autoridade monetária máxima do Brasil. Meirelles nunca foi aceito pelo PT e provavelmente encontraria hoje no PSDB dificuldades que não existiam antes de ele comprar o título de fiador da estabilidade econômica no governo petista.
Aqui e acolá há candidaturas que provavelmente estarão presentes na disputa do ano que vem. O que têm em comum, além do fato de ser raras, é que tendem a ser governadores atualmente bem avaliados que podem disputar a reeleição. São esses os casos de André Puccinelli em Mato Grosso do Sul e Eduardo Campos em Pernambuco. É provável que as cartas se embaralhem também em tais situações. A queda da arrecadação está batendo à porta do setor público. A crise reduziu a atividade econômica e com ela os impostos recolhidos despencaram.
Todos terão de governar em mares mais agitados do que dos últimos anos. Portanto, há espaço para que governadores hoje muito bem avaliados vejam seus índices de ótimo e bom se reduzir nos próximos meses. Se isso acontecer, os Estados onde havia alguma definição de pré-candidatos a governador terão de enfrentar a mesma espera que tomou conta dos demais.
Há outro complicador para a vida de nossos líderes regionais e ele diz respeito à eleição presidencial. Qual será o candidato a presidente apoiado por cada candidato a governador? É grande a expectativa pela eleição de 2010. Collor à parte, PSDB e PT terão governado o Brasil por oito anos cada um. O mandato do próximo presidente vai conferir vantagem a um dos dois contendores nacionais. Será também a primeira eleição pós-ditadura militar sem a presença de Lula na cédula de votação.
Adicionalmente, há sinais de equilíbrio no front. O PT conta com a máquina federal e com a popularidade de Lula; o PSDB, com a rara combinação de dois governadores populares nos dois maiores colégios eleitorais do Brasil, São Paulo e Minas. A soma desses elementos faz da eleição de 2010 uma disputa ímpar. Por isso, os dois principais partidos nacionais veem com muito carinho e grande interesse a montagem dos palanques estaduais. Com quem PT e PSDB poderão contar em cada Estado para facilitar a vida de seus respectivos candidatos a presidente?
Há, em alguns Estados, alinhamentos naturais e automáticos. No mencionado Goiás, o palanque de Marconi Perillo é o palanque do candidato a presidente do PSDB. Íris irá, muito provavelmente, de PT. Nos Estados em que o PT lançar candidato a governador, eles fornecerão o palanque regional para a provável candidata Dilma. Tudo indica que será assim no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, provavelmente com Ideli Salvati, no Espírito Santo talvez com João Cozer, no Rio com Sérgio Cabral ou Lindberg Faria. O mesmo vale, com o sinal trocado, para o PSDB de Yeda Crusius, Leonel Pavan, Beto Richa, Luiz Paulo Vellozo Lucas e o poderoso PSDB de São Paulo. Nesses lugares a questão está fechada: Serra ou Aécio para presidente.
Há, por outro lado, inúmeros outros pré-candidatos a governador que não definiram para que lado irão na eleição presidencial. É aqui que reside o dilema. O que fazer? Apoiar o candidato a presidente com mais chances de vencer e conquistar o Palácio do Planalto ou apoiar aquele candidato que vencer em seu respectivo Estado mesmo que perca a eleição nacional? Exatamente isso, afora os alinhamentos políticos, e pensando de forma cruelmente pragmática, o candidato a governador de 2010 terá, em alguns Estados, de decidir o que é melhor: apoiar desde o início da corrida o provável vencedor ou apoiar aquele que mais lhe ajudar na corrida regional?
Em algumas situações será uma decisão fácil. Toda vez que o candidato a presidente vencedor em um Estado for também o vencedor nacional o dilema do pragmático não existe: é com esse que eu vou! O dilema existirá quando não ocorrer essa feliz coincidência.
Tome-se o Nordeste do Bolsa Família e do Lula-Deus. O que deve fazer um candidato a governador em um dos nove Estados nordestinos? Suponhamos que o PSDB vença a eleição presidencial, mas o candidato do PT chegue na frente em todos os Estados do Nordeste. Nesses casos, quem os candidatos locais deverão apoiar? Nas eleições presidenciais de 1989, 1994, 1998 e 2002, o candidato que venceu nacionalmente também venceu em quase todos os Estados brasileiros. Em 2002, no primeiro turno, Lula chegou na frente em todos os Estados, com exceção do Ceará de Ciro Gomes, o Rio de Garotinho e Alagoas de Serra. No segundo turno, Lula só perdeu em Alagoas, novamente para Serra.
Um candidato a governador daquela eleição não teria dilema em 23 dos 26 Estados. O mesmo é verdadeiro para o Fernando Henrique de 1994 e 1998. Em 1994, FHC só foi derrotado por Lula no Rio Grande do Sul e em 1998 só deixou de chegar na frente no Ceará de Ciro e novamente no Rio Grande do Sul de Lula. Mais duas eleições sem dilema.
2006 foi a primeira exceção à regra das eleições anteriores. O país ficou dividido. Geraldo Alckmin venceu de Mato Grosso do Sul e de São Paulo para baixo e Lula nos demais Estados. Há a crença, não fundamentada nos estudos acadêmicos, de que o voto de presidente "puxa" o voto de governador. O inverso, porém, é verdadeiro. Uma coisa são os estudos acadêmicos, outra, completamente diferente, é o mundo real.
É impossível persuadir um candidato a governador a não considerar de suma importância a força do candidato a presidente em seu Estado. Se isso fosse possível, não haveria dilema. O fato é que em 2002, a eleição na qual venceu a oposição, o candidato Lula ganhou em quase todos os Estados, ao passo que os candidatos de sua aliança eleitoral perderam em quase todos os Estados.
O PT elegeu só os governadores do Acre, de Mato Grosso do Sul e do Piauí. O PSDB, derrotado para presidente naquela ocasião, elegeu os governadores de sete Estados: Ceará, Goiás, Minas, Pará, Paraíba, Rondônia e São Paulo. O PFL, que não apoiou Lula, venceu em quatro Estados: Bahia, Maranhão, Sergipe e Tocantins. O PMDB, que tinha apoiado Serra, ficou com o Distrito Federal, os três Estados do Sul e Pernambuco.
Somente esse resultado mostra a separação entre a eleição para presidente e para governador. Repetindo: no primeiro turno, Lula perdeu somente em três Estados e no segundo, em apenas um. Apesar disso, PSDB, PFL e PMDB juntos conquistaram o governo de nada mais, nada menos, que 16 Estados. Se o voto para presidente tivesse o poder de eleger governadores, o quadro não teria sido esse. O presidente não elege nem os governadores nem os prefeitos.
Acabamos de passar por uma eleição municipal em 2008. Nunca na história deste país isso aconteceu com um presidente tão popular. Mesmo assim, Lula não foi um bom cabo eleitoral. O crescimento de seu partido ocorreu dentro do que seria previsível independentemente da popularidade do presidente.
Qual conclusão se pode retirar de tais evidências? Que se ocorrer em 2010 o que tem acontecido nas últimas eleições gerais, o melhor para os candidatos a governador é apoiar o candidato a presidente com mais chances de vencer a eleição presidencial e não aquele com mais chances de ser o candidato a presidente mais bem votado em seu respectivo Estado.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" (Record).
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