Desde a vitória contra a inflação, em 1994, o Brasil tem avançado nos seus indicadores econômicos e sociais. Atualmente a geração de jovens de até 20 anos de idade desconhece o que é viver com preços remarcados com intervalo de horas, com uma moeda desacreditada, uma dívida pública em risco permanente de moratória e um exército de excluídos e crianças pobres, analfabetas e sem futuro. Os governos FHC e Lula conseguiram dar ordem a uma economia desarvorada, tonta, sem rumo, e o resultado está nos números que saem das pesquisas do IBGE, como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada há dias.
Mas os dois presidentes pouco fizeram para resolver dilemas antigos - estruturais e institucionais - que atrasam e atrofiam o potencial de progresso do País. O pior - e também maior - desses dilemas é a falta de anteparos institucionais, instrumentos de defesa capazes de proteger a população de ações lesivas da classe política. Depois de 21 anos de regime autoritário e sem liberdade, a ansiada democracia chegou e pouco avançou, porque os homens que fazem e aplicam as leis parecem entender que ela se resume à realização de eleições livres. Esquecem (ou querem esquecer?) que lidam com um sistema político que tem por objeto o ideal de igualdade e o respeito aos direitos do cidadão e, por isso, precisa de instituições democráticas fortes e regras de proteção contra o rasteiro jogo de interesses da classe política.
A começar pela relação entre Executivo e Legislativo. Para aprovar matérias no Congresso, FHC e Lula estabeleceram uma condenável relação de troca-troca, em que o Executivo compra parlamentares com favores, cargos ou simplesmente liberação de dinheiro do Orçamento. O Supremo Tribunal Federal (STF) expôs essa lamentável prática no processo do mensalão. Políticos como o senador José Sarney nomeiam parentes, amigos e correligionários para cargos públicos como se tratassem de um negócio de sua propriedade. Nem FHC e muito menos Lula impuseram resistências à avidez do PMDB e de partidos menores em aparelhar o Estado com pessoas que ali estão para servir aos negócios do partido político, não aos interesses da população.
É verdade que a democracia representativa pressupõe a divisão de poder com partidos aliados, mas isso não inclui lotear com apadrinhados funções de Estado que precisam de gestão técnica para bem servir a população. É o caso das agências reguladoras - uma tentativa de FHC de criar instituições a serviço dos cidadãos e imunes à má interferência política -, que Lula tratou de destruir nomeando para a direção políticos tecnicamente despreparados que ali estão para atender às ordens, pedidos e favores do governo e da classe política.
O desinteresse pela construção da democracia está na raiz dos contrastes detectados em pesquisas de avaliação do Brasil. A mais recente do Fórum Econômico Mundial, aplicada em 133 países, elevou nossa classificação geral do 72º (em 2007) para o 56º lugar (2009), mas o Brasil é o penúltimo colocado no critério regulação (olha aí a politização das agências!); o último em impacto dos impostos (a falta de uma reforma tributária e o sustento de um Estado caro e sugador de dinheiro); e é considerado um dos países onde a corrupção e o desperdício de dinheiro público têm peso significativo na competitividade (olha aí a paralisação dos investimentos apontada pelo IBGE na pesquisa do PIB!).
O Brasil tem um mercado interno vigoroso e mão de obra qualificada, mas investir aqui - quando não leva à desistência - exige boa dose de paciência e persistência ao lidar com a burocracia. Entre 133 países avaliados pelo Banco Mundial este ano, o Brasil foi rebaixado da 127ª para a 129ª posição sobre onde é fácil fazer negócios. Na América do Sul, só perde para Bolívia e Venezuela. Aqui, para conseguir um alvará de construção, são necessários 411 dias. Em Cingapura são 25 e na América Latina, em média, 211.
Tanto FHC quanto Lula cuidaram de alguns indicadores - inflação, crédito, regras de regulação bancária -, o que explica em boa parte a preservação da estabilidade e o sucesso econômico agora colhido. FHC iniciou uma reforma do Estado para torná-lo forte na prestação de serviços e leve para a população que lhe dá sustento financeiro pagando impostos. Privatizou empresas deficitárias e criou agências para regulá-las e fiscalizá-las. Mas Lula não deu seguimento, multiplicou despesas, aumentou impostos e ainda destruiu anteparos à corrupção e à má interferência política. Ele e o PT precisam de um Estado grande. Para quê?
*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio
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