O nome viria das águas profundas da costa caribenha ou, mais provavelmente, do sistema de vales e montanhas onde o país se derrama. De qualquer forma, hondura em espanhol é profundidade, fundura, e no dicionário diplomático interamericano corre o risco de converter-se em sinônimo de um grande buraco.
A mais recente evidência deste perigoso poço onde podem despencar prestígios e tradições é o pedido do governo brasileiro à Espanha para intermediar a crise iniciada com o refúgio do presidente deposto, Manuel Zelaya, na embaixada brasileira de Tegucigalpa.
O Brasil entrega, assim, a honrosa posição de possível árbitro entre o governo de fato e o governo de jure que dividem Honduras, para tornar-se uma das partes do conflito. Há dias era cortejado pelos adversários, agora inapelavelmente envolvido, é obrigado a apelar à ONU para que a sua embaixada e, portanto, a sua soberania sejam respeitadas pela truculência dos gorilas que se abancaram no poder.
Nosso status no episódio mudou para pior. E, mais uma vez, por artes deste incansável estróina e trapalhão chamado Hugo Chávez, cuja compulsão de vangloriar-se o levou a assumir publicamente a responsabilidade pela transferência do presidente deposto para o seu país. Zelaya, por sua vez, contagiado pelo parceiro ou também vocacionado para a fanfarronice, admitiu que a busca de abrigo em nossa embaixada na capital hondurenha era do conhecimento do governo Lula
O Brasil consolidava-se como uma alternativa responsável à parlapatice chavista e agora entra na história como parceiro de mais um fiasco do dirigente venezuelano. Novamente a pressa, outra vez a afobação. Esta ansiedade para agarrar todas as oportunidades denota antes de tudo a ausência de um master-plan, fragilidade estratégica. Todos querem chutar em gol, mas a bola é uma só.
O veemente apelo para o fim do embargo a Cuba no privilegiado pódio da Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque, dias depois, ficou prejudicado pela esdrúxula e inconfortável reversão em nossa posição. Agora, somos nós a angariar simpatias e apoios em causa própria.
Como observou o analista Caio Blinder, agora "o cara" é Obama. Não será o presidente Sarkozy quem poderá obrigar Roberto Micheletti, presidente em exercício de Honduras, a interromper o cerco à embaixada brasileira. Nem José Luiz Zapatero, presidente do conselho da Espanha, a quem apelamos para mediar a crise.
O presidente Lula embarcou para os EUA preparado para colher triunfos e pode regressar de mãos abanando. Ou, pior, obrigado a agradecer a solidariedade norte-americana e o apoio recebido pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Acossado por seus demônios íntimos e pelos que continuamente desperta à sua volta, o presidente Hugo Chávez não pode parar, necessita manter-se nas manchetes. Acrobata - apesar do peso - não consegue reprimir-se diante de um trapézio. Sente-se obrigado a dar o salto mortal.
O presidente Lula, ao contrário, é um hábil sobrevivente. Sempre soube preservar-se, expert em evitar desafios inúteis. Não havia motivos para esta aceleração. Tudo o favorecia tanto no plano econômico - crucial - como de prestígio internacional. As dificuldades preliminares na corrida eleitoral seriam facilmente contornadas se a equipe palaciana não abrisse tantas frentes simultâneas e acionasse tantos alarmes emergenciais. Agora, novas pressões serão inevitáveis. Lula será cobrado e Lula não gosta de ser cobrado.
A pequena e distante Honduras, quem diria, vai entrar em nossa história.
» Alberto Dines é jornalista
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