Artigo do jornalista Carlos Alberto Sardenberg – “Dilma faz o que Lula queria” -, no Globo da última quinta-feira, constata e denuncia a contradição entre o gestual político de Dilma Rousseff (que tem merecido aplausos da mídia e de personalidades independentes e vinculadas à oposição, como o ex-presidente FHC) e o conteúdo das ações do seu governo no campo da economia. Eis a abertura do artigo de Sardenberg: “Lula presidente não perdia a oportunidade de apresentar seu governo como o interlocutor de tudo de bom que acontecia no país. Mas, enquanto atacava a herança maldita de FHC, mantinha intacto o tripé da política econômica herdada, o regime de metas de inflação com Banco Central independente, câmbio flutuante e superávit primário nas contas públicas. A presidente Dilma está fazendo o contrário. Elogiou FHC pela estabilização do Real, diz que as bases macroeconômicas estão mantidas mas na prática vai lentamente desmontando o tripé (ou flexibilizando-o, se quiserem). E em comum, a mesma atitude: falar uma coisa e fazer outra. Só que com os sinais trocados. Alguns analistas entendem isso como manifestação de independência em relação à herança lulista. Errado. Dilma está fazendo na política econômica o que Lula gostaria de ter feito há muito tempo. E que começou a fazer nos dois últimos
anos de seu governo...”. “Mais do que isso, recuperou o discurso de que gastar é sempre bom e que sempre é possível aumentar os impostos”.
Avaliação semelhante – decorrente da essencialidade que atribuo às decisões macro e microeconômicas, bem como da expectativa básica a respeito do comando dessas decisões por uma pessoa com a formação e a trajetória estatizantes da sucessora escolhida por Lula – tenho feito aqui semanalmente à medida em que a nova chefe do governo foi passando das positivas e bem recebidas manifestações de intenções, proclamadas ao festejar a vitória eleitoral, para as decisões concretas nesse campo. Desde a grosseira intervenção que promoveu na Vale até a articulação, dissimulada, que está fazendo para a recriação da CPMF ou a instituição de tributo assemelhado. Por isso, tratei como
marketing – muito bem bolado e de bons dividendos – os sucessivos acenos dela ao conjunto do empresariado, à opinião pública e a segmentos da oposição, com base em promessas de menos ingerência estatal na economia, menos impostos, redução dos gastos públicos, mudanças na política externa (que segue basicamente a mesma), consultas a oposicionistas sobre questões importantes. E, também como parte do marketing político-eleitoral, a manipulação pelo Planalto das denúncias mais fortes de corrupção no governo como faxina ética desencadeada pela presidente (com o benefício adicional de fortalecimento diante do Congresso, tratado como bode expiatório das irregularidades). Essa avaliação tem incluído o reconhecimento – com aplausos – de três ingredientes do gestual dilmista: a troca do grotesco palanquismo de Lula pelo estilo gerencial da sucessora; o bloqueio por ela da ofensiva da direção do PT para o controle da mídia; e o realismo de superar as resistências ideológicas e corporativas da máquina federal, dominada por petistas, a concessões privadas na área de infraestrutura – o que está começando de modo muito limitado no sistema aeroportuário em face da ameaça de colapso do sistema, na Copa do Mundo e nas Olimpíadas.
O risco de descontrole inflacionário (com o progressivo desmonte do tripé da política macroeconômica, que Sardenberg destacou no artigo acima referido) está sendo reforçado pela greve nacional dos bancários, que começou ontem, por aumento real de 5% (além da inflação de mais de 7%). Ela se soma à dos empregados dos Correios, em grande parte parados desde o início de setembro, e à ameaça de paralisação dos metalúrgicos do ABC ligados à CUT. A demanda comum de aumento real inspira os pleitos de várias categorias, ligadas a atividades privadas ou ao serviço público, que têm ainda este ano data-base para novas convenções coletivas de trabalho. E se apoia em duas principais variáveis. Primeira – a persistência de inflação já além do limite superior da meta oficial. Segunda – a elevação de 14% do salário mínimo a partir de 2012, garantida como resultado de acordo do Palácio do Planalto com as centrais sindicais na preparação da campanha presidencial da candidata lulista-petista Dilma Rousseff.
Jarbas de Holanda é jornalista
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