quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Não tucano, não petista, não paulista:: Rosângela Bittar

Nunca a eleição no Senado ou na Câmara para indicar um ministro para o Tribunal de Contas da União, instituição auxiliar do Congresso Nacional na fiscalização de contas do Executivo, teve tantos significados além da sua própria representação quanto a última. Foi eleita a deputada federal Ana Arraes, mãe do governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), que num pragmatismo insuspeito nele praticamente mudou-se para Brasília para dirigir a campanha, nela jogando toda a sua força política, a do governo de Pernambuco, dos partidos políticos e da maioria dos governadores.

Eduardo Campos teve a seu lado os governadores dos Estados mais importantes e com maiores bancadas no Congresso, entre eles os do PT - Tarso Genro e Marcelo Déda foram os mais atuantes -, três do PSDB que entraram com munição total - Antonio Anastasia, Geraldo Alckmin e Beto Richa, todos os do seu PSB, os ministros dos Portos e da Integração Nacional, sendo que este, até na fila de votação, alcançou deputados para assegurar liberação de verbas para execução de suas emendas ao Orçamento da União. Promessas de campanha que o Palácio do Planalto também faz muito em votações do seu interesse.

Os prefeitos de Curitiba e Belo Horizonte, do PSB, trabalharam com afinco, como também o prefeito Gilberto Kassab, de São Paulo. Os dois primeiros, por honra da legenda, quanto a Kassab, em honra do futuro.

Todos mostraram uma carta, menos ele

Reforço maior entre tudo e todos, porém, foi a contribuição do ex-presidente Lula. A maior parte do PT lulista ficou com o governador pernambucano. As bancadas racharam, e o PMDB, que tinha candidato próprio, deu apenas 47 dos seus 80 a Átila Lins (AM); Damião Feliciano (PDT-PB) foi apoiado por 33 deputados; Milton Monti (PR-SP) obteve 30 votos, e o auditor fiscal Rosendo Severo somou dez votos. A maior votação foi obtida pelo candidato do PCdoB, Aldo Rebelo, representando um partido de 14 parlamentares aliados históricos e sempre desprestigiados do PT.

Ana Arraes recebeu 222 votos, o que significa que, com essa força tarefa, esse arsenal, essa bomba política armada para uma eleição de que participam apenas 513 eleitores, no máximo, ganhou raspando, por mais que a diferença tenha sido louvada. Se houvesse segundo turno, o governador Eduardo Campos perderia a disputa.

Como não teve, sua estratégia incluiu segurar candidatos até o fim para evitar que seus votos se espalhassem entre adversários (caso do PMDB e do PR). Monti ficou para dividir os votos paulistas; Átila para reter pelo menos uma parte do PMDB. Um candidato desistente do PSD foi transladado a São Paulo para uma conversa com Gilberto Kassab. Tudo isso numa articulação pessoal do governador pernambucano, que varava noites promovendo jantares, permanências e desistências. Convenceu uma grande bancada de evangélicos que se admirava, no dia seguinte ao encontro, com o talento convincente do governador. Secretários estaduais concederam audiências a deputados em Brasília, e Eduardo Campos, como se viu, teve ao redor de si, por um período, os principais atores da política em 2012 e 2014.

São conhecidas algumas das razões que motivaram os que acorreram em socorro ao governador Eduardo Campos. O senador Aécio Neves, e o governador Antonio Anastasia, conseguiram antecipar o acordo da chapa para a disputa municipal, o prefeito de Belo Horizonte é PSB; como também o é o prefeito de Curitiba, o que mobilizou o governador Beto Richa. Geraldo Alckmin não quis ficar de fora, tem o PSB no seu governo, e aprovou integralmente o projeto. O mesmo fez o presidente do PSDB, o pernambucano Sérgio Guerra, aliado de Campos no passado. Kassab, como se sabe, joga com o futuro, numa aliança e identificação que, em alguns momentos, já esteve à beira de uma fusão. Cada um com suas razões.

Sobre Lula ter assumido logo a opção pelo apoio ao governador, em prejuízo de todos os demais candidatos de seu campo político que também disputavam, há pelo menos duas explicações.

Em uma delas, Lula quis reter Campos a seu lado. Seja para ser seu vice, seja para ser vice de Dilma Rousseff, seja para evitar que seja vice de Aécio Neves. Um casamento em que poucos creem, visão que aterroriza quem, no PT, acredita em cegonha e Papai Noel.

A segunda hipótese, porém, é sinuosa e melhor engendrada porque conspiratória. Lula estaria apoiando os planos de Eduardo Campos numa estratégia de execução dos seus próprios planos. Também dentro do PT, há grupos representativos que defendem a candidatura Lula na sucessão de Dilma, estando essa ala totalmente afinada com os partidos aliados que querem a volta logo do ex-presidente. Dilma já tem seu próprio exército, e toda vez que Lula intensifica sua permanente campanha, a tensão no Planalto é inevitável e visível.

Em parceria com Lula, o governador Eduardo Campos poderia construir uma segunda via por dentro da base aliada, é a alternativa. A base se dividiria e a presidente não teria como restaurá-la, facilitando o discurso da volta nos braços de sindicalistas e corporações em geral. Assumiria sem maiores constrangimentos o atropelo à reeleição de sua criatura.

Com exceção do Palácio do Planalto, não há ninguém nesta aliança incomodado com a campanha eleitoral já posta na rua pelo ex-presidente Lula. Os partidos aliados gostam dos rodopios por Europa, França e Bahia, principalmente com a passadinha pelas reuniões de bancada para discutir reforma política, aquela inspirada pelo ainda fiel escudeiro e ex-deputado José Dirceu. Lula não se notabilizou pela faxina, uma boa razão para os aliados querem sua volta o mais rápido possível. É o jogo praticamente na mesa.

Completamente oculto, mesmo, só o projeto do governador Eduardo Campos. Quem o conhece um pouco diz que quer ser a alternativa não paulista, não tucana, não petista, a presidir o Brasil, trilhando um terreno que Ciro Gomes e Marina Silva já provaram ser fértil. Recentemente, o governador foi à Casa das Garças, oráculo dos que esperam o embarque para voos altos, no circuito de campanhas. É neto de político importante, como Aécio; jovem; palatável ao eleitor de classe média; apoiado por Lula; e absolutamente, como se tem visto à exaustão, pragmático.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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