Política de austeridade fiscal está equivocada; ataca-se um problema que na origem não é fiscal
A decisão maior que os governos europeus terão que tomar não é quanto a flexibilizar ou não a política de austeridade fiscal que estão adotando para enfrentar a crise do euro, mas é decidir se para salvar a moeda comum vale a pena arriscar seriamente a sobrevivência da própria União Europeia.
Sabemos que a política de austeridade fiscal está equivocada. Ataca-se um problema que na origem não é fiscal (a dívida excessiva de cada Estado ou governo) mas é cambial (a dívida excessiva de cada país), como se fosse um problema fiscal. É certo que à medida que a dívida privada foi estatizada, o que acontece sempre durante as crises financeiras, a dívida pública aumentou, e o mercado financeiro perdeu confiança na capacidade dos Estados de pagá-la.
Mas, nos países em crise, a austeridade agrava, ao invés de aliviar, a situação fiscal dos governos, porque a redução de suas receitas é maior que a queda da despesa.
O objetivo real da política de austeridade é provocar a recessão, aumentar o desemprego e, assim, diminuir os salários. Dessa forma se corrige o desequilíbrio real existente na zona do euro: os elevados deficit em conta corrente resultantes da apreciação implícita da taxa de câmbio dos países sob ataque especulativo. Mas o custo dessa política de depreciar o câmbio implícito através do desemprego é inaceitável em democracias. E é ineficiente. Mais racional é promover a depreciação das moedas valorizadas.
Eu sei que essa alternativa é inviável para os países da zona do euro. Será mesmo? Se a política de austeridade se revelar uma ameaça séria à sobrevivência não apenas do euro, mas da própria União Europeia, por que não pensar seriamente na extinção do euro?
É difícil avaliar o quanto a crise do euro está ameaçando essa extraordinária realização de engenharia política que é a União Europeia. Mas está ficando cada vez mais claro que essa ameaça é real. Os partidos nacionalistas de direita na Europa estão ficando cada vez mais agressivos em relação ao euro e à própria União Europeia. Vimos isto recentemente na França, onde a candidata da Frente Nacional alcançou 20% dos votos, e na Holanda, onde o primeiro-ministro foi obrigado a renunciar devido à pressão do partido de direita.
Não há razão para limitar o problema à direita. Há um número crescente de europeus que duvidam de uma união que, com uma moeda comum, implica mais custos do que benefícios.
Depois que publiquei nesta coluna o artigo "Euro, pensar o impensável" (27.fev), verifiquei que já há muitos grupos na Europa discutindo seriamente a alternativa da extinção acordada do euro.
A grande objeção que se levanta é quanto à solvência dos bancos dos países endividados que tomaram empréstimos em outros países.
Como esses países, também de forma acordada, desvalorizariam sua nova moeda no dia da reforma monetária, seus bancos se veriam ameaçados de falência.
Essa objeção é legítima, mas faria parte da reforma um pacote de socorro aos bancos. O custo disso, porém, seria muito menor do que já está sendo hoje o da austeridade e do que poderá ser uma crise do euro fora do controle dos governos.
Fonte: Folha de S. Paulo
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