A sólida falta de credibilidade a que Dilma Rousseff fez jus pela teimosia com que sempre defendeu sua catastrófica política econômica e pelo estelionato eleitoral que praticou sem o menor escrúpulo no ano passado torna difícil acreditar na sinceridade da tentativa encabulada de autocrítica que fez no Dia da Pátria: “As dificuldades e os desafios resultam de um longo período em que o governo entendeu que deveria gastar o que fosse preciso para garantir o emprego e a renda do trabalhador, a continuidade dos investimentos e dos programas sociais.
Agora, temos de reavaliar todas essas medidas e reduzir as que devem ser reduzidas”. De qualquer modo, é alentador que a chefe do governo tenha finalmente confessado a prática da gastança desenfreada que marcou seu primeiro mandato e acabou arrombando as contas públicas, muito embora tente justificar o erro com a desculpa de que foi cometido com boas intenções – aquelas das quais, como se diz, o inferno está cheio.
A autocrítica do governo já havia sido ensaiada na semana passada pelo ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, em entrevista à Folha de S.Paulo: “Fomos além do que podíamos na política anticíclica, na desoneração de impostos, no esforço de manter os investimentos, de manter os gastos”. Mas Mercadante foi além também do que a sensatez recomenda ao criar uma desculpa esfarrapada e transferir a responsabilidade da crise para o mercado internacional:
“Acho que poucos se deram conta da velocidade da queda das commodities no fim de 2014.
Estávamos em intensa campanha, debatendo, viajando e, quando ela chegou ao fim, o mundo era outro. Isso impactou muito as finanças públicas”. Uma cândida confissão de que, preocupado com a eleição presidencial, o governo esqueceu-se de governar.
Dilma e seus ministros estão cientes, portanto, de que a gastança é uma das razões da crise econômica e é preciso agora corrigir os erros fazendo aquilo que se chama de ajuste fiscal, para botar as contas do governo em ordem e criar condições para a retomada do crescimento, condição essencial à manutenção e ampliação dos programas sociais.
Falta, porém, combinar com o PT e com os movimentos sociais filopetistas, que pura e simplesmente se opõem a qualquer ajuste fiscal. “Lutamos contra o ajuste fiscal”, enfatiza o manifesto divulgado no sábado, em Belo Horizonte, no lançamento da Frente Brasil Popular pelos participantes da Conferência Nacional Popular em Defesa da Democracia e por Uma Nova Política Econômica. Subscrevem o manifesto, entre outras entidades, a CUT (o braço sindical do PT), a UNE (o braço estudantil, controlado pelo PC do B, o mais prestativo aliado do lulopetismo) e até o MST, do carbonário João Pedro Stédile. Este marcou presença no encontro com a declaração de que Dilma precisa “mudar as burrices que vem fazendo”, porque “a responsabilidade é dela” e é preciso “que ela mude enquanto é tempo”.
Movimentos filopetistas – e essa é uma das marcas do surrealismo da crise política – não são necessariamente movimentos de apoio ao governo. O próprio PT é o primeiro a defender a demissão do ministro Joaquim Levy e proclamar a necessidade de uma “nova política econômica”. Ora, o que Levy defende até agora são os fundamentos de uma política econômica baseada em princípios de racionalidade financeira que garantam governabilidade ao País. Mas o PT e esses movimentos sociais partidarizados entendem que racionalidade é desculpa da elite perversa para fazer o povo sofrer. Partem do princípio de que um governo “do povo” tudo pode e por isso “deveria gastar o que fosse preciso” em beneficio do povo, persistindo no erro que agora Dilma admite ter cometido – o que não significa que não possa mudar de ideia outra vez.
O PT planeja reunir-se em Belo Horizonte para debater, em especial, os rumos da economia. Os petistas não gostam de Dilma, consideram-na uma arrivista, proclamam o “Fora Levy” e defendem uma “nova” política econômica. Nova não em relação à “nova matriz econômica” que levou o País para o buraco, mas à tentativa de consertar esse desastre.
Deve haver alguém que consiga explicar como isso faz sentido. De qualquer forma, como o PT tem dono, é conveniente esperar até sexta-feira para saber o que vai acontecer na capital mineira.
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