• Discurso de Barbosa deixa claro abandono do grau de investimento
- Valor Econômico
O cadáver da malfadada Nova Matriz Econômica (NME) ainda nem esfriou e o governo Dilma já planeja a sua ressurreição. É disso que se trata a inflexão da política econômica pretendida pelo triunvirato - a presidente, o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa - que governa o país.
A tese é a seguinte: o ajuste fiscal formulado e liderado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, não está dando certo, mesmo "produzindo" uma brutal recessão na economia; as contas públicas só serão reequilibradas se o PIB voltar a crescer; é preciso, portanto, adotar medidas que estimulem o investimento e, portanto, o crescimento.
A ideia de que só se consegue gerar saldos positivos nas contas públicas quando a economia cresce é cara a Nelson Barbosa, um dos ideólogos da NME. Há pouco mais de um mês, em entrevista à Angela Bittencourt, colunista e editora do blog Casa das Caldeiras, do Valor e do Valor PRO, ele declarou que, "sem crescimento, não há como sustentar nem mesmo o equilíbrio fiscal".
Barbosa tentava justificar o abandono da meta de 1,17% do PIB, fixada para este ano, de superávit primário das contas públicas. Segundo ele, a redução do esforço fiscal "ajuda a economia brasileira a crescer mais rapidamente". "O 'rating' [concedido pelas agências de classificação de risco] leva em conta o resultado primário, mas principalmente a trajetória da economia e ela não se limita ao resultado fiscal, considera também as perspectivas de crescimento. De novo, sem crescimento não há sustentação do equilíbrio fiscal", insistiu.
O ministro parte de uma tese falsa para explicar o momento atual: o ajuste fiscal foi o responsável por jogar a economia em recessão. Não é verdade. O Brasil está em recessão desde o segundo trimestre do ano passado, de acordo com o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) do Ibre-FGV. Em 2014, cresceu 0,1%. Ademais, como o ajuste fiscal pode segurar a atividade se as contas do governo, inclusive pelo conceito primário (que não leva em conta o gasto com juros), estão deficitárias?
Quando afirma que o Brasil precisa crescer para superar o problema fiscal, o ministro do Planejamento quer dizer o seguinte: é preciso abandonar as metas fiscais de curto prazo, aumentar o investimento público, deixar a dívida crescer e, por conseguinte, tolerar taxas de câmbio e inflação mais elevadas, combustíveis necessários para a retomada da expansão do PIB. Nada mais "nova matriz" que isso.
Na semana passada, em entrevista à colunista Cláudia Safatle, do Valor, Barbosa deixou claro que não acredita que o mundo vá acabar se a dívida crescer "temporariamente", desde que o governo tenha um plano de ajuste fiscal de longo prazo. Não se sabe qual é o significado exato desse raciocínio, mas esta coluna tem um palpite: o Brasil já perdeu o grau de investimento e, por isso, não há mais o que fazer; o jeito, então, é estimular o crescimento e assegurar aos transeuntes que, adiante, a questão fiscal será equacionada.
De acordo com Barbosa, uma "política fiscal de longo prazo" proporá a reforma da previdência. Na prática, ele quer convencer o mercado de que o governo está comprometido com o equilíbrio fiscal do futuro (que, todos desconfiam, ficará para as calendas gregas), mas, antes, precisa que a economia cresça já. Quando o PIB avança, problemas como o do desequilíbrio estrutural da previdência perdem importância. Perdem?
Quais foram os pressupostos da NME, a política econômica voluntariosa adotada pela presidente Dilma no primeiro mandato? O de que a taxa de juros era alta no Brasil porque representantes do mercado, instalados na diretoria do Banco Central (BC) e defensores do rentismo, a impediam de cair. Uma tolice: funcionários públicos comandaram a instituição nos últimos quatro anos; no período, a taxa Selic caiu para 7,25%, mas hoje já está em 14,25% ao ano.
Outro preceito era o de que a taxa de câmbio precisava se desvalorizar, também na marra, para dar competitividade à indústria. Desde 2011, o real passou por notável depreciação em relação ao dólar - de R$ 1,70 para R$ 3,81 - e a indústria não saiu do lugar - é evidente que, no atual cenário de correção de preços relativos, haverá efeito sobre a competitividade; isso porque a desvalorização reflete os novos fundamentos da economia brasileira e mudanças nos padrões de crescimento de países como a China e os Estados Unidos e não um desejo de Brasília.
A turma da NME, com algumas exceções, nunca acreditou na tese de que, sem equilíbrio fiscal, todo o resto funciona mal, afinal, juros e câmbio são preços que refletem os fundamentos. Daí, a diminuição contínua das metas de superávit primário, política que, combinada com uma série de outros equívocos (aumento do protecionismo comercial, desorganização do setor elétrico, empréstimo de R$ 504 bilhões do Tesouro ao BNDES, congelamento dos preços dos combustíveis, tabelamento de taxas de retorno etc) levou rapidamente o Brasil ao estado atual de crise.
Como dizia Marco Maciel, "as consequências vêm depois". O que a "nova matriz" fez foi eliminar a confiança que os empresários tinham na política econômica. O seu retorno, em prejuízo da já frágil situação fiscal, não restabelecerá a confiança.
É bom lembrar que Nelson Barbosa deixou o posto de número 2 do Ministério da Fazenda em meados de 2013 não por discordar da NME, mas por se envolver numa renhida disputa de poder com seu então chefe - o ministro Guido Mantega - e o então secretário do Tesouro, Arno Augustin. Suas ideias ganharam tal força nas últimas semanas que representantes dos setores produtivo e financeiro, segundo relatos impressionantes de Cláudia Safatle e do jornalista Fernando Rodrigues, do UOL, decidiram avisar à presidente que, se desistir do ajuste, o governo levará o país a uma crise de consequências muito mais sérias que as observadas até o momento.
Na prática, as ideias de Barbosa inviabilizam a presença de Joaquim Levy no governo. Sem Levy e sem o ajuste, os empresários, os mesmos que há algumas semanas se manifestaram contrários ao impeachment da presidente, retiram o apoio que vinham dando. Seria o fim da concertação que ajudou a classe política a serenar os ânimos em Brasília.
Levy quer taxar LCA com 10% de IR
Enquanto ainda está ministro, Levy estuda formas de aumentar as receitas tributárias. Uma delas é taxar aplicações em LCA com 10% de Imposto de Renda.
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