- O Estado de S. Paulo
Adaptada aos primórdios da União Soviética, a fábula do bode na sala tem tudo que ver com nossa atualidade: incomodados com o excesso de pessoas num apartamento coletivo, seus moradores se queixaram a um comissário do povo, que os aconselhou a pôr um bode em casa. Uma semana depois voltou ao local e, ao retirar o bode, melhorou a situação, que, é claro, tinha piorado muito.
Esta terra do samba, do frevo e do futebol tornou-se pátria do incômodo de 1 milhão de desempregados, previsto para 2015. E, talvez, ainda viverá funestas consequências nos próximos “meses” (apud Joaquim Levy), com mais empresas falindo e menos serviços funcionando, sob a égide de uma destrambelhada que assiste, aparentemente impávida, à degeneração econômica, política, social e, sobretudo, moral deste “país do pixuleco”. Neste, bandidos são bajulados como heróis que empregam trabalhadores e guerreiam pelo povo e vilões são apenas seus ex-sócios que colaboram com a Justiça ao denunciá-los.
Neste atual descalabro, uma nobreza nada nobre se protege atrás de um vergonhoso muro da ira da plebe espoliada.
Antigamente a corrupção era um empreendimento pessoal e assim foi até chegarmos a este século 21, quando virou projeto sistêmico partidário de poder para enriquecer uma súcia que se pretende monopolista de todas as virtudes e benesses.
Protegida por placas de metal na festa da Independência, que deveria ser de todos, a capitã da nave à deriva pratica o voo da barata tonta, que não é aleatório, como querem fazer crer sócios e cúmplices, mas método de embromation. A “gerenta”, posta no poder pelo padim, joga contra o bolso esvaziado do pobre, que finge representar, cartadas de um pôquer funesto. No ano passado conseguiu da base genuflexa no Congresso autorização para burlar a lei, ao não cumprir a obrigação precípua e intransferível de produzir saldo nas contas públicas. Ainda assim, recorreu a “pedaladas”, atropelando de novo a mesma lei para fechar balanço mentiroso.
Neste ano recorreu a um providencial ministro neoliberal para tranquilizar seus clientes com banco. Este chegou prometendo a volta do superávit primário para, em seguida, mandar para o Legislativo um Orçamento deficitário. A obrigação de só gastar o que é capaz de arrecadar não é apenas a pedra de toque da Lei de Responsabilidade Fiscal, mas também a regra fundamental de qualquer gestão que se preze, no lar ou na República. Só que a corrupção sistêmica aparelhou e emparedou Poderes e instituições em postos-chave, capazes de sustentar o insustentável peso de um Estado estroina e de uma casta cujas máculas fazem apodrecer nossa democracia, para gáudio do bando que continua no comando.
Será esta democracia apenas um jogo de poder sem regras do voto conquistado com dinheiro desviado do bolso do próprio cidadão enganado? Voto nem sempre bem contado...
Edinho Silva, tesoureiro da campanha da “presidenta” reeleita, é acusado pelo empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC, de tê-lo ameaçado de suspender seus contratos privilegiados com sobrepreço em estatais se não doasse para cobrir despesas da reeleição de Dilma. Licitação viciada e lavagem de propina pela Justiça Eleitoral são crimes graves e, no caso, sobrepostos.
“Eu segui as orientações da presidenta Dilma, ou seja, conversei com empresários brasileiros seguindo os princípios éticos e morais”, ele garantiu. Se for verdade, por que ela não o afasta até provar que o colaborador (antes da campanha e agora da Justiça) mentiu ao juiz e é, então, mentalmente incapaz, única condição para explicar atitude de quem agrava a própria pena?
A mesma testemunha privilegiada acusou dois varões do Senado de crimes semelhantes: o chefe da Casa Civil da reeleita, Aloizio Oliva, e o candidato derrotado a vice pelo principal partido da oposição, Aloysio Ferreira. Ambos garantem que as doações foram legais.
Mas o mantra petista não ganha foros de verdade por ser repetido pelo PSDB. A doação somente é legítima se sua origem for limpa. Cabe aos agentes da Operação Lava Jato provar se é ou não. Se não for, Pessoa terá as penas agravadas e Suas Excelências, a reputação recuperada. Até se esclarecer isso, porém, eles teriam de se licenciar de seus cargos para não atrapalharem as investigações – dois usando poder de governo e o terceiro dificultando a oposição a se opor.
Mas os tucanos ficam de bico fechado. E madame “gerenta” permite que seu anspeçada solape o que ainda resta ao próprio governo do mínimo de credibilidade com lances geniais no xadrez político, tais como o que provocou a ida de Eduardo Cunha para as hostes inimigas e o abandono da coordenação política pelo vice, Michel Temer. Isso sem falar nos roques que ela empreendeu ao aceitar o superávit primário; tentar ressuscitar imposto renegado em época de presidente popular (Lula) e maioria de fato; encaminhar Orçamento deficitário e, portanto, irregular para o Congresso; anunciar que mandaria suplemento equilibrando as contas; e cobrar pela “travessia” (sem Moisés).
Com a oposição sem rumo nem projeto, não é de prever bonança para o Brasil, ainda que dona Dilma venha a ser deposta. Mas também não é difícil verificar que, ao apostar na fábula do bode com que o comissário do povo driblou os incomodados, a “presidenta” de Edinho e Oliva não faz o papel que se atribui de malandrinha que indica a solução errada para vender o falso alívio da retirada do bode malcheiroso, barulhento e bagunceiro da sala da “minha casa, minha vida”.
Ela, ao contrário, é o bode propriamente dito. Ou seja: se pode vir a ser ruim sem Dilma, pior será que ela continue protegendo seus suspeitos do peito. E nos dando a certeza, que se confirma a cada dia, de que ou é incapaz de sentir o fedor que lhe entra pelas narinas ou é cúmplice de quem produz todo esse material orgânico que torna insuportável a vida de seus desditados condôminos.
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*José Nêumanne é jornalista, poeta e escritor
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