• Delação e domínio do fato são avanços no processo penal
- Valor Econômico
O juiz Sergio Moro falará hoje, em Brasília, à Comissão de Constituição e Justiça do Senado, em audiência pública na qual desponta com o notável reconhecimento pela condução do processo que apura crimes cometidos na administração da Petrobras e outras estatais, a Operação Lava-Jato. Moro comparecerá como apoiador de um projeto que autoriza prisão para crimes graves logo após a condenação em segunda instância ou pelo tribunal do júri. Passaram pelo seu crivo e também o da Associação de Juízes Federais (Ajufe) regras da proposta que prevê, nos casos de crimes hediondos, tráfico de drogas, tortura, terrorismo, corrupção e lavagem de dinheiro, manter preso o condenado até quando existirem os motivos da decretação da prisão.
Ao falar sobre prisão o juiz, que na percepção da sociedade vem se tornando símbolo da Justiça, como apontam pesquisas, poderá construir um discurso que esclareça para senadores e deputados, preparados para lhe apresentar questões sobre o assunto, as prisões como instrumento da investigação. Parlamentares citados ou não na Operação Lava-Jato, com processos em tramitação no STF, denunciados em geral, inquiridos em particular, presos em minoria, discutem, hoje, o instrumento da delação premiada como aceleração das investigações da mesma forma que os réus e advogados no mensalão discutiam a novidade da época, a aplicação da teoria do domínio do fato, ambos instrumentos de modernização dos processos.
Investigados e seus advogados, contrários ao instituto da delação premiada, vêm aumentando o tom das críticas ao juiz Sergio Moro pelas prisões que consideram arbitrárias e que seriam feitas apenas para forçar a delação. Toda a força-tarefa dessa operação nega a intenção, mas poderia o juiz Moro aproveitar a presença no Congresso para esclarecer as dúvidas dos seus críticos, que já discutem mudanças no instrumento, há apenas dois anos em vigor.
Transformaram-se em debate recorrente nos meios acadêmicos e jurídicos os avanços que a aplicação da delação possibilitou aos processos, ao combate à impunidade e à agilidade da Justiça.
Tem-se feito um paralelo entre a delação premiada no atual caso didaticamente denominado petrolão, para retratar o saque que agentes públicos e privados fizeram contra a Petrobras e outras estatais, e o que representou a teoria do domínio do fato, aplicada nos processos do mensalão. Ambos são considerados um avanço inegável na apuração e punição de crimes de corrupção do poder público.
O presidente da Associação dos Juízes Federais, Antônio César Bochenek, considera que houve mais progressos nos processos com o recurso à delação premiada. Para ele, no mensalão, o novo foi a condenação de pessoas de alto escalão, pessoas importantes do cenário político. "Isso foi um avanço e não tínhamos experiência nesse sentido. Com relação à delação premiada, houve um avanço estrutural, da forma de conduzir o processo penal brasileiro, uma mudança cultural dentro do sistema processual".
Bochenek guarda distância entre as duas questões mesmo que ambas representem a superação da hipocrisia e busquem a eficácia dos processos. No domínio do fato não há uma regra, uma homogeneidade quanto há na aceitação da delação premiada. "A teoria do domínio do fato é direito penal puro. A delação premiada é questão processual, instrumento para obtenção de provas".
Mesmo guardando as diferenças na sua importância para o aperfeiçoamento dos processos, afirma o juiz que os dois são paradigmáticos no rompimento do sistema anterior.
O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Ayres Britto, sob cuja direção foi votada a maior parte do processo do mensalão, assinala que essas questões fazem parte de uma evolução histórica que corresponde a uma dialética entre os direitos e garantias individuais e a necessidade de tornar o direito penal mais eficaz. E aqui entra outro motivo de críticas dos advogados, o de que a Justiça está trabalhando para a plateia, o eleitorado. Para Ayres Britto, as garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa têm que ser preservadas. "Mas, de outro lado, há a exigência do corpo social, de ver o direito penal dotado de eficácia. Porque senão os aplicadores do direito vão ficar fazendo uma interpretação leniente, para não dizer cúmplice dos fatos praticados por pessoas acusadas de delinquência".
O ministro vê nos dois instrumentos um avanço. Para ter um direito penal eficaz, o domínio do fato. Como contribuição para a investigação penal, a "colaboração premiada", termo que prefere à delação. "O que está acontecendo no campo do direito penal é uma espécie de processo dialético. É necessário fortalecer os direitos e garantias individuais, mas é preciso que o direito penal não seja um faz de conta".
Não dá para desconhecer: em organizações criminosas sofisticadas, há quem planeje, conceba, arquitete um esquema e mantem os executores sob controle, diz Britto. Esses arquitetos de esquemas criminosos têm o domínio dos fatos, uma liderança, até intelectual. Se eles quiserem que a trama criminosa cesse têm essa possibilidade, tal a importância da sua liderança. Essas pessoas não praticam os fatos empíricos, mas estão por trás na perpetração.
Isso veio à tona no julgamento da Ação Penal 470 (o mensalão), diz Britto, embora ele próprio, e alguns outros ministros, não tenham recorrido à teoria para votar com o relator na condenação dos réus. Só os fatos eram suficientes. "Mas se fosse necessário, teria usado". Era realmente um inegável avanço.
Agora, vem o novo instituto jurídico penal da delação premiada, que, a seu ver, a lei adequadamente chama de colaboração premiada. Ninguém está obrigado a colaborar, a colaboração é voluntária, espontânea. Se não colaborar, não tem sua situação agravada. Se colaborar, voluntariamente, pode receber um prêmio.
Alguns escritórios de advocacia reagem à delação e abandonam seus clientes se forem delatar. Da mesma maneira que reagiram à aplicação do domínio do fato.
"Eles acham que está havendo indução, coação, que estão prendendo para forçar o preso a delatar. A colaboração é um elemento auxiliar da investigação. Não pode roubar a cena. Não se pode condenar ninguém com base em colaboração premiada. Apenas há um colaborador que se oferece para ajudar a justiça".
O juiz Sergio Moro poderá mostrar o que a delação premiada representou para a Lava-Jato, e se há necessidade ou não de mudanças neste momento, como propõem alguns parlamentares.
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