• O pior que pode ocorrer é o abandono a meio caminho da retomada da responsabilidade macroeconômica
- Valor Econômico
Ao reagir contra a proposta de restabelecimento da CPMF, o presidente da Fiesp pediu publicamente a cabeça do ministro da Fazenda. Por que? Segundo ele, Joaquim Levy merece sair porque, entre outros pecados, "vai levar o país ao caos com seus erros". Na mesma entrevista, disse que "em vez de reduzir impostos, Levy está fazendo o oposto, aumentando juros, reduzindo o crédito e aumentando os impostos".
Trata-se de uma crítica curiosa, no mínimo. Não me consta seja o atual ministro da Fazenda o responsável pelo caos fiscal e pela inflação elevadíssima que assolam o País. Tampouco Levy teve algo a ver com o desastroso experimento de derrubada na marra das tarifas de energia elétrica em 2013 ou com o uso abusivo dos bancos públicos para gerar privilégios para setores e empresas eleitas pelo governo.
Não é preciso ser nenhum Sherlock Holmes para descobrir que as pegadas da fracassada "nova matriz econômica" conduzem mais a um certo edifício da Avenida Paulista do que ao escritório de Joaquim Levy. Muitos dos que hoje pedem a cabeça de Levy no passado pediram a desoneração da folha de pagamento, a depreciação forçada do câmbio e redução voluntarista dos juros pelo Banco Central (ainda que a inflação estivesse acima da meta). Deve ser por isso que não há registro de ter o presidente da Fiesp alguma vez pedido a cabeça do antecessor de Levy, enquanto a inflação subia e as contas públicas degringolavam.
O pior que pode hoje acontecer ao Brasil é o abandono a meio caminho do esforço de retomada da responsabilidade macroeconômica, fortemente abalada na gestão pouco competente (mas infelizmente longeva) do antecessor imediato de Levy.
Não se trata de negar que o ajuste da economia esteja sendo doloroso e que, infelizmente, a recessão não será revertida tão cedo. Também não se nega que há erros na execução da política fiscal, como foi o caso do mal pensado adiamento do pagamento da primeira parcela do décimo-terceiro aos beneficiários do INSS, assim como equivocada foi a ideia da volta da CPMF, agora sob forma de imposto a ser partilhado pela União com outros entes da Federação.
É compreensível que os empresários, assim como toda a sociedade, se manifestem contrários ao aumento de tributos e se impacientem com a falta de resultados até aqui da política de ajuste iniciada em janeiro último. Tal exasperação é ainda mais fundada porque vem após uma campanha presidencial em que a candidata à reeleição teceu reiteradas loas à política econômica de então e atribuiu todos os problemas da economia brasileira à situação internacional.
Contudo, ao contrário do que afirmou a presidente Dilma durante a última campanha eleitoral, a crise de crescimento pela qual passa no momento o Brasil tem suas raízes principais nas políticas equivocadas dos últimos seis anos. O abuso de medidas procíclicas, as pedaladas e a maquiagem fiscal, o abandono da meta de 4,5% de inflação, a intervenção excessiva e errática nos mercados, com o intuito de direcionar a alocação de recursos, o fechamento adicional da economia, a manipulação das empresas estatais com objetivo político, são alguns dos itens de um extenso rol de erros que fizeram o Brasil desaguar nos seus problemas econômicos atuais. Em consequência, o crescimento da produtividade se estagnou e a taxa de investimento caiu drasticamente.
Desse modo, somente um economista de botequim poderia pensar que a volta aos "bons tempos" da nova matriz econômica de Guido Mantega resgataria o Brasil de suas dificuldades presentes. No momento, reduzir impostos, derrubar juros e estimular o crédito, como parece reivindicar o presidente da Fiesp, não seria a solução para as atuais dificuldades da economia brasileira.
O Brasil precisa completar o ajuste macroeconômico, equilibrar as contas públicas e trazer a inflação para a meta e, principalmente, avançar numa agenda para aumentar a produtividade e o investimento e melhorar o ambiente de negócios, o que no mínimo exige o alinhamento de suas lideranças empresariais a esse propósito. Por outro lado, a saída de Levy, como exigiu o presidente da Fiesp, significaria muito provavelmente perder a oportunidade de corrigir os erros na gestão econômica que foram acumulados ao longo dos últimos anos.
Vale ressaltar que o setor empresarial produziu nos últimos anos alguns excelentes diagnósticos e sugestões de políticas públicas que, caso adotadas, poderiam contribuir muito para acelerar de forma sustentada o crescimento da economia brasileira, assim como conduzir à redução das desigualdades sociais. A CNI, por exemplo, mapeou uma série de ações com vistas a reduzir o custo Brasil, muitas das quais exigem reformas estruturais que necessitam amplo apoio político na sociedade.
No momento de crise econômica, em que ambas as casas do Congresso se esmeram em votar "pautas-bomba", seria mais razoável ouvir as vozes da indústria apoiarem os ajustes na economia e demandarem reformas mínimas necessárias para a retomada do crescimento sustentável em vez de publicamente pedirem a saída do ministro da Fazenda.
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Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central
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