• Independentemente de pedidos de impeachment da presidente, se eles fazem ou não sentido, o princípio da ética na vida pública impõe o afastamento do deputado
Há um estranha anestesia na sensibilidade do mundo político. Se, em 2005, o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), foi enxotado ao se confirmar que recebia um “mensalinho” de R$ 10 mil de um concessionário de restaurante, a semana começou sob o impacto do noticiário das milionárias contas na Suíça do atual presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), sem que houvesse a mesma indignação de há dez anos.
Pode-se gastar muita tinta e papel em debates sobre o porquê da letargia. O importante, porém, é estabelecer-se que Severino não poderia continuar. Nem Cunha deve se manter na cadeira que já foi de Severino — mas principalmente de Ulysses Guimarães —, depois de revelada a existência das contas, abastecidas por milhões desviados do esquema de corrupção instalado na Petrobras — salvo sólido desmentido do deputado.
Depois de todas as provas divulgadas, o mínimo que se espera é seu afastamento da presidência da Casa. Isso teria de ocorrer com o país na normalidade. E num momento como o atual, em que uma crise política turbina a debacle econômica, o afastamento precisa ser ainda mais rápido.
O Congresso tem de estar a salvo de outras injunções para aprovar o que é necessário, a fim de que o país saia da turbulência, com o mínimo de danos. Mas, não. Oposição e a base fragmentada da situação se posicionam na questão Cunha de forma oportunista, para faturar dividendos.
No caso do PT, o deputado Luiz Sérgio (RJ), por exemplo, relator da encenação de CPI sobre a Petrobras, livrou Cunha nas suas conclusões, algo anedótico. Mesmo que o presidente da Casa tenha mentido na comissão, ao garantir não manter contas no exterior. Perjúrio omitido pelo petista na esperança de que Eduardo Cunha não deflagre um processo de impeachment contra Dilma. Por motivo oposto, a oposição também é leniente com o presidente da Câmara: torce para que o troco de Cunha no governo, a quem responsabiliza por seus problemas, sejam a aceitação de um pedido de impedimento e a consequente instalação da comissão especial para avaliá-lo.
Tucanos em geral e aliados fingem não saber que a própria legitimidade do ato será prejudicada por ter partido de um muito provável beneficiário do esquema de corrupção montado pelo lulopetismo na Petrobras. Além de outras gazuas.
É preciso cobrar do Legislativo que não vire as costas à sociedade. Ela está informada sobre as transações bilionárias e subterrâneas de desvios de dinheiro do Erário por meio do assalto a empresas públicas — Petrobras à frente —, de que se beneficiaram partidos, parlamentares, Cunha entre eles, militantes, executivos, empresários.
Isso não significa fazer qualquer juízo de valor dos pedidos de impeachment de Dilma. Tenham eles substância ou não, macula o próprio Congresso manter com o poder de decidir, não apenas sobre o impedimento da chefe do Executivo, mas também vários outros assuntos estratégicos para o país, alguém sob tantas suspeitas e evidências.
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