• O bastidor virou ribalta, os atores se despiram e o público mal conseguiu prestar atenção
- O Estado de S. Paulo
Dois mil e quinze foi o ano em que a política perdeu o pudor. As estripulias de Eduardo Cunha na Câmara propiciaram cenas das mais explícitas já protagonizadas por um chefe de Poder, mas seria injusto dizer que esse jeito de escancarar o que antes era velado seja só dele. A prática se generalizou. O bastidor virou ribalta, os atores se despiram e o público mal conseguiu prestar atenção a todas as cenas nuas e cruas da nova coreografia política.
Foram tantos escândalos seguidos e superpostos que alguns dos episódios mais chocantes do ano nem tiveram tempo de ser digeridos. A fuga a la Brancaleone combinada pelo senador Delcídio Amaral com personagens da Lava Jato é tão fantástica que extrapola. A conversação flagrada na gravação jamais emplacaria num roteiro de ficção por ser inverossímil demais.
Deputados trocando tapas ao vivo na - onde mais? - Comissão de Ética, 36 pedidos de impeachment contra a presidente da República, dezenas de parlamentares arrolados na Lista do Janot, seis inquéritos no STF contra o presidente do Senado, pedido de afastamento do presidente da Câmara, centenas de mandatos contra figurões da República, detenção de banqueiro, condenação em série de empreiteiros, pacotes de dinheiro jogados pela janela.
Corriqueiramente a política brasileira é tachada de pornográfica e qualificada como obscena. Mas a comparação não é justa com a pornografia. A representação do comportamento sexual em vídeos, textos e fotos visa excitar quem os consome. Milhões pagavam para ver o que era proibido, escondido, pecaminoso. Ao virar padrão, a indústria pornográfica entrou em crise. A overdose grátis de sexo virtual matou a excitação. O pornô brochou.
A política brasileira nem chegou a ser excitante. Foi direto do falso moralismo para o sexo explícito em escala pós-industrial. Quando tudo é escandaloso, nada mais escandaliza. Daí a multiplicação de dois tipos de comportamentos opostos, mas complementares: o descrédito e a despolitização motivados pelo nojo, e a atitude de vale-tudo encorajada pelos exemplos repetidos que vêm das lideranças políticas da Nação.
É essa combinação que transforma um tuiteiro desengajado em assediador moral, ou que faz um militante de Facebook sair do sofá para agredir um idoso na rua só por ele ser "petralha" ou "coxinha". Enclausurados em suas bolhas cognitivas que só fazem reforçar as respectivas taras e preconceitos, criam-se maníacos que consomem política como pornografia e se aliviam publicamente em manifestações de intolerância, ódio e negação do outro.
O despudor político torna-se, assim, pai da antipolítica. Meio sem querer querendo, pois a aversão reduz a concorrência. Quem vai querer se arriscar em um ambiente desses apenas por idealismo? Cada vez menos gente. Tão menos que virou um problema para os próprios políticos profissionais.
Ao mesmo tempo em que intumesce o número de partidos, murcham as filiações partidárias. Sem novos filiados nem doações de empresas não há libido para fazer campanha eleitoral. Foi um dos motivos pelos quais, no remendo em que se transformou a reforma política, o Congresso acabou com o prazo mínimo de um ano para o novo filiado poder disputar cargo eleitoral pelo partido.
Os anos anteriores às eleições municipais registram os picos de filiações partidárias. Foi assim em 2011, 2007 e 2003. O motivo é egoísta: o futuro candidato a prefeito ou vereador filia tantos amigos, familiares e conhecidos quanto pode para garantir seu nome na urna. Isso não rolou em 2015. Daí todos os partidos compartilharem o interesse de estender o prazo de filiação e ganharem tempo para levantar seus quadros.
Se 2015 foi despudorado, 2016 pode desbundar um ciclo político-partidário inaudito desde a redemocratização. Só não há garantia de que seja melhor do que os anteriores.
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