Procuradores agora avaliam abrir inquérito contra Lula por obstrução
Depoimento de Lula reforça indícios de obstrução à Lava Jato
Força-tarefa avalia que confirmação de Lula ao juiz Sérgio Moro sobre reuniões com delator e candidatos a delatores, que narraram episódios de destruição de provas, e negativas sobre 'intimidações' às autoridades devem ser apuradas
Ricardo Brandt, Fausto Macedo, Julia Affonso e Luiz Vassallo | O Estado de S. Paulo
O depoimento de Luiz Inácio Lula da Silva ao juiz federal Sérgio Moro, nesta quarta-feira, 10, reforçou os indícios reunidos por investigadores da força-tarefa da Operação Lava Jato, em Curitiba, de atuação do ex-presidente em atos de obstrução à justiça no maior escândalo de corrupção do Brasil.
A força-tarefa da Lava Jato avalia existirem elementos de prova de que Lula, ao longo dos três anos de investigações ostensivas, buscou obstruir o trabalho de investigadores e da Justiça, com episódios que envolvem suposta destruição de provas e intimidação de autoridades e testemunhas do processo.
As suspeitas devem resultar em novo inquérito contra Lula, em Curitiba, e, consequentemente, em mais uma denúncia criminal – o petista é réu em cinco ações penais, duas deles abertas por Moro. Na 10ª Vara Federal, no Distrito Federal, o ex-presidente é réu, desde julho de 2016, acusado de tentar comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró – crime de obstrução à Justiça.
Destruição. Em quase cinco horas de interrogatório, em Curitiba, Lula confirmou ter se reunido com três alvos da Lava Jato – um deles delator e outros dois em negociação de acordo -, em 2014, quando as investigações já tinham sido deflagradas. O petista, no entanto, negou irregularidades.
O ex-presidente confirmou encontros narrados pelo ex-diretor de Serviços da Petrobrás, Renato de Souza Duque, e com o ex-presidente da OAS José Aldemário Pinheiro, o Léo Pinheiro. Os dois, também réus da Lava Jato e já condenados, contaram que Lula teria pedido para que fossem destruídas provas do esquema de corrupção na Petrobrás.
Os dois são candidatos a delatores da Lava Jato, investigados desde 2014, por envolvido no mega esquema de cartel e corrupção na Petrobrás, em que empresas em conluio com políticos da base do governo Lula – em especial do PT, PMDB e PP – desviavam recursos dos grandes contratos da estatal. Um rombo de mais de R$ 40 bilhões, entre 2004 e 2014. No último mês, eles confessaram pela primeira vez envolvimento com os crimes.
Lula é réu nesse processo em que ficou pela primeira vez frente a frente com Moro, por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro – pena pode chegar a 22 anos de prisão – pelo recebimento de R$ 3,7 milhões da OAS, em forma de “benesses” na ampliação e reforma de uma apartamento, no Guarujá (SP) e no custeio da guarda de bens presidenciais do petista.
Léo Pinheiro. O principal episódio contra Lula sob investigação, para o processo do triplex do Edifício Solaris, no Guarujá – que o petista nega ser dele – é o revelado ao juiz pelo ex-chefão da OAS.
“Eu tive um encontro com o presidente em junho (de 2014), bom isso tenho anotado na minha agenda”, declarou Léo Pinheiro, ouvido no dia 20 de abril, por Moro, como réu nesse processo.
“São vários encontros onde o presidente, textualmente, me fez a seguinte pergunta. ‘Léo’, até notei que ele tava um pouquinho irritado, ‘Léo, você fez algum pagamento ao João Vaccari no exterior? Eu disse: ‘não presidente, eu nunca fiz pagamento dessas contas que temos com Vaccari no exterior’.”
Lula insistiu, ainda de acordo com as revelações do empreiteiro. “Como é que você está procedendo os pagamentos para o PT através do João Vaccari?”
“Estou fazendo os pagamentos através de orientação do Vaccari, de caixa dois, de doações diversas que fizemos a diretórios.”
E Lula, então, deu a ordem, segundo o empreiteiro. “Você tem algum registro de encontro de contas, de alguma coisa feita com Vaccari com você? Se tiver destrua!”
Lula negou a Moro o conteúdo da conversa, mas confirmou seus encontros frequentes.
“O senhor Léo Pinheiro afirmou em juízo que teria encontrado o senhor no início de 2014, ocasião na qual o senhor teria perguntado a ele se teria registros documentais dos pagamentos de propina pela OAS ao Partido dos Trabalhadores por João Vaccari Neto. Na ocasião ele afirmou que o senhor ex-presidente teria orientado a destruir essas provas se elas existissem, algo como: ‘se existir, destrua'”, disse Moro, durante o interrogatório.
“O senhor se encontrou com Léo Pinheiro durante o ano de 2014?”
“Encontrei com Léo Pinheiro”, respondeu Lula, enquanto acenava afirmativamente com a cabeça.
“Mais de uma vez?”, perguntou o juiz.
“Mais de uma vez. E jamais, jamais disse pro Léo, o que ele falou, jamais. Jamais pedi…”, respondeu Lula. “Aliás é outra coisa, doutor Moro, que é importante o senhor saber o que eu penso. Eu vi alguns depoimentos, eu vi o sequestro… eu vi a busca e apreensão na casa do jornalista Eduardo Guimarães, depois eu vi o Duque falar, depois eu vi acho que o Léo falar, em torno de uma introdução de tentar mostrar que eu ficava pedindo para as pessoas esconderem documentos”.
“Isso nunca aconteceu””, perguntou Moro.
“Nunca aconteceu e nunca vai acontecer, doutor!”, garantiu o ex-presidente.
O juiz da Lava Jato insistiu em detalhes sobre os encontros com o ex-presidente da OAS, que já está condenado em segunda instância pela Lava Jato. “Quantas vezes o senhor encontrou Léo Pinheiro durante 2014?”
“Ah, eu acho… veja, teve encontro com ele para discutir viagem, teve encontro com ele nesse que ele foi para discutir o apartamento, tem tem discussões para discutir o futuro da economia brasileira, que 2013, depois das passeatas de junho, houve uma movimentação muito grande, no descenso da economia brasileira, e muita gente me procurava para discutir o que ia fazer nesse País a economia. Atendi vários empresários, inclusive o Léo.”
Moro quis saber onde eram realizados os encontros com Léo Pinheiro.
“Sempre no Instituto (Lula, em São Paulo).”
Duque. No dia 5, o ex-diretor de Serviços Renato Duque (2003-2012), que era o principal homem do PT no esquema de loteamento de cargos estratégicos da Petrobrás, declarou ao juiz que foi procurado em junho de 2014 pelo ex-tesoureiro petista João Vaccari Neto para um encontro com Lula, que aconteceu no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo.
O ex-diretor, condenado a 57 anos e 7 meses de prisão, atribui a Lula a frase: “Olha, presta atenção no que vou te dizer. Se tiver alguma coisa não pode ter, entendeu? Não pode ter nada no teu nome entendeu?”.
No seu primeiro interrogatório à Lava Jato, em Curitiba, Lula confirmou a conversa, mas contou outra versão.
“Tinha muito boato que estava sendo roubado dinheiro que o Duque tinha conta no exterior. Eu falei para o Vaccari, se você conhece o Duque eu queria falar com ele”, contou o ex-presidente.
“Foi numa sala em Congonhas. E eu fiz a pergunta simples: ‘tem matérias nos jornais e denúncias que você tem dinheiro no exterior. Que tá pegando da Petrobrás e colocando no exterior. Você tem conta no exterior? Ele disse: ‘eu não tenho’. Eu falei: ‘acabou, se não tem, não mentiu pra mim, mentiu para ele mesmo'”, afirmou Lula.
Para três investigadores da força-tarefa ouvidos pela reportagem, sob a condição de não terem o os nomes revelados, o ato de buscar informações sobre provas de crimes, confirma a acusação de que Lula não era alheio ao esquema de corrupção na Petrobrás.
Sérgio Machado. Outro elemento sob investigação pela força-tarefa é o encontro que Lula confirmou ter acontecido com o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, em 3 de junho de 2014, uma hora antes de se encontrar com Léo Pinheiro, ambos na sede do Instituto Lula, em São Paulo.
Ex-presidente da subsidiária da Petrobrás que cuida do transportes de combustíveis, Machado virou delator e abalou a cúpula do PMDB, ao gravar conversas sobre um acordão para “estancar” as investigações da Lava Jato. Os diálogos faziam referência a um “acordão” amplo entre políticos para frear os avanços das investigações, que chegaram naquele mês de março à Lula. Começava ali também, as negociações da mega delação da Odebrecht – concluída em dezembro de 2016.
“O senhor se encontrou com Léo Pinheiro nessa data?”, perguntou o procurador da República Julio Motta Noronha.
“Certamente encontrei, se está na minha agenda, encontrei”, respondeu Lula.
“Nessa data consta uma reunião do senhor com Léo Pinheiro às 17 horas e uma reunião antes com Sérgio Machado, da Transpetro?”, questionou Noronha.
Lula mostrou surpresa: “Na mesma data?”.
“Isso”, respondeu afirmativamente, o procurador.
O ex-presidente, então, deu sua versão para o motivo do encontro. “O Sérgio Machado foi me convidar para a inauguração de um navio, porque eu tomei uma atitude de colocar nome em um navio de personalidades brasileiras históricas, por exemplo, recuperar o nome do marechal negro Antonio Cândido, de colocar de Sérgio Buarque, de colocar de pessoas muito importantes da política brasileira, que tava esquecido. E ele foi me levar alguns modelos, uma réplicas de navios já feita pela Petrobrás.”
Investigação. Procuradores e policiais da força-tarefa avaliam que apesar de Lula ter negado as tentativas de enfrentamento à Lava Jato, narradas por outros réus, a confirmação das reuniões fornecem elementos para aprofundar apurações sobre novos crimes.
O processo do triplex, em que Lula foi interrogado, está em fase final e deve ser dele a primeira sentença de Moro contra o ex-presidente no escândalo Petrobrás – a previsão é que a decisão seja dada até julho, se não houver interrupções no tramite da ação.
Lula confirmou ainda dados importante para o processo do triplex, sem admitir ilícitos, como as ligações feitas do celular do empreiteiro Léo Pinheiro para o segurança que eram “certamente” para falar com ele, a visita pessoal ao triplex com ele, que tentaria “vender” o imóvel, e sua relação com Vaccari.
Ao fim do histórico interrogatório de Lula, na Lava Jato, Moro advertiu o réu ainda sobre outros cinco episódios que podem caracterizar tentativas de intimidação a autoridades, entre elas a fala de que mandaria prender procuradores da República e mesmo uma suposta ameaça velada aos policiais federais, que o conduziram coercitivamente para depor, em 4 de março de 2016, quando ele foi alvo da 24ª fase da Lava Jato, a Operação Alethea.
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