Por Claudia Safatle | Valor Econômico
BRASÍLIA - Incertezas políticas, sobretudo em relação à sucessão presidencial, ainda criam cenário de baixa visibilidade, o que dificulta a retomada da atividade. "Depois de uma recessão profunda, seria de se esperar uma recuperação mais forte, mas isso não acontece quando se tem tanta incerteza", disse Armínio Fraga em entrevista, antecipada na sexta-feira pelo Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor. "Esse governo está fazendo até bastante, apesar do toma-lá-da-cá de cargos e favores que ainda parecem existir, coisas do Brasil Velho que quebrou", disse o ex-presidente do Banco Central, hoje sócio da Gávea Investimentos. Para ele, a despeito do aumento da confiança e do avanço das reformas, país está "engatinhando".
Investimento só vem forte após definição eleitoral, diz Arminio
Incertezas políticas, sobretudo em relação à sucessão presidencial, criam um cenário de baixa visibilidade que afeta a retomada da atividade econômica. "Depois de uma recessão profunda seria de se esperar uma recuperação mais forte, mas isso não acontece quando se tem tanta incerteza", diz Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos. Em entrevista ao Valor, Arminio avalia que "esse governo está fazendo até bastante, apesar do toma lá da cá de cargos e favores que ainda parece existir, coisas do Brasil velho que quebrou".
No momento, a despeito do aumento da confiança e do avanço na aprovação de reformas importantes, o país "está engatinhando". Ou, como ele reforça, a economia está "meio em compasso de espera", aguardando maior clareza sobre o governo que sairá das eleições de 2018.
O cenário político que se desenha é polarizado. "De um lado Lula com o PT e seus satélites mais radicais, e do outro uma direita conservadora, até hiperconservadora. Em tese haveria um bom espaço para uma candidatura de centro, hoje personificada no Doria (João Doria, prefeito de São Paulo)".
O Lula que se candidataria agora não seria o mesmo que venceu as eleições de 2002, com o slogan "Lulinha Paz e Amor". Seria, pelas próprias circunstâncias, um homem raivoso, vingativo. E isso assusta, diz. Para Armínio, um governo reformistas, de centro, competente, seria a melhor alternativa para o Brasil e poderia dar início a um longo ciclo de crescimento.
Abaixo, a íntegra da entrevista:
Valor: Como o senhor está vendo a conjuntura? A economia parou de cair e a retomada é evidente?
Arminio Fraga : Os sinais ainda são muito frágeis, mas em geral recuperação começa assim. Os empresários estão assustados. Depois de uma recessão profunda seria de se esperar uma recuperação mais forte, mas isso não acontece quando se tem tanta incerteza. Além disso, há muitas empresas com capacidade ociosa. E os setores mais naturais para liderar, que estariam no topo da lista, como a infraestrutura, são lentos por natureza.
Valor: O sr. se refere à incerteza política, sucessória, da Lava-Jato?
Arminio : Principalmente a sucessão presidencial, mas também o geral. Sobre o que vai acontecer com a própria composição do Congresso, com a estrutura partidária, quais as reformas que serão aprovadas nos próximos trimestres. Agora não há muita visibilidade. No ano que vem essas coisas vão ficar mais claras, mas se para o bem ou para o mal, ninguém sabe. Eu, pelo menos, não sei.
Valor: Mas hoje já é clara a retomada do crescimento?
Arminio : O problema é que o hoje está sendo influenciado por um amanhã nebuloso. Deveria estar havendo boa recuperação, com apoio da política monetária, que está dando sua contribuição. Mas dificilmente vai ser uma grande festa da recuperação, até as incertezas começarem a desaparecer de forma boa. Não basta desaparecer e o país vai continuar numa linha populista ou o Brasil velho continuar vivo, apesar de todo o horror que estamos vendo e que deveria ser, talvez, uma chance única de mudança. Uma mudança de regime institucional e ético. Mas não há garantia de que vai acontecer.
Valor: Uma mudança de regime não teria que vir de uma ampla reforma política?
Arminio : Em parte, mas acho que tem que ir além. Tem que ser uma mudança de costumes também.
Valor: Isso não é mais difícil?
Arminio : É mais difícil, mas a mudança institucional - no caso, a política - ajuda. Seria um passo importante, por exemplo, reduzir bastante o número de partidos.
Valor: A preocupação com uma eventual candidatura do ex-presidente Lula faz parte desse quadro nebuloso a que você se refere?
Arminio : Com certeza. Ele certamente é um político conectado com pelo menos parte importante do eleitorado, que tem boas lembranças da época dele, que foi por sua vez um período em que alguns astros se alinharam. Primeiro, ele próprio era um problema que ele pôde resolver. E fez isso basicamente jogando fora o programa do PT e trazendo Palocci, Meirelles e equipe. Depois ele se beneficiou de um 'boom' de preços de commodities e também da situação que permitiu um 'boom' de crédito. Foi uma fase boa e ele merece crédito por isso. Mas antes mesmo do fim do primeiro mandato, ele já patrocinou um desvio de rota bastante radical, que só ficou claro depois. Já estavam ali as origens da Nova Matriz que arruinou o país.
Valor: Teme-se que o Lula de hoje seja diferente do 'Lulinha Paz e Amor' do passado e seja, pelas circunstâncias, raivoso, vingativo?
Arminio : Sim. Tem o do primeiro mandato até a saída do Palocci. Depois tem o Lula dos numerosos e importantes companheiros de governo que estão presos ou processados. O José Dirceu, o Palocci, todos os tesoureiros, líderes, presidentes do partido, líderes do partido na Câmara... Esse Lula hoje está reagindo como uma fera acuada. E aí vem o medo de ele voltar. Além de ter patrocinado uma estratégia completamente ruinosa e um modelo político corrupto, algo completamente inaceitável, que ele não inventou, mas certamente aprofundou. Voltando agora ele traria essa dimensão da raiva, que assusta. Até porque está de fato, no meio de um tiroteio danado. Esse é um cenário complicado, que preocupa. Porque ele vai apelar para como as pessoas se sentiam durante os dois mandatos dele, sem levar em conta que ele próprio patrocinou o desastre que veio a seguir.
Valor: O sr. acha que o Lula seria um candidato forte?
Arminio : É difícil dizer se seria um forte candidato para segundo turno, eventualmente até com chance de ganhar. Hoje parece difícil que alguém que no fundo estava por trás de tudo o que aconteceu - a própria Dilma também foi escolha dele, que deu no que deu - imaginar que ele possa se eleger outra vez. Mas não dá para descartar. Pelo visto o país caminha para uma polarização. De um lado Lula, com o PT e seus satélites mais radicais, do outro uma direita conservadora, até hiperconservadora. Em tese haveria um bom espaço para uma candidatura de centro, hoje personificada no Doria (João Doria, prefeito de São Paulo).
Valor: Isso é ruim?
Arminio : Acho natural e saudável que um país desigual e assustado como o nosso tenha um partido radical de esquerda e outro bem conservador à direita. Deveria ter um Partido Verde também. Mas o que vai surgir no centro está difícil de prever. Agora, não é tão radical a conclusão de que uma boa candidatura de centro tenderia a ganhar. É razoável trabalhar com essa hipótese. Embora veja muitos problemas na área econômica, imensos, a se resolver, na área política esse cenário é relevante e desejável.
Valor: Que governo seria esse?
Arminio : Um governo reformista. O Brasil precisa das duas coisas: de um governo que ofereça, que fale de oportunidades, e que garanta igualdade de oportunidades. Também tem que ter uma rede de proteção social boa, nesse lado o Brasil evoluiu bastante, mas sobretudo tem que ter um Estado que entregue mais e seja capaz de produzir mais oportunidade e mais igualdade de oportunidade. Aí tem um espaço enorme e acho que o Doria vem ocupando esse espaço.
Valor: O sr. mencionou a redução do número de partidos. Não estamos indo na direção contrária? Agora tem o Partido Novo, que quer atrair Luciano Huck como candidato à presidência...
Arminio : É. Conheço bem o partido, tem origem no Rio. É mais liberal, mas que talvez não explicite tanto essa dimensão e que fala em eficiência e honestidade, que não é mais do que obrigação.
Valor: Ingressaria nesse partido?
Arminio : Não. Não tenho nenhuma intenção de me filiar ao PSDB nem ao Novo. Tenho simpatia pelo Novo, tenho muitos amigos no PSDB e em outros partidos também. Mas não tenho esse plano.
Valor: Seu nome foi mencionado como possível candidato à presidência...
Arminio : Isso foi o Larry Summers [economista americano, ex-secretário do Tesouro], em um seminário em Harvard, onde ele foi extremamente generoso comigo e, no final, soltou essa ideia da cabeça dele. Não foi nada combinado comigo. Eu teria dito a ele que não dissesse isso, porque eu não tenho esse plano, essa ambição.
Valor: Não está nos seus planos?
Arminio : Não. Me preparei a vida inteira para colaborar mais na área econômica. Me interesso por outras áreas, até estudo - li muito sobre educação, hoje em dia tenho lido mais sobre saúde - como exercício pessoal de interesse em áreas que têm grande importância. Mas nessa altura da vida já investi muito e gosto muito dos assuntos gerais da área econômica, eventualmente até poderia colaborar. Estou também muito consciente das minhas limitações, não dá para fazer tudo ao mesmo tempo.
Valor: A reforma da Previdência tende a ser um assunto também para os próximos governos? Terá que passar por mais mudanças do que o Congresso está disposto a aprovar?
Arminio : Acho. Essa claramente não vai ser 'a' reforma. Isso aí já é um dado: vai ter que ter outra. A outra eu acho que deveria ser um grande repensar de temas tributários, trabalhistas e previdenciários, que formam um bolo só.
Valor: Uma nova rodada de reformas?
Arminio : Sim. Em algum momento, se o Brasil eleger um presidente com uma cabeça reformista, com mandato para isso, essas coisas estão muito conectadas.
Valor: Mas a trabalhista não está sendo feita e de forma até ousada?
Arminio : Ela promete. Não estudei o detalhe mais fino pra ter uma opinião forte. No geral o mercado de trabalho é afetado pelos impostos elevados que incidem sobre a folha. Qualquer imposto gera algum tipo de distorção ou efeito redistributivo, e não só os impostos que oneram a folha. Se você desenhar uma Previdência que pare em pé do ponto de vista atuarial, com regras de transição, provavelmente vai sobrar buraco fiscal a ser coberto. Cabe perguntar se ele deve ser financiado com mais imposto na folha ou através de outros.
Valor: E o mercado de trabalho do setor público?
Arminio : Deveria passar por uma mudança radical. Quem fez concurso, fez sabendo que ia ter uma certa trajetória de remuneração que incluía um pacote de aposentadoria, estabilidade. Essas eram as regras do jogo. Dentro do possível elas deveriam ser mantidas. Quem se aposentou ou quem trabalhou no setor privado, no regime da CLT, e contribuiu para Previdência, também está sendo chamado a arcar com parte do custo da inviabilidade fiscal do sistema atual. Então, nesse ponto, não é diferente da outra. Mas uma coisa mais radical, de transformar as aposentadorias do setor público, hoje, em uma coisa já parecida com o setor privado é demais, não? Tem que ter uma certa lógica, uma certa proporcionalidade, sabendo que daqui para frente os modelos vão ser iguais para o setores público e privado. O setor público vai ter que continuar a atrair gente de alto nível, com uma estrutura de cargos e salários bem desenhada.
Valor: O funcionalismo público não deveria ser afetado pelos ciclos econômicos como o setor privado?
Arminio : No fundo, essa discussão remete à estabilidade. Hoje tem muita gente com estabilidade que normalmente não deveria ter. O setor público deveria ter a flexibilidade para se adaptar às necessidades de uma sociedade que evolui. Agora, em alguns casos é preciso algum tipo de proteção.
Valor: O sr. está falando no caso de carreira típica de Estado, militares, por exemplo?
Arminio : Sim. Aí teria que pensar, ver que carreira se desenha. Mas de novo: simplesmente cortar aposentadoria vai atrair menos gente para essa carreira.
Valor: Segundo dados oficiais 0,1% dos contribuintes detém 43% da renda do 1% mais rico. O país continua com uma brutal concentração da riqueza.
Arminio : É impressionante. Mas no mundo inteiro há essa discussão hoje do top 1%, do top 0,1%. Nos países que participam mais da economia mundial, que não é o nosso caso, quem consegue inventar uma coisa boa vende no mundo inteiro e ganha muito. As maiores empresas do mundo por valor de mercado como a Amazon, Facebook, Microsoft, Apple, todas vendem para o mundo e isso também tende a concentrar a renda. Hoje é bem aceita toda a discussão suscitada pelo Piketty [Thomas Piketty, economista francês autor do "O Capital no século XXI"], mas sabe-se que uma parte grande dessa concentração veio pelo patrimônio imobiliário, que valorizou muito nas grandes cidades. No Brasil tem muito patrimônio adquirido por roubo. Esse é inaceitável. Tem também o patrimônio adquirido por um roubo um pouco mais sofisticado, que são os abençoados pelo Estado, que sempre tinham no Brasil e em outras partes do mundo também uma relação carnal, como diriam os argentinos, com o Estado, com os governos.
Valor: E tem o sistema tributário perverso, não?
Arminio : O Brasil tem ainda distorções enormes no sistema tributário. A renda do capital é pouco tributada. Hoje os mais ricos se beneficiam de uma alíquota relativamente baixa e, especialmente, de um diferimento quase que eterno através de fundos fechados. Uma ideia é que, se isso fosse mantido, o que é questionável, pelo menos deveria existir algo como uma 'conta de investimento' para os mais pobres terem o mesmo benefício.
Valor: O que mais?
Arminio : A terceirização é uma ideia excelente, deveria ser totalmente livre. Mas não deveria ser motivada por economia tributária e sim por questões de eficiência. Hoje no Brasil não é assim. Por exemplo, a chamada 'pejotização' me parece uma loucura. Tem muita gente que ganha muito bem e paga pouquíssimo imposto criando uma pessoa jurídica praticamente individual e se beneficiando do Simples ou do lucro presumido. Isso está totalmente errado! Tem ainda o MEI (Micro Empreendedor Individual), uma " pejotização" simplificada para os de renda mais baixa. Essa é uma área também carente de discussão. A tributação por grandes setores no Brasil também é bastante desigual. A indústria paga muito mais do que os serviços, não tem sentido. Que esquerda é essa que estava na cama com o empresariado e que patrocina essa estrutura tributária?
Valor: Se não há visibilidade, como fica o crescimento?
Arminio : Vamos separar o cíclico do mais estrutural. Há grande espaço para a recuperação cíclica.
Valor: Mas sem gerar emprego?
Arminio : Pode gerar, deveria gerar sim, algo natural após uma queda de 10% no PIB, com desemprego a 13%. Agora, uma vez que saia da recessão, quanto consegue crescer? Sempre acreditei que o Brasil, mesmo com as questões demográficas tendo mais e mais peso, deveria ser capaz de crescer uns 4% ao ano sem muita dificuldade, arrumando a casa. Talvez mais.
Valor: Esse é o PIB potencial?
Arminio : É um PIB potencial com reformas. Tem espaço enorme para melhorar. É a coisa do copo cheio e o copo vazio. Sou tipicamente dos que olham o copo cheio. Vejo um problema fiscal gigante, que está sendo resolvido aos poucos - ou seja, o governo optou por um ajuste gradualista, defasado no tempo, que é enorme. Isso precisa acontecer. Mas tem todo um outro lado, de arrumar a economia para mobilizar capital, aumentar a produtividade, que é uma festa. Dá para fazer muita coisa boa. Algumas estão na mesa.
Valor: O sr. refere às reformas?
Arminio : Sim. A reforma trabalhista, o setor de petróleo que evoluiu bem, infraestrutura, marco regulatório para mobilizar capital privado. E tem gente falando já em alguns aspectos importantes da reforma tributária - começar pelo PIS/Cofins, depois ir pro ICMS, que também é ótima ideia. Aliás, se juntarmos a infraestrutura e a reforma da tributação indireta, você tem as peças para o Brasil pôr em curso um enorme programa de se integrar a si próprio. É um tema de que eu já falava em 2014, mas que nem por isso deixou de ser importante. Seria uma fronteira de crescimento fantástica, provavelmente tão importante quanto integrar o Brasil ao resto do mundo.
Valor: O sr. falava nas duas recuperações, a cíclica e a mais estrutural. A cíclica pode ser a ponte para 2019, para um novo governo?
Arminio : A cíclica traria um certo alívio. É a ponte para amenizar o que é uma situação desesperadora para um número enorme de pessoas. É bom a gente não se esquecer que não só são aqueles que estão desempregados e suas famílias, mas os que estão com medo de perder o emprego também.
Valor: Na sua opinião, se a sucessão for resolvida por um governo de centro, abre-se uma avenida de possibilidades, é isso?
Arminio : Abre, para um governo reformista, competente e disciplinado. Aí pode ser o início de um longo ciclo. Mas o quadro geral é muito frágil. Mesmo tudo dando certo o país vai estar com uma dívida [pública bruta] acima de 80% do PIB, talvez 90%. A corda foi esticada ao extremo no Brasil. Ao extremo. Mas, enfim, o país ia para o abismo a galope, parou e virou. Pelo menos agora está olhando na direção certa.
Valor: Ter o investimento como motor da retomada do crescimento de maneira estrutural, isso só depois da sucessão presidencial?
Arminio : É isso. Uma parte da recuperação cíclica induz o investimento. Mas para a taxa de investimento pular para 22% do PIB e ser de melhor qualidade, seria um esforço maior que não ocorre há muito tempo. Em qualidade, nunca ocorreu.
Valor: A macroeconomia está no caminho certo? Inflação em queda e juros caindo na velocidade correta?
Arminio : Estamos no caminho certo, mas lento. Tenho dito isso publicamente: teria sido melhor um ajuste fiscal mais forte na cabeça. Daria mais espaço ainda para o Banco Central [cortar os juros]. O BC eu acho que está ótimo, está fazendo o trabalho dele.
Valor: A inflação está domada?
Arminio : A inflação está bem. Pudera, com uma recessão dessas.
Valor: O sr. não parece pessimista.
Arminio : Não estou. Estou preocupado. Se quem entrar em 2018 vier com ideias tortas, vai arrebentar tudo. E vai se arrebentar também.
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