segunda-feira, 24 de julho de 2017

Populismo à espreita | Luis Eduardo Assis

- O Estado de S. Paulo

O que ronda o País rejeita a classe política, crê no poder ilimitado do Estado e acusa os outros por suas mazelas

É preciso ver o Brasil com as lentes do Dr. Pangloss para acreditar que o debate eleitoral em 2018 não será caracterizado pela retórica populista. O texto de referência sobre o populismo econômico continua sendo o livro organizado por R. Dornbush e S. Edwards (The Macroeconomics of Populism in Latin America, 1991), para o qual o atual presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, contribuiu com um capítulo particularmente interessante (60 Years of Populism in Brazil). Na época, indagava-se por que as economias latinoamericanas repetiam ciclos que começavam com a expansão fiscal e terminavam com a desvalorização cambial e hiperinflação. As coisas mudaram muito desde então. Mas não há dúvida de que o populismo está em voga novamente, e não só na América Latina. Artigo recente do analista de investimentos Ray Dalio (Populism: The Phenomenon, Bridgewater, março de 2017) propõe um índice para medir o populismo e conclui que a adesão a este ideário é hoje a mais alta desde o tempo de Mussolini, Hitler e Franco. O economista Dani Rodrik também revisitou o tema recentemente (Populism and the Economics of Globalization, NBER, junho de 2017) e defende a tese de que o irrompimento do populismo, na sua versão corrente, tem a ver com as consequências da redução das barreiras ao comércio internacional e à livre movimentação de capitais.

É difícil dizer que o Brasil faça parte da mesma onda populista que vemos hoje na Europa e nos Estados Unidos. Mas, em comum com os casos clássicos, o populismo que nos ronda tem rejeição à classe política, o apego a soluções fáceis, a crença no poder ilimitado do Estado e o viés de atribuir aos outros a causa de nossas mazelas. O fato é que os elementos para um discurso populista em 2018 estão colocados. Arrastamo-nos para sair, tropegamente, da pior recessão de que se tem notícia. É certo que o desemprego ainda será alto em 2018. O governo tem como meta fiscal o maior déficit primário de todos os tempos – e ainda assim enfrenta dificuldades para não superar o número anunciado. Se há pelo menos o alento de que a recessão ajudou a derrubar o IPCA, o mesmo não pode ser dito sobre o ajuste fiscal. A relação dívida/PIB vai continuar subindo e pode bater em 80% no final do próximo ano. A recessão reduz a arrecadação de impostos, o que induz o governo a sucessivos cortes de despesas, deteriorando ainda mais a qualidade dos serviços públicos.

Como tratar deste tema na campanha eleitoral? Propondo o fim dos subsídios e desonerações? Ou o aumento de impostos, já que a carga tributária vem caindo desde 2012? Discutindo a desvinculação das aposentadorias do salário mínimo, uma vez que não será possível fazer mais do que uma corruptela da reforma da Previdência? Deixando claro que o ajuste vai exigir novos sacrifícios? Explicando que só o combate à corrupção e à ineficiência não resolve o déficit fiscal? Vamos convir que é diminuta a chance de êxito de um candidato que prometa sangue, suor e lágrimas, justamente quando os eleitores acreditam que já deram tudo isso e esperam pela recompensa. Mais tentador é enveredar por outra seara. Por que não ressuscitar a discussão sobre o “caráter financeiro” da dívida pública e tabelar os juros? Quem sabe uma auditoria da dívida interna? Por que não expandir os gastos públicos para sair da recessão, já que, se houver crescimento, a arrecadação também aumenta? Por que quimioterapia, se podemos usar florais de Bach?

No livro de Voltaire, Dr. Pangloss justificava seu otimismo patológico dizendo que sempre estamos, por definição, no melhor entre todos os mundos possíveis. Ser otimista hoje significa confiar na sabedoria do eleitor brasileiro e acreditar que ele rejeitará falsas soluções, ainda que a alternativa seja mais difícil e custosa. Este seria o melhor dos mundos. Mas há outros possíveis.

------------------
Economista. Foi diretor de política monetária do Banco Central e professor da PUC-SP e FGV-SP.

Nenhum comentário: