- Valor Econômico
Hoje não é possível a construção de um cenário realista para um eventual segundo turno nas eleições presidenciais
Finalmente o governo Temer jogou a toalha e desistiu de aprovar a tão esperada reforma da previdência social neste ano de 2017. Visto como uma derrota importante pela maioria dos analistas, os mercados financeiros penalizaram os ativos brasileiros, principalmente o índice Bovespa, a cotação do real e os juros futuros mais longos. Já os pessimistas de plantão, que estavam refazendo suas projeções em função da recuperação da economia, ganharam fôlego novo em suas advertências sobre o futuro de nosso país.
E como ficam os otimistas que, como eu, apostam no sucesso da política reformista de nosso presidente depois da aprovação da reforma trabalhista, do ensino médio e das novas regras para a exploração do petróleo, além de outras também relevantes? Jogar a toalha também ou manter uma visão positiva sobre os próximos anos?
Como sempre faço nestes momentos de incertezas profundas, começo por uma revisão realista dos fatos. Realmente o atraso na aprovação de novas regras da previdência tem um efeito negativo sobre o futuro da economia brasileira. Sem ela, as dificuldades que esperam o próximo presidente da República serão bem maiores do que se tivéssemos as novas regras já em vigor a partir de 2018. Não tanto pelo aspecto meramente temporal deste atraso, mas sim porque se tomasse posse com a questão da previdência encaminhada poderia gastar sua energia política em outros temas da tão necessária reforma do estado brasileiro. Aliás este é o grande desafio estrutural que temos pela frente, junto com as reformas no sistema político e eleitoral.
Mas é preciso entender as razões objetivas da derrota de Temer. Foi o impacto das delações premiadas dos sócios controladores da JBS - um evento do tipo black swan - que impediu a aprovação da previdência ainda este ano. Com o enfraquecimento político do governo, em função da energia dispendida para evitar o afastamento do presidente da República, o peso da impopularidade da reforma passou a dominar o jogo na Câmara dos Deputados. Nesta nova situação, pesou muito a demora do governo em encontrar uma mensagem adequada para enfrentar a desaprovação junto à opinião pública de um tema polêmico como as novas regras da previdência.
Nos primeiros meses da batalha pelo apoio da opinião pública, a defesa do governo vinha sendo feita em termos absolutamente tecnocratas, certamente inspirada pela visão do ministro Meirelles e demais técnicos da Fazenda que centralizaram a construção dos argumentos a favor das mudanças. A mensagem era que sem as reformas propostas pelo governo, em um prazo de vinte anos, o orçamento público ficaria sem recursos para financiar gastos na saúde e na educação. Além disto, mesmo os benefícios teriam que ser reduzidos por total falta de dinheiro no orçamento. Uma mensagem muito racional e distante do dia a dia da população e de seus problemas mais imediatos, criando um espaço para a mensagem de seus opositores mais agressivos como sindicatos e associações de servidores públicos.
Somente nos últimos dois meses o governo encontrou um discurso adequado e passou a chamar a atenção da opinião pública para o caráter extremamente injusto do sistema atual de aposentadoria. De um lado uma casta formada por funcionários públicos com seus privilégios na vida ativa e na aposentadoria e do outro a grande parte da população trabalhadora que se aposenta com o limite fixado no sistema do INSS.
Os defensores da reforma deixaram de lado os argumentos técnicos e começaram a trabalhar com dados reais e que mostram as injustiças do sistema que uns poucos privilegiados querem manter. Por exemplo, começaram a ser divulgadas informações como a de que um coronel da polícia militar se aposenta aos cinquenta anos com um benefício que equivale ao de 17 professoras aposentadas. Já são visíveis hoje os primeiros sinais de que esta nova mensagem está chegando ao cidadão comum, mas ainda em grau insuficiente para mudar o comportamento dos deputados mais preocupados com as eleições do próximo ano do que com o futuro do país.
A decisão de jogar a votação da reforma para fevereiro próximo faz sentido se acreditarmos que a percepção dos brasileiros continuará mudando e em pouco tempo serão maioria os que defendem sua aprovação. Embora o prazo seja curto, a probabilidade da aprovação em fevereiro deve ser maior do que a de agora. Se isto não acontecer ficará para o próximo presidente eleito a responsabilidade de tratar da questão previdenciária. Nesta alternativa, o sucesso da reforma vai ficar dependente do perfil ideológico e político do presidente a ser eleito em outubro próximo, adicionando outro fator de incerteza real para o futuro.
Em um quadro eleitoral ainda muito fluido, a antecipação do julgamento de Lula criou um fator adicional de incerteza. Hoje não é possível a construção de um cenário realista para um eventual segundo turno nas eleições presidenciais.
Certamente teremos um período de grandes interrogações pela frente.
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Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
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