Há nuances no ensino superior gratuito, mas elas não eliminam mecanismos de privilégio
Enquanto a crise fiscal evolui e o debate sobre ela avança, centrada nos desequilíbrios da Previdência — o carro-chefe dos déficits públicos —, amplia-se a percepção do tamanho do problema que é a capacidade de o Estado brasileiro de produzir injustiças sociais e concentração de renda, sob o biombo de “políticas sociais” ou de “programas desenvolvimentistas”. Por esta perspectiva, a captura do sistema previdenciário por corporações do funcionalismo público explica parte da má distribuição de renda. E há outros responsáveis.
É gritante que os funcionários públicos aposentados estejam no extrato dos 2% mais ricos da população. Não se pode refutar, portanto, que qualquer reforma séria da Previdência tem de estabelecer como meta a equiparação das condições de aposentadoria de assalariados do setor privado e servidores públicos, ficando a complementação de renda na dependência dos investimentos de cada um em fundos de pensão privados sob o regime de contribuição definida.
Em um país historicamente de castas e corporações, esquemas de privilégios se espalham pela sociedade. Como no ensino superior gratuito, público. A gratuidade esconde mecanismos perversos de concentração de renda: alunos de famílias de renda mais alta, que estudaram em escolas particulares, de ensino de melhor qualidade, tendem a ocupar um número maior de vagas na universidade pública — que poderiam pagar — do que alunos de renda mais baixa, menos qualificados. Enquanto isso, alunos de renda mais baixa que não conseguem entrar na faculdade pública se esforçam para pagar mensalidade em estabelecimentos privados, de ensino de pior qualidade. No mercado de trabalho, receberão salários mais baixos. Fecha-se o círculo da desigualdade
A crítica é antiga e foi repetida no estudo “Um ajuste justo”, do Banco Mundial, feito sob encomenda da ainda presidente Dilma Rousseff. Duras críticas caíram sobre o estudo. Há de fato argumentos sustentados em pesquisas que indicam não haver grandes diferenças de renda entre alunos da rede privada e da rede pública. Mas a depender do curso.
Faculdades menos “nobres” têm estudantes de renda mais baixa, enquanto escolas de engenharia, medicina e outras do mesmo naipe congregariam alunos de família de renda mais elevada. Portanto, em condições de pagar mensalidades. Mas seus estudos são pagos pelo contribuinte, inclusive os pobres.
Alega-se que programas como Fies e cotas permitem que alunos de extrato social mais baixo consigam entrar em universidades públicas qualificadas. Ótimo, mas a crise fiscal brasileira atinge a todas. A Uerj é o caso mais grave porque o Rio está ligado a aparelhos na UTI há algum tempo. Mas a USP, a maior universidade brasileira, de ensino qualificado em diversas áreas, tem o orçamento estourado devido aos salários e custeio em geral.
Há uma discussão a se travar sobre a responsabilidade administrativa da Universidade pública. Mas é irrefutável que a cobrança do aluno que pode pagar chega a ser um imprescindível exercício de cidadania.
Nenhum comentário:
Postar um comentário