Com contas públicas desordenadas, déficit em conta corrente e baixas reservas, a Argentina sofre em busca do equilíbrio. Desde abril, o peso perdeu um quarto de seu valor e o governo acertou às pressas um programa stand by com o Fundo Monetário Internacional, que lhe dará o direito de sacar, em etapas, US$ 50 bilhões. A primeira parcela, de US$ 7,5 bilhões, deve ser aprovada hoje em reunião do board do Fundo e será o primeiro anteparo para o peso, que tem oscilado muito, em geral com viés de baixa.
O presidente Mauricio Macri trocou o presidente do Banco Central, Federico Sturzenegger e em seu lugar colocou Luis Caputo, que ocupava o ministério das Finanças. Caputo lançou na segunda-feira uma primeira bateria de ações para conter a alta do dólar, com relativo sucesso. A moeda se valorizou 2,2% no dia, mas a bolsa derreteu, com queda superior a 8%. O novo presidente do BC atacou em duas frentes. Numa, angariou US$ 700 milhões ao reduzir o limite da exposição líquida dos bancos em moeda estrangeira de 10% para 5%. Depois fez leilão de dólares (US$ 400 milhões) após o fechamento do mercado, para repor o desencaixe dos bancos ao longo do dia - eles compraram um pouco mais da metade, apenas.
Na segunda frente, Caputo buscou cortar o suprimento da moeda local para compra de dólares, ao elevar em 5 pontos percentuais (3 pontos de imediato) os depósitos compulsórios e ao mesmo tempo encontrar mercado cativo para nova emissão de títulos, ao explicitar que o aumento dos encaixes poderão ser cumpridos com esses títulos.
Se havia alguma dúvida de que a Argentina fora precipitada ao buscar logo o socorro do FMI, ela não existe mais. Mesmo o respaldo do Fundo ainda não deu paz ao peso. As medidas contidas na carta de intenção provocarão forte freada na economia, já abalada pela maxidesvalorização. A Argentina havia projetado para o Fundo, no fim de 2017, que cresceria 2,5% em 2018. Agora, estima algo entre 0,4% e 1,4% interanual.
O gradualismo da política econômica foi abandonado, a ponto de Macri reconhecer que agora ela será "um pouco menos gradual". Nas consultas do artigo IV com o FMI, em novembro de 2017, o governo apontou que continuaria com déficits primários até 2022, nunca inferiores a 4,5% do PIB. Pelo que foi acertado agora, o déficit terá de baixar rapidamente e ser zerado em 2020. A meta é reduzir a relação dívida pública-PIB a 55,8% por vários meios, entre eles o alongamento de prazo dos títulos públicos, cuja fatia em pesos terá de ser substancialmente ampliada.
O governo argentino obteve certa flexibilidade do FMI em dois pontos. A inflação prevista para o ano será de 27%, mas poderá, sem descumprir o acordo, atingir 32%. Depois terá de descer até 2021 para 17%, 13% e 9%. Mais importante, o FMI e a Argentina concordaram que, se os índices de pobreza se elevarem durante a execução do ajuste, os gastos sociais, que não serão cortados, poderão até aumentar. Há realismo político e um aprendizado de história nesse ponto. A imagem do FMI foi demonizada com o programa de 2001-2002, que, ao lado dos desequilíbrios internos do país, provocaram o caos social e a fuga do presidente eleito Fernando De La Rúa.
Para o governo Macri, interessa correr contra o tempo porque em 2019 tentará a reeleição. Sem maioria no Congresso, o ajuste, com aperto de gastos e mais aumento de tarifas públicas, e uma eventual estagnação econômica poderão ser fatais para seus planos. O ambiente externo também joga contra Macri e possivelmente não dará alívio - a tendência do dólar é claramente para cima. Não há muita ajuda a contar com a modorrenta recuperação do vizinho Brasil.
Um dos gargalos estruturais da Argentina é a baixíssima confiança na estabilidade da moeda e a prolongada preferência dos poupadores pelo dólar, que dispara a qualquer sinal de desequilíbrio macroeconônico - no caso argentino, a inflação parece ser sempre o primeiro alarme. Mauricio Macri fez progressos em relação ao governo dos Kirchners, é menos intervencionista e mais aberto para o mundo. A Argentina tem baixa competitividade, exceto na exportação de commodities, sua grande riqueza. Com déficit em conta corrente alto (5% do PIB), precisaria ter uma sólida reputação junto aos investidores para obter parte das divisas que a performance comercial não lhe traz. Mas o país tem sido um modelo de políticas fracassadas. O apoio do FMI é uma vantagem importante para Macri, mas, a julgar pelo passado, tampouco é garantia de sucesso.
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