O governo americano escolheu um caminho que é um tiro no seu próprio pé. Se ele fosse o único a se ferir, não haveria problema. Mas sempre que há uma guerra comercial todos perdem. Para o Brasil, o confronto entre Estados Unidos e China significa a briga entre os nossos dois maiores parceiros. O protecionismo quando se generaliza reduz o crescimento mundial e espalha prejuízos.
A Casa Branca disse que na opinião do presidente Donald Trump a China tem mais a perder e que serão os chineses que piscarão primeiro. É assim, com essa superficialidade, que Trump vê a intrincada questão comercial. A escalada foi rápida. Na sexta-feira passada o escritório comercial da Casa Branca anunciou que seriam impostas tarifas sobre exportações chinesas no valor de US$ 50 bilhões. Como os chineses disseram que iriam retaliar, a ameaça agora é de atingir US$ 450 bilhões. Em situações como essa, os investidores fogem de ativos de risco e compram ouro e moedas como o dólar e a libra esterlina, considerados reservas de valor. Para o Brasil, a situação é ainda mais delicada porque o país está vivendo uma crise interna.
A economista Monica de Bolle, diretora do programa de Estudos Latino-Americanos e de Mercados Emergentes da SAIS/Johns Hopkins, nos EUA, chama a atenção para o fato de que o Brasil pode ser obrigado a escolher um lado na disputa. Ela lembra que o vice-presidente americano, Mike Pence, fará uma visita ao país na próxima semana e que esse assunto poderá ser abordado na pauta.
— Entre portas fechadas, o governo brasileiro poderá sofrer pressão dos americanos. Temos uma guerra comercial escalando entre os nossos dois principais parceiros — diz Monica.
José Augusto de Castro, presidente da AEB, dá a dimensão do que está acontecendo:
— Os Estados Unidos são o maior importador do mundo e a China, o maior exportador. Por aí se pode ver a dimensão da briga. Se as sobretaxas forem de fato adotadas, haverá menos comércio, menos demanda e isso derruba os preços das commodities.
Os desdobramentos podem atingir também outras áreas além do comércio e da produção. Há uma simbiose econômica entre os dois países que vem dando certo nos últimos 20 anos e que funciona da seguinte forma: os chineses têm elevado superávit comercial com os americanos, na casa de US$ 360 bilhões por ano, mas, em compensação, usam parte desses dólares para comprar títulos do Tesouro dos EUA. Com isso, o governo americano consegue financiar o seu déficit fiscal de forma mais barata porque conta com o apetite chinês pelos seus papéis. A China, explica Monica, carrega reservas de US$ 3,4 trilhões, em grande parte títulos dos EUA.
— Esse jogo vem funcionando. Se os chineses pararem de comprar os títulos, eles vão se desvalorizar, com efeitos também sobre os países emergentes. O governo brasileiro, por exemplo, tem títulos dos Estados Unidos para compor as suas reservas — disse.
Silvio Campos Neto, da Tendências Consultoria, explica que essa relação foi benéfica para americanos, chineses mas também para o resto do mundo. Os chineses conseguiram diversificar sua indústria, exportando mais produtos industrializados para os americanos. O governo dos EUA, por sua vez, conseguiu financiar o seu déficit, enquanto consumidores e indústria compraram produtos mais baratos da China. Já o resto do mundo ganhava com mais crescimento econômico, mais importações chinesas e, no caso dos emergentes, aumento do preço das commodities.
— A compra de títulos do Tesouro americano pelos chineses manteve os juros desses títulos baixos. Isso foi bom para o mundo todo. Agora, há dois riscos: de os juros subirem por uma diminuição da compra pelos chineses, mas também por aumento da inflação nos EUA, como resultado da guerra comercial. E isso vem em um contexto de crescimento acelerado nos EUA, com desemprego já baixo. Por isso o movimento de proteção do mercado financeiro — explicou.
Ontem foi um dia de baixa nos mercados do mundo inteiro, e a alta da bolsa brasileira foi considerada um ajuste técnico depois de muita queda. Nos Estados Unidos vários setores empresariais, do varejo, tecnologia e indústria, protestaram. O que está claro é que o risco ainda não está dimensionado, até porque Trump tem agido como um aprendiz.
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