- O Estado de S. Paulo, 03/02/2019
O mais importante de tudo não foi a eleição de Davi Alcolumbre. Foi a qualidade do processo.
Importa pouco constatar que o novo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), venceu a disputa com Renan Calheiros graças a uma série de golpes, pequenos truques antirregimentais e grandes apoios externos que derrubaram a aparente invencibilidade do adversário, exibida até as vésperas da eleição.
Manobras são comuns em política, mesmo em ambientes com poucos eleitores. Fazem parte do manual de políticos onde quer que seja. Por vezes são manobras sórdidas e sujas, por outras se limitam ao uso inteligente e malicioso de recursos disponíveis, seja em termos retóricos, seja valendo-se da força política propriamente dita, apoios inesperados ou arduamente conquistados. Dividir as hostes adversárias é tão importante quanto unir os próprios apoiadores. Converter inimigos de meu inimigo em amigos ajuda demais, e pode mesmo ser decisivo.
Renan perdeu porque muitas forças de ergueram contra ele. Mostrou uma fadiga de material que não parecia flagrante no meio da semana passada, quando se vangloriava de ter recebido telefonema de Bolsonaro que, na sua visão, sinalizava um apoio antecipado. O desgaste apareceu dentro do MDB, quando Simone Tebet conseguiu 5 votos contra 7 e quase conseguiu sair candidata do partido. E ficou flagrante quando o plenário do Senado decidiu que a eleição do presidente seria por voto aberto, contrariando o regimento interno da casa. Quando Toffoli, na madrugada de sábado, decidiu que o voto secreto deveria ser seguido, já era tarde demais, Renan estava na lona. Articulações palacianas (Onix Lorenzoni) somaram-se à fragilidade dos apoiadores de Renan e ao prazer de vários senadores, meio de oposição, meio governistas, de ver o outrora poderoso político alagoano pedindo água, secundado por uma senadora Katia Abreu que não se envergonhou de fazer um verdadeiro barraco no Senado.
De nada adiantou. O MDB permaneceu dividido, Alcolumbre ganhou aos poucos força magnética, cresceu a ideia de seria bom “renovar” a liderança da Casa. Ao final da tumultuada sessão, Renan jogou a toalha e Alcolumbre conseguiu os votos necessários para presidir a Casa, abraçado a Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Major Olímpio (PSL-SP), Álvaro Dias (Podemos-PR) Simone Tebet (MDN-MT), Reguffe (DF-sem partido), Coronel Ângelo (PSD-CE) e Esperidião Amin (PP-SC). Novos equilíbrios acabaram por prevalecer.
O mais importante de tudo, porém, não foi a eleição. Foi a qualidade do processo. Como se se estivesse em um circo, houve de tudo. Erros grosseiros de encaminhamento, manobras juvenis que fariam corar manipuladores de centro acadêmico, discursos patéticos, um baixo nível generalizado, fraudes nas urnas, roubos de pastas com documentos, em meio a um plenário atarantado e barulhento, que seguia os ventos do poder externo e a conversa mole da “nova política” que pareceu se manifestar tão-somente pelas alocuções das redes sociais. Tudo lá dentro era velho, cheirava a naftalina.
Agora foi dada a partida, o jogo começou para valer. Se permanecer o padrão do Senado, dias complicados virão pela frente. Os senadores poderão, claro, melhorar a performance, por a mão na consciência e descobrir onde foi que erraram e o que podem fazer para que se recupere a grandiosidade institucional do Senado. Podem, para começar, se organizar melhor, formar bancadas inteligentes, escolher coordenadores experimentados e com capacidade de articulação, agregação e definição de rumos.
É de se duvidar que algo assim ocorra de imediato. Pode ser que jamais ocorra. O cenário descortinado sexta e sábado não respalda expectativas otimistas. Há uma falta gritante de vida democrática inteligente, as lideranças mais calejadas hibernaram, as novas ainda não se apresentaram, a situação é um amontoado de gente e na oposição falta praticamente tudo.
Mas a política tem parte de sua beleza na capacidade de surpreender e no momento resta esperar para ver se alguma surpresa nos reservarão os próximos dias.
*Marco Aurélio Nogueira, professor titular de teoria política da Unesp
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