- Valor Econômico
Mercado de trabalho fraco prejudica o consumo das famílias
A fraqueza recente da atividade econômica preocupa, contrastando com o comportamento positivo dos ativos brasileiros, em especial na bolsa de valores e no mercado de juros. Embora a recuperação cíclica siga em curso, o ritmo não é nada animador, como ficou evidente nos resultados decepcionantes do mercado de trabalho e da produção industrial divulgados na semana passada.
Para que a retomada capenga enfim ganhe tração, será decisiva a aprovação neste ano de uma reforma da Previdência que não seja suave demais. É a principal medida para reduzir as incertezas sobre a situação das contas públicas - ainda que não a única -, um ponto fundamental para dar mais segurança para os empresários aumentarem investimentos e para o Banco Central (BC) promover eventuais cortes adicionais dos juros.
Do ponto de vista da demanda, resta apenas o investimento para fazer a economia avançar com mais força, segundo o economista Marcelo Gazzano, da A.C. Pastore & Associados. "Uma aceleração na recuperação somente poderá ocorrer na parte final do ano, impulsionada pelo eventual aumento na formação bruta de capital fixo [FBCF, medida do que se investe em máquinas e equipamentos, construção civil e inovação] decorrente da remoção de riscos permitida pela aprovação de uma reforma da Previdência robusta, que torne mais claro o quadro de consolidação fiscal", aponta relatório da consultoria do ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore. A valorização expressiva da bolsa e a queda dos juros futuros ocorridas nos últimos meses "indicam a expectativa de sucesso do governo" na aprovação das medidas necessárias para o ajuste das contas públicas, o que "removeria incertezas que são uma das causas da baixa taxa de investimentos em capital fixo", segundo a A.C. Pastore.
O quadro para os outros componentes da demanda é desfavorável, na avaliação da consultoria. "Com o crescimento mundial em desaceleração, não há como contarmos com o impulso vindo de um aumento sensível de exportações", diz o relatório, acrescentando que "a isso se soma o efeito contracionista vindo do esforço de consolidação fiscal". O cenário tampouco é positivo para o consumo das famílias, o principal componente do Produto Interno Bruto (PIB) pelo lado da demanda. O problema aí é a fraqueza do mercado de trabalho, aponta Gazzano.
Nos cálculos da A.C. Pastore, a taxa de desemprego terminou o ano passado em 12,4% na série com ajuste sazonal, uma alta em relação aos 12,2% do mês anterior. A situação fica ainda mais dramática quando se adicionam a esse grupo os desalentados (que não procuram trabalho, mas gostariam de trabalhar ou estariam dispostos a isso) e os subocupados (aqueles que trabalham menos de 40 horas por semana, mas poderiam fazer jornadas maiores): nesse caso, a taxa ficou em 22,3% nos três meses encerrados em dezembro, 0,4 ponto percentual a mais do que no fim de 2017.
O relatório destaca ainda que em 2018 "o número de ocupados aumentou em quase 1 milhão", mas notando que esse movimento se deveu à expansão de vagas por conta própria e sem carteira assinada, empregos de pior qualidade. Para completar, isso ocorreu "em grande medida graças a um forte aumento da ocupação nessas duas categorias de trabalhadores concentrada apenas no terceiro trimestre de 2018". Não por acaso, a A.C. Pastore projeta um crescimento de apenas 2,1% do consumo das famílias em 2019, pouco acima do 1,9% projetado para 2018.
Também chama a atenção o fraco desempenho da indústria. No quarto trimestre, a produção industrial caiu 1,3% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal. No acumulado de 2018, o volume produzido pela indústria cresceu apenas 1,1%. Segundo a A. C. Pastore, a produção de veículos, incluindo aí partes e peças de automóveis, foi responsável por cerca de 75% do crescimento da indústria no ano, um aumento muito concentrado num segmento. A recessão na Argentina, contudo, "piorou o comportamento da produção de automóveis" ao longo do ano, com reflexos negativos sobre a produção industrial. A A.C. Pastore também enfatiza o mau desempenho da fabricação de bens de capital no quarto trimestre - houve queda de 3,1% na comparação com o trimestre anterior. Nesse quadro, a estimativa da consultoria é de que a formação bruta de capital fixo tenha caído 4% nos últimos três meses de 2018.
Gazzano trabalha com uma estimativa preliminar de crescimento de 0,2% para o PIB no quarto trimestre de 2018 em relação ao trimestre anterior. Para 2018, a consultoria projeta uma expansão da economia de 1,2% e, para 2019, de 2,4%. "Mas devemos revisar o número de 2019 para baixo, mais perto de 2%", diz Gazzano. Para o investimento, ele vê um avanço de 4% no ano passado e de 5% neste ano.
Por tudo isso, a A.C. Pastore traça um quadro cauteloso para a atividade. A aceleração da retomada cíclica terá que ficar a cargo da formação bruta de capital fixo, por falta de outros motores pelo lado da demanda. E, para que isso ocorra, o ajuste fiscal é fundamental para reduzir a incerteza, o que ajudaria a elevar os investimentos, diz Gazzano. Nesse front, "a reforma da Previdência é protagonista", ressalta ele. O economista lembra, contudo, dos limites para o crescimento da formação bruta de capital fixo. No curto prazo, há a própria ociosidade existente na indústria, que obviamente reduz a necessidade de as empresas investirem na ampliação da capacidade produtiva neste momento.
Num quadro de recuperação lenta da atividade, a A.C. Pastore vê espaço para uma eventual redução dos juros na segunda metade do ano, mas desde que o país tenha avançado "na consolidação fiscal, com a aprovação da reforma da Previdência removendo os riscos". Novos cortes dos juros poderiam contribuir para acelerar a retomada cíclica.
A agenda para enfrentar o desequilíbrio das contas públicas é essencial para a economia ganhar mais fôlego e deixar para trás um longo período de crescimento raquítico. Se o governo titubear no encaminhamento da reforma da Previdência e de outras medidas fiscais, o país poderá ter mais um ano de atividade anêmica, com óbvios efeitos negativos sobre a popularidade do presidente Jair Bolsonaro.
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