- Folha de S. Paulo
O obscurantismo é, por enquanto, o movimento social mais forte
Nada de relevante vai acontecer na economia até que saibamos do ritmo da despiora. Pouco vamos saber da despiora até que se conheça o efeito do fim dos auxílios e socorros, mais de meio trilhão de reais, a partir de setembro e olhe lá.
Em si mesmas, uma despiora lentíssima ou uma recaída não provocam efeito político imediato, se algum. Por exemplo, Jair Bolsonaro se cansar de Paulo Guedes ou sua popularidade baixar aos 10%.
Não há oposição do establishment a Guedes. É improvável que militares ou pastores digam outra coisa no ouvido do seu capitão, os donos do dinheiro grosso muito menos, mesmo que o ministro dê mais foras. O Congresso está aí para entregar uma cesta básica de reformas e segurar as pontas de Guedes, a não ser em caso de revolta popular. No mais, a política segue nas sombras do eclipse do Brasil.
O fato político novo mais relevante na epidemia foi o auxílio emergencial. Evitou a derrocada final do prestígio de Bolsonaro, saques, tumultos, ruína ainda maior e lançou um debate que envolve da esquerda à extrema direita. Ideias socioeconômicas alternativas não têm apelo ou estão em quarentena. Se der certo, a renda básica será conveniente para Bolsonaro, tudo mais constante.
O fato político imediatamente mais relevante foi a ameaça de cadeia para o bolsonarismo, cortesia de processos no Supremo (fake news, comícios golpistas) e do pretérito mais do que presente dos Bolsonaros (Queiroz e milícias). A gente se cansou de usar o termo, mas isso é política judicializada. Não para por aí.
O Supremo está no centro de um embate paralelo, a reação à ameaça militar. Os generais da guarda de Bolsonaro e as próprias Forças Armadas afirmam que toleram os Poderes até certo ponto, o que é crime e assim deveria ser tratado, na Justiça e por um protesto social maciço. Mas nada.
O Supremo decidiu comer esse mingau frio e pelas beiradas, tocando os processos do bolsonarismo e lembrando ao Exército que seus generais capitaneiam a administração do morticínio da epidemia e da destruição da Amazônia.
Outro fato relevante veio também da fumaça da floresta, que provocou um estremecimento entre donos do dinheiro e Bolsonaro. A incompetência do governo e outras barbaridades até que engolem, na esperança de que o Congresso salve alguma reforma. Prejuízo e boicote mundial não dá para aceitar.
Panelaços, cartas, manifestos, frentes, tudo isso afundou na geleia lodosa que é a vida na pandemia, ainda mais em um país invertebrado politicamente. As frentes que existem são os evangélicos, os ruralistas e os reformistas.
Existe alguma política partidária além do parlamentarismo branco ora encardido de desgaste. Os políticos do centrão nem são baixo clero (somos todos baixo clero) nem meros mercadores de cargos. São candidatos a presidir a Câmara em 2021 e lideram comissões e projetos importantes. Não têm articulação com aquele país que se imaginava mais avançado, moderno ou inteligente em termos sociais e econômicos ou o que restou disso, se é que restou, se é que existia. Mas vivem lá no Brasil, por assim dizer.
Não é retórica. A política é caso de polícia e Justiça, generais nos tutelam e ameaçam. Na pandemia reafirmamos nossa presença habitual no alto dos rankings dos países mais mortíferos do mundo.
O obscurantismo é por enquanto o movimento social mais forte. Os democratas se autodestruíram. O que sobrou se limita a escrever cartas de protesto, notas de repúdio ou está quieto nas quebradas.
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