Nunca
houve na história americana um presidente que confrontasse de tal forma as
instituições, tradições e práticas democráticas. Trump não tem nenhuma
contenção na instrumentalização do poder e não reconhece legitimidade em seus
adversários e críticos. Foi apontado por estudo da Universidade de Cornell como
o maior disseminador de desinformação sobre a COVID e tornou prática cotidiana
a promoção de fakenews “chapa branca” contra adversários.
A
vitória de Biden tem dimensão histórica e universal em dois sentidos. O
primeiro é o fortalecimento da democracia nos EUA e no mundo, revertendo a onda
que se convencionou chamar de “populismo autoritário”. A postura agressiva e
antidemocrática de Trump ecoa e estimula a radicalização de setores de
extrema-direita em escala global. A eleição de Biden vai permitir que ele se
alinhe a estadistas como Angela Merkel e Emmanuel Macron na defesa dos
fundamentos do sistema democrático, do valor da tolerância e do diálogo, e do
compromisso com a liberdade em todas as suas facetas. O segundo sentido é, em
substituição ao unilateralismo do “América first”, a retomada do
multilateralismo e a valorização da integração global para o enfrentamento
conjunto dos desafios sociais, econômicos, sanitários, ambientais, militares e
de combate ao terrorismo. Acordos, como o de Paris em favor do desenvolvimento
sustentável, serão revalorizados e organismos multilaterais receberão o
prestígio que merecem.
Aqui
no Brasil temos muito a aprender e mudar. Dissolver o clima de contaminação
ideológica das teorias da conspiração reinantes. Não há plano macabro e secreto
da China de implantar o comunismo em escala global através da vacina, do 5G, ou
seja lá do que for. Não há uma armação diabólica e um fio condutor ligando a
nova constituição do Chile, a vitória da esquerda na Bolívia, o moribundo
governo Maduro e o fracasso peronista na Argentina. É preciso urgentemente
recuperar as melhores tradições diplomáticas brasileiras que sempre advogaram
uma postura independente, profissionalizada, pragmática e sem alinhamentos
automáticos. Não deveríamos ter saído da ideologização introduzida pelo petismo
de um “terceiro-mundismo equivocado” para o extremo oposto de um alinhamento político
e ideológico absoluto e sem resultados com Donald Trump.
Por
último, o processo eleitoral jogou luzes sobre aspectos em que o Brasil está
muito melhor que os EUA. Isto é uma verdadeira vacina contra o nosso suposto
“complexo de vira-lata” ou de “pária internacional”. Temos um sistema público
de saúde (SUS) mais bem resolvido que o americano, apesar de nosso investimento
público por habitante ao ano ser nove vezes menor do que nos EUA (US$ 500
dólares aqui e US$ 4.500 lá). E, sem dúvida, o nosso sistema de eleição do presidente
da República e de apuração é muito superior.
*Marcus
Pestana, ex-deputado federal (PSDB- MG)
Nenhum comentário:
Postar um comentário