A
decisão das três redes de televisão abertas dos Estados Unidos - ABC, CBS e NBC
- de tirar do ar o pronunciamento do presidente Donald Trump na Casa Branca
acusando a apuração da eleição presidencial de fraudulenta sem apresentar a
menor prova foi drástica, mas com certeza já havia sido combinada entre as
redes para o caso de uma declaração estapafúrdia colocar em risco a
credibilidade da eleição. Aconteceu quando o presidente já era um “pato manco”,
como se define um político em fim de mandato.
A
drástica decisão tem uma explicação: o presidente Trump estava colocando em
risco a segurança nacional e a dos cidadãos, ao dizer que estava sendo roubado,
incentivando protestos de seus eleitores. O temor de vandalismo que levou
diversas cidades dos Estados Unidos a proteger suas lojas e casas com tapumes,
inclusive Washington com a Casa Branca, numa triste imagem espalhada pelo
mundo, motivou a atitude das redes de televisão, assumindo um papel delicado, o
de censurar a palavra de um presidente da República em pronunciamento oficial
na Casa Branca.
Há
uma série de erros a partir daí, a começar pelo fato de que Trump não poderia
usar a Casa Branca para fazer proselitismo político em meio à apuração da
eleição. Foi uma atitude clara de pressão sobre os estados em que perdia, além
de passar adiante boatos e rumores que ganham ares de verdade saindo da boca do
presidente da República.
Trump
mentiu, como sempre, no pronunciamento que provocou a decisão polêmica das redes
de televisão. Mas sempre foi assim, e a imprensa nunca tomou uma decisão tão
definitiva como essa. Eu prefiro uma posição mais razoável, como a CNN
Internacional ou a Fox fizeram: deixá-lo mentir, e, em seguida, denunciar a
mentira. Mentira tem perna curta.
Não
cabe aos meios de comunicação censurar o presidente da República, por mais
baixo e vulgar que ele seja. No caso em questão, seria impossível não
transmitir, pois, embora desconfiassem qual seria sua posição, nem os
jornalistas nem os políticos tinham certeza de quão longe ele iria.
Aqui
no Brasil, pôde-se tomar a decisão de parar de acompanhar as falas do
presidente Bolsonaro na porta do Palácio do Planalto pelas manhãs porque ele
assumiu uma atitude de menosprezo pelo trabalho dos jornalistas, jogando-os
contra seus seguidores mais fanáticos que ali compareciam para pedir favores ou
simplesmente tirar uma foto com ele. Bolsonaro segregou os jornalistas em um
curral, e incentivava seus seguidores a criticá-los, o que deixou de ser um
acompanhamento da atividade do presidente para se transformar em um circo
político contra o jornalismo independente. Além do mais, não eram
pronunciamentos oficiais, mas conversas informais com seus seguidores.
Os
EUA não têm tribunais regionais, nem um tribunal superior para lidar com as
questões das campanhas eleitorais, e mais uma vez os fatos demonstram que é
melhor tê-los. O que parecia um exagero de nosso sistema judicial mostrou-se
muito útil, sobretudo em situações como a que a apuração da corrida
presidencial nos Estados Unidos chegou.
Como
não há um órgão centralizador para organizar os recursos eleitorais, cada
estado terá que lidar de maneira diferente com os recursos de Donald Trump em
seu próprio sistema judicial. E cada estado tem legislação diferente sobre a
eleição e seus desdobramentos. Depois de 2000, alguns estados decidiram
recontar os votos automaticamente se a diferença for de menos de 1%. Outros
recontam se a diferença for de 0,5%. Outros só recontam se a Justiça mandar.
Os
recursos são encaminhados à justiça de primeira instância, e alguns podem subir
até a Suprema Corte, dependendo da situação. Por isso, ainda vai demorar alguns
dias para Joe Biden ser anunciado oficialmente como presidente dos Estados
Unidos. A pressão sobre Trump já está muito grande, por parte de assessores
mais corajosos e de políticos republicanos.
Tentam
convencê-lo de que o Partido Republicano teve uma eleição vitoriosa, podendo
manter a maioria do Senado e aumentando o número de votos, tudo isso devido à
sua liderança política. O próprio Trump recebeu mais votos que Barack Obama
quando foi eleito, aumentando sua votação em relação a 2016.
Mas,
em vez de sair como um grande líder político e preparar o partido para retomar
o poder em 2024, Trump pode perder força política interna depois das atitudes e
declarações irresponsáveis, que andaram incomodando no interior do partido
Republicano, embora mantenha a força popular.
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