Reduzir
a polarização será o desafio maior de Biden
Trump
deixa como legado de sua insanidade ególatra não apenas um rastro de milhares
de vidas negligentemente perdidas, mas também uma forte polarização política,
que esgarça o tecido democrático. Ao demandar a interrupção
da contagem de votos na Filadélfia, berço da Constituição americana,
deu mais uma amostra do desrespeito que dispensou às instituições democráticas
ao longo de seu governo. Confirmada sua derrota, o desafio será reconstruir a
confiança na democracia, contra a qual ele intensamente conspirou.
Todo
regime democrático é vulnerável a ciclos populistas. Quando as democracias não
cumprem suas promessas de promover o bem-estar, a segurança, os direitos e o
progresso para a maioria da população, ou de assegurar transparência,
efetividade e controle da corrupção na gestão da coisa pública, ficam
vulneráveis a líderes populistas que se apresentam como representantes
autênticos e exclusivos do povo.
Nesse
momento, autoritários, como Trump, abusam das franquias constitucionais para se
assenhorar do poder e utilizá-lo em seu próprio proveito. Na quarta-feira (4),
Trump tentou chutar a escada para se manter ilegitimamente na Casa Branca. Mas
como destacou Paulo Sotero, um dos mais argutos observadores da cena política
norte-americana, foram os eleitores majoritariamente negros de Detroit e
Filadélfia, classificados por Trump como corruptos, que lhe puseram no devido
lugar.
Embora
a derrota de Trump não encerre a ameaça populista na América ou ao redor do
mundo, ela interrompe o processo de erosão da mais antiga democracia liberal do
planeta. Assim como na Itália, a democracia americana foi capaz de se proteger
a tempo. Como aprendemos com os casos da Hungria, da Polônia ou
da Turquia, o tempo tem sido um aliado implacável do populismo autoritário no
processo de erosão da democracia e do Estado de Direito.
As
barreiras estabelecidas pela Constituição, pelas instituições de ampliação da
lei, assim como pela sociedade civil e meios de comunicação, vão sendo
paulatinamente solapados à medida que o tempo passa, ficando os maiores abusos
reservados para o segundo mandato.
Embora até o presente momento o sistema político e institucional armado pela
Constituição de 1988, por intermédio do Supremo e do Parlamento, venha sendo
capaz de conter um processo mais agudo de regressão democrática, a oposição não
tem se demonstrado imbuída da disposição de montar uma frente ampla para
enfrentar Bolsonaro, como fez o Partido Democrata.
Menos
ainda capaz de oferecer um projeto inclusivo e sustentável de prosperidade ao
país. Por muito pouco os americanos não embarcaram num segundo mandato de Trump,
com efeitos catastróficos para sua democracia. No Brasil também não podemos
correr esse risco.
*Oscar Vilhena Vieira, professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.
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