Radicalismo solidário não é o bastante
Boulos trouxe uma cara nova para a esquerda, mas não apresentou ideias novas da esquerda. Trouxe o radicalismo solidário, decente e justo de não aceitar um sem-teto em frente a edifício sem morador, mas não defendeu reformas necessárias para fechar a fábrica de sem-teto que caracteriza a estrutura social brasileira. Ele aproximou a esquerda dos sem-teto, mas não dos sem-futuro: uma utopia para o Brasil, a ser construída sobre bases sustentáveis. Ele ressuscitou a solidariedade que a direita nunca teve nem terá, e a esquerda eleitoreira e sindical perdeu; mas passou a ideias que foram soterradas pela evolução da realidade. A impressão é que a esquerda não percebeu que o Muro de Berlim caiu, e a direita não aceita que a Lei Áurea foi proclamada.
Não
percebemos que o Estado se esgotou financeira, ética e gerencialmente. Seu
gigantismo se fez ineficiente e atende mais aos interesses da própria máquina
do que aos da população. Não aceitamos que estatal não é sinônimo de público,
ainda menos de popular. Não vimos que para servir melhor aos interesses do povo
é preciso considerar a inversão na pirâmide etária e a velocidade do avanço
técnico, que a realidade exige reformas econômicas.
Não entendemos que a globalização, não é uma invenção do capitalismo, mas uma marcha da civilização industrial, e que o papel do progressista é tirar proveito dela para todos.
Não
percebemos que a política não se faz mais por partidos em polarizações nítidas,
mas por meios complexos com divergências e convergências, dezenas de agentes
nem sempre organizados. Ainda não entendemos que inflação é uma forma de
corrupção que rouba o salário do trabalhador; e que por isto a estabilidade
monetária é do interesse do povo, especialmente dos pobres. Não percebemos que
além do trabalho e do capital, a Confiança dos investidores e consumidores
também é um fator para o bom funcionamento da economia.
Ainda
não queremos entender que os limites ecológicos ao crescimento exigem mais do
que proteger a natureza, exigem substituir o PIB por novos indicadores de
progresso.
Sobretudo,
não entendemos que educação é o vetor do progresso, tanto econômico quanto
social. Por isto não radicalizamos na defesa de que as escolas dos pobres devem
ter a mesma qualidade que as escolas dos ricos Não apresentamos como se faria
isto, em quanto tempo, quanto custaria e quem pagaria.
O
problema da direita é seu reacionarismo, social, insensibilidade e opção pelos
ricos, sem desejar um país integrado socialmente; o da esquerda é a opção pelos
sindicatos, não pelo povo, e sua prisão ao presente eleitoral e a ideias
progressistas em um mundo passado. Por isto, conseguimos cara nova para
radicalismo solidário mas não radicalismo reformista para construir utopias
novas. Queremos corretamente atender aos sem-teto, no presente, mas não
propomos um Brasil futuro sem sem-teto. Não temos tido ousadia de olhar para o
futuro, nem defender as ideias que ele exige. A direita não aceita plenamente a
abolição da escravidão, a esquerda nega a queda do muro de Berlim.
*Cristovam
Buarque, professor emérito da Universidade de Brasília
Nenhum comentário:
Postar um comentário