Por Edoardo
Ghirotto, Juliana Castro | Revista Veja
Como
é típico da política brasileira, Jair Bolsonaro esqueceu rapidamente a promessa
de que não se envolveria nas eleições municipais. Usou as lives semanais
para pedir votos e exibiu santinhos de apadrinhados. Não adiantou: fez campanha
para 59 candidatos e só dez deles emplacaram. No balanço final do pleito, o
bolsonarismo foi derrotado onde o presidente assumiu um lado e mostrou pouca
intensidade ou influência em diversas praças. Seu inimigo número 1, o petismo,
foi ainda pior, passando por uma nova rodada de vexames. O outrora
todo-poderoso partido da esquerda, o PT, não comanda mais nenhuma prefeitura de
capital brasileira. Enquanto as urnas castigaram os radicais, as siglas de
centro saíram premiadas, com o controle de quase metade dos municípios do país.
Mesmo tendo caído de 1 035 para 784
prefeituras, o MDB do ex-presidente Michel Temer continua sendo o maioral nessa
área. Nas capitais, PSDB e DEM mostraram força,
com quatro vitórias cada um, incluindo a do tucano Bruno Covas, em São Paulo, e
a do democrata Eduardo Paes, no Rio — dois colégios eleitorais de peso que
votaram contra um candidato da esquerda e contra um apoiado diretamente por
Bolsonaro.
Numa
eleição impactada pela pandemia e com as campanhas de rua reduzidas, o
eleitorado indicou, sim, estar farto de extremos — e menos propenso a
novidades. A “velha política”, calcada numa maior experiência e capacidade de
negociação, saiu fortalecida das urnas. A questão é entender quanto esse
fenômeno pode influenciar a eleição de 2022. Pleitos municipais registram
tendências que podem ser confirmadas dois anos depois. Em 2000, o PT colheu
diversas vitórias pelo país, inclusive em São Paulo, com Marta Suplicy. Em
2002, depois de várias tentativas frustradas, Luiz Inácio Lula da Silva foi
presidente. Em 2016, o eleitorado brasileiro deu demonstrações claras de que
queria outsiders na política. Nessa toada, João Doria foi eleito na cidade de
São Paulo e Alexandre Kalil, em Belo Horizonte. No pleito seguinte, Jair
Bolsonaro, que bradava contra tudo e contra todos, consagrou-se nas urnas. Esse
movimento parece perder força agora. “Não foi um chamado à moderação, mas a
clivagem antipetista e lavajatista arrefeceu”, pontua Lucas Martins Novaes, do
Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper).
Nessa
perspectiva, e olhando para 2022, o desafio que se coloca para o centro é
encontrar um nome que empolgue, um líder que aglutine apoios em todo o país e
seja capaz de desbancar o presidente, que busca a reeleição, a exemplo do
fenômeno que varreu Donald Trump nos Estados Unidos. Em outros termos, não
surgiu ainda uma espécie de “Joe Biden brasileiro”. Por enquanto, conforme fica
evidente na mais nova pesquisa sobre o assunto, esse espaço permanece
desocupado. A pedido de VEJA, o instituto Paraná Pesquisas entrevistou por
telefone 2 036 pessoas no país
entre os dias 28 de novembro e 1º de dezembro,
testando cenários para a eleição presidencial. E a
principal conclusão do levantamento é que, embora tenha
saído derrotado das urnas na semana passada, Jair Bolsonaro
continua sólido na dianteira. Na verdade, se a disputa ocorresse hoje,
Bolsonaro seria o vitorioso — por larga margem.
Ao contrário do que se imagina, sua popularidade continua firme. De acordo com a pesquisa, sua taxa de aprovação é de 50,2%, a maior já registrada pelo instituto (em abril era de 44% e em julho, de 47,1%). Na comparação com os levantamentos anteriores, o presidente avançou acima da margem de erro de 2 pontos porcentuais nas três simulações de primeiro turno, sempre acima da casa dos 30%. Enquanto isso, os possíveis adversários retrocederam ou estagnaram. Nas cinco projeções de confrontos no segundo turno, Bolsonaro também aparece com ampla vantagem, entre as casas de 40% a 50% das intenções de voto, dependendo do oponente. À esquerda, Ciro e Lula contabilizam desempenhos semelhantes, na faixa de 30%. Mais ao centro, com 34,7%, o ex-ministro Sergio Moro é quem mais se aproxima do capitão, ficando cerca de 10 pontos abaixo dele. Outros nomes do mesmo espectro, como João Doria e o apresentador Luciano Huck, cravaram abaixo do desempenho de Moro (23,8% e 29,7%, respectivamente).
Evidentemente,
dois anos em política (ainda mais nos tempos atuais) são uma eternidade. Nem
mesmo o presidente Jair Bolsonaro dizia em 2016 que seria eleito dois anos
depois. Situações inusitadas também acontecem, como a facada desferida pelo
desvairado Adélio Bispo que sacramentou a vitória do então candidato do PSL.
Mas, nas condições atuais de temperatura e pressão, o cenário para os grupos do
centro ainda é muito complicado. O ex-ministro Moro, por exemplo, acaba de dar
um sinal claro de que está fora do jogo ao aceitar um cargo na consultoria
americana Alvarez & Marsal, especializada na reestruturação de companhias
em dificuldades financeiras. Visto como herói por combater a corrupção, Moro
agora vai trabalhar numa empresa que tem a Odebrecht entre os clientes. Como
explicar isso aos eleitores? Para piorar, o passo dado pelo ex-juiz tem cara de
uma decisão mais duradoura. Além de uma remuneração que pode variar entre 5
milhões e 10 milhões de reais ao ano, Moro deve morar nos Estados Unidos por
pelo menos alguns meses, o que vai afastá-lo das negociações de bastidores num
momento decisivo. Seu apoio, porém, pode ser um fator determinante na disputa.
“Mesmo não sendo candidato, não tem como dizer que ele não terá peso no
pleito”, diz Murilo Hidalgo, diretor do Paraná Pesquisas.
Nesse campo ao centro, a candidatura mais provável é a de João Doria, embora ele ainda não admita publicamente. O governador, de fato, se fortaleceu com a reeleição de Bruno Covas em São Paulo, principal colégio eleitoral do país. Apesar de o PSDB ter perdido prefeituras no país (caiu de 785 para 520), os números foram favoráveis a Doria em território paulista. O partido continuou como principal força política no estado e venceu em 179 das 645 cidades. Em 2012, foram 171 e, no pleito passado, 173. O problema é nacionalizar o nome num cenário em que o PSDB foi varrido de vários redutos que tradicionalmente ocupou nos últimos anos, como Minas Gerais, Goiás e Paraná. Para se cacifar, Doria aposta, principalmente, na comparação da gestão tucana em São Paulo com a do governo federal. No enfrentamento da pandemia, enquanto o presidente bate na tecla do negacionismo, o tucano tratou de formar desde o início um comitê de crise para combater a doença. Nos últimos meses, vem trabalhando fortemente pela CoronaVac, vacina da farmacêutica chinesa Sinovac desenvolvida em parceria com o Instituto Butantan. Na economia, Doria quer enfatizar comparações como a do desempenho do PIB. Neste trágico 2020, a expectativa de São Paulo é de uma taxa zero — um desempenho ruim, mas menos pior que a média nacional, perto de 4 pontos negativos.
A
viabilidade do governador paulista no restante do país também passa por agregar
partidos de envergadura e capazes de lhe fornecer palanque em estados onde ele
é pouco conhecido. O tucano tem tentado amarrar uma aliança com o MDB e o DEM
para 2022, mas a situação é bem mais complexa do que parece. A começar pelo
MDB, conhecido por não agir em unidade, mas, sim, por ser uma federação de
diretórios estaduais independentes, que caminham de acordo com os cenários
políticos locais. Situação semelhante ocorre hoje com o DEM. O partido cresceu
73% na eleição municipal e se cacifou como “a noiva cobiçada por todos”. Mas os
democratas também se dividem em alas. A seccional de São Paulo quer que o DEM
entre em acordo com Doria para lançar o vice-governador do estado, Rodrigo
Garcia, ao Palácio dos Bandeirantes. Político habilidoso e que vislumbra o
governo da Bahia em 2022, o presidente do partido, ACM Neto, já é visto dentro
do tucanato como simpatizante de uma candidatura de Luciano Huck.
O
apresentador da Rede Globo, aliás, tem dado mostras de que, desta vez, pretende
concorrer à Presidência. Em um jantar com empresários no mês passado, Huck
afirmou que não se sentia pronto para disputar o cargo em 2018, mas que agora
está preparado para se lançar na disputa. Há tempos ele vem fazendo reuniões
com técnicos e especialistas para pensar propostas para o país. No campo
econômico, o núcleo duro de apoio a sua candidatura é formado por Armínio Fraga
e por Daniel Goldberg. Já na área política, Huck cita o ex-governador Paulo Hartung
e o líder do RenovaBR, Eduardo Mufarrej, como seus principais conselheiros.
Restam dúvidas, no entanto, sobre a real disposição do apresentador em
abandonar lucrativos contratos publicitários e com a Rede Globo para mergulhar
num terreno em que ele não tem nenhuma experiência e no qual terá pela frente
um adversário duro, com uma base fiel de eleitores, como é o caso de Bolsonaro.
Em 2018, por exemplo, teria sido mais fácil.
Para
o presidente, não haveria cenário melhor do que uma disputa marcada pelo
antagonismo com o PT ou com a esquerda mais estridente. Lula está impedido de
concorrer a cargos eletivos em razão da Lei da Ficha Limpa, mas ainda tenta
reverter suas condenações na Lava-Jato com recursos no STF. Aliados de
Bolsonaro dizem que ele só pensa nisto: pegar alguém dessa ala num segundo
turno — Lula, de preferência. Outro movimento, bem articulado por alguns dos
estrategistas do presidente, são os sinais de paz a representantes do centro (veja
reportagem na pág. 36). Se Bolsonaro caminhar para o centro e parar com as
guerras ideológicas, poderá se tornar um candidato muito difícil de ser batido
em 22. No campo à esquerda, as placas tectônicas já começaram a se mexer. Nesta
semana, o senador Jaques Wagner (BA) se antecipou às discussões sobre renovação
e afirmou em entrevista ao UOL que se coloca à disposição para disputar a
Presidência. Além disso, o ex-líder dos sem-teto Guilherme Boulos (PSOL) se
transformou num nome relevante com o desempenho nas eleições paulistanas.
Também haverá na próxima disputa uma ala de centro-esquerda capitaneada pelo
PDT, de Ciro Gomes, e pelo PSB. Os partidos conseguiram bons resultados no
Nordeste e têm defendido abrir negociações com siglas que estão mais à direita,
algo que o petismo rechaça por completo.
Por
mais que haja disposição nos extremos para forçar um novo embate ideológico, os
próximos anos deverão marcar uma mudança política em nível mundial. A eleição
do democrata Joe Biden para ocupar a Casa Branca no lugar de Donald Trump
deixará órfãos os líderes que vinham se beneficiando da postura incendiária do
presidente americano para amparar comportamentos insensatos. No caso de
Bolsonaro, se insistir na dinâmica “terraplanista”, o isolamento internacional
poderá se agravar porque Biden será obrigado a demonstrar uma preocupação maior
do que o antecessor com a questão ambiental e com os direitos humanos. “A
derrota de Trump foi desfavorável para a extrema direita em nível
internacional. Bolsonaro agora enfrentará pressões externas bem maiores”, diz
Marcus Ianoni, cientista político da Universidade Federal Fluminense (UFF). A
eleição do democrata americano também foi importada como um fator novo para a
agenda política do Brasil. O primeiro a explorar esse fenômeno foi Luciano
Huck. Aliados do apresentador relataram a VEJA que esperaram a confirmação da
vitória de Biden nos Estados Unidos para vazar para a imprensa que Huck havia
se encontrado com Moro para discutir a conjuntura política do Brasil. A
estratégia surtiu efeito e ampliou o impacto das conversas que o apresentador
vem mantendo com figuras políticas. Um jantar que Huck teria com empresários
naquela semana pulou de oito convidados para 23 depois da divulgação da reunião
com Moro.
O
ano de 2021, de fato, será crucial para definir as chances de Bolsonaro e do
aparecimento, ou não, de um nome de centro que possa batê-lo. Como mostra a
pesquisa, Bolsonaro ainda surfa nos bons índices de popularidade que obteve a
partir do pagamento do auxílio emergencial durante a pandemia. O benefício,
porém, será encerrado no fim deste ano e não há dinheiro disponível para outro
programa de distribuição de renda tão abrangente até a eleição. No caso do
presidente, se não quiser dar espaço a ninguém, a melhor estratégia seria
abraçar de vez a agenda de reformas que podem fazer o Brasil decolar, tema de
capa da edição passada de VEJA. Na quinta-feira 3, com a divulgação de que o
PIB cresceu 7,7% no terceiro trimestre, o país mostrou que existem boas
possibilidades de uma retomada no pós-pandemia. Falta só um empurrão. Com a
economia em recuperação, sem tuítes nem acenos a grupelhos radicais, Bolsonaro
dificilmente perderia em 22 — seria ele quem poderia seduzir o centro, como fez
em 2018. Mas nem mesmo seus aliados acham que o presidente tem a clareza desse
caminho.
Publicado em VEJA de 9 de dezembro de 2020, edição nº 2716
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