É
a proliferação desses aparelhos em locais públicos que pode mudar o jogo
A
França elegeu o centrista Emmanuel Macron, mas isso não a poupa de “momentos
Bolsonaro”, como o projeto de lei que pune com até um ano de cadeia e multa de
€ 45 mil quem divulgar imagens de policiais em ação com a intenção de
prejudicá-los.
O timing não poderia ter sido pior. Poucos dias depois de a proposta ter sido aprovada pela Assembleia Nacional, apareceu um vídeo de policiais espancando brutalmente o produtor musical negro Michel Zecler. Milhares de franceses reagiram indo às ruas para protestar contra o projeto. O governo diz que vai aprimorá-lo antes de enviá-lo ao Senado.
Penso
exatamente o contrário da administração Macron. Devemos incentivar as pessoas a
filmar com seus celulares todas as operações policiais que presenciarem. O
racismo e a violência policial não nasceram ontem. Episódios semelhantes aos
que envolveram George Floyd, em Minneapolis, João Alberto, em Porto Alegre, e
Michel Zecler, em Paris, sempre ocorreram, mas quase nunca resultavam em
processos e punições porque, sem a corroboração das imagens, era sempre a
palavra dos agentes da lei, que têm fé pública, contra a de supostos suspeitos.
É
a proliferação das câmeras em locais públicos que pode mudar o jogo. Como
observou o filósofo Emrys Westacott, em determinadas situações, câmeras têm o
dom de fazer com que o interesse público (reduzir a violência) coincida com
autointeresse do indivíduo (não ser apanhado).
Nesses contextos –e apenas neles, é importante frisar—, as câmeras são perfeitas. Como brincou Westacott, se Deus tivesse enchido o Jardim do Éden com elas, Eva, quando tentada pela serpente a provar do fruto proibido, sabendo que estava sendo monitorada, teria tomado a decisão certa. Aí, não teria havido pecado original, queda, nem expulsão do Paraíso. Mulheres não experimentariam as dores do parto e não precisaríamos trabalhar. E ainda andaríamos todos pelados.
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