As eleições terminaram e Jair Bolsonaro ainda não deu sinal de que trabalhará pela aprovação de reformas e projetos prioritários para o País
Como
desculpa para o não andamento das reformas legislativas de que tanto o País
necessita, o governo de Jair Bolsonaro valeu-se várias vezes do calendário
eleitoral. No entanto, as eleições terminaram no dia 29 de novembro e o
presidente Bolsonaro ainda não deu nenhum sinal de que trabalhará pela
aprovação das muitas reformas e projetos prioritários para o País. Ao longo da
semana passada, viu-se o mesmo e recorrente alheamento da realidade social e
econômica do País, bem como do papel do Palácio do Planalto na definição e
coordenação das prioridades nacionais.
A
omissão do governo federal foi registrada pelo presidente da Câmara. “O governo
deveria ter começado o dia hoje cedo com uma coletiva para falar qual é a pauta
de seu interesse para os próximos dois meses”, disse Rodrigo Maia, na
segunda-feira passada, ao UOL. “Senti falta na manhã de hoje de uma posição
mais clara e de urgência, nesse momento, em relação às pautas que tratam das
despesas públicas”, lembrou.
A paralisia do governo é constrangedora. Não foi votada a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021, tampouco a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). É esta lei que prevê, por exemplo, a possibilidade de o governo executar, de forma provisória, a duodécima parte das despesas, em caso de não aprovação da LOA. Ou seja, sem a aprovação da LDO até o fim do ano, o governo não terá base legal para realizar nenhum gasto discricionário em 2021.
Na
semana passada, foi anunciada para o dia 16 de dezembro a sessão conjunta do
Congresso Nacional que vai analisar o projeto da LDO de 2021. No entanto, mesmo
em relação a esse tema essencial para o funcionamento do próprio governo, o
Palácio do Planalto atua como se não lhe dissesse respeito. Com suas recentes
falas, o presidente Jair Bolsonaro fez saber que sua atual preocupação é
restabelecer o voto impresso no Brasil para as eleições de 2022, por meio de
uma emenda constitucional.
O
alheamento do governo federal estende-se também a outras reformas, como a
tributária e a administrativa. Apresentada no ano passado no “Plano Mais
Brasil”, um pacote de propostas elaborado pelo próprio Executivo, a PEC
Emergencial parece ter sido esquecida. “Sem a PEC Emergencial, (o governo) vai
ter muita dificuldade de aprovar o Orçamento”, advertiu semanas atrás o
presidente da Câmara.
As
dificuldades mencionadas por Rodrigo Maia afetam diretamente o déficit público
e o cumprimento do teto de gastos. Envolvem, assim, temas centrais ao País,
como confiança dos agentes econômicos, retomada dos investimentos e do emprego
e o controle da inflação e taxa de juros. O governo, no entanto, cultiva uma
zelosa indiferença em relação a tudo isso.
A
omissão do governo federal é especialmente constrangedora ante a situação
social e econômica do País. Nos últimos meses, houve significativo crescimento
do número de pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza no País. De
acordo com cálculos do economista Daniel Duque, pesquisador do Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), a simples redução
do auxílio emergencial de R$ 600 para R$ 300 fez com que, na passagem de agosto
para setembro, mais de 6,8 milhões de pessoas entrassem na faixa da pobreza no
Brasil. Ao todo, 47,39 milhões de brasileiros vivem nessa condição, o que
representa 22,4% de toda a população.
Nesse
mesmo período, entre agosto e setembro, cerca de 4,08 milhões de pessoas
entraram na faixa da extrema pobreza. Ao todo, são 9,25 milhões de brasileiros
(4,4% da população). Preocupante, o quadro tende a piorar. “O pior momento vai
ser em janeiro (de 2021)”, disse Duque, referindo-se à data prevista para o fim
do auxílio emergencial.
Jair
Bolsonaro disse várias vezes que o governo não tem dinheiro para continuar
pagando o auxílio emergencial. Falou o óbvio, mas pela metade. Faltou dizer que
a principal função de um governo, capaz de produzir uma real diferença na vida
da população, é trabalhar diligentemente na agenda de prioridades do País. Por
que tanta resistência ao dever, presidente?
A nova Lei de Falências – Opinião | O Estado de S. Paulo
Objetivo
é evitar que se fechem empresas com dificuldades financeiras decorrentes da
pandemia
Por pressão do Executivo, por meio do Ministério da Economia, e do Judiciário, por meio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Senado aprovou em votação simbólica o projeto da nova Lei de Recuperação Judicial e Falência. A pressa era tanta que, para evitar o retorno do projeto à Câmara, onde foi aprovado há dois meses e meio, os senadores limitaram-se a propor algumas emendas de redação.
Para
o Executivo, a nova lei – que só depende de sanção presidencial para entrar em
vigor – foi classificada como um instrumento de “cicatrização da economia”,
pois foi concebida para garantir a sobrevivência das empresas com dificuldades
financeiras causadas pela pandemia. Para as autoridades econômicas, quanto mais
facilidades forem concedidas na renegociação das dívidas, mais empresas
sobreviverão, preservando empregos.
Entre
março de 2020 – mês em que foi adotada a política de isolamento social para
deter o avanço da covid-19 – até novembro, o governo estima que foram
protocoladas nos tribunais mais de 1,5 mil ações de recuperação judicial.
Segundo as autoridades econômicas, 70% dos negócios que permanecem abertos
enfrentam problemas de descumprimento de contratos, por causa da queda do nível
de atividade econômica. Pela nova lei, se essas empresas tiverem aceitado o
pedido de recuperação judicial pela Justiça, elas poderão parcelar suas dívidas
com a Fazenda em até dez anos. A lei também dispensa as empresas devedoras de
pagar Imposto de Renda e Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido em caso de
ganho de capital derivado de alienações de bens, salvo se o adquirente for uma
empresa do mesmo grupo.
Para
o CNJ e para o STJ, ao flexibilizar as regras previstas pela legislação atual,
adequando-a ao cenário de calamidade pública, a nova lei estimula as
negociações entre credores e devedores, evitando assim o congestionamento dos
tribunais. Entre outras inovações, obriga as partes litigantes a propor um
acordo antes de propor uma ação judicial e suspende a execução das dívidas por
60 dias, para a realização das negociações extrajudiciais. Também prevê a
criação de centros de mediação especializados, negociações tributárias
específicas por empresa e a inclusão de regras para a recuperação de produtores
rurais. E ainda permite a inclusão de créditos trabalhistas na recuperação
judicial, desde que haja negociação coletiva com os sindicatos.
Nos
meios empresariais e judiciais, a nova Lei de Recuperação Judicial e Falência
foi bem recebida. O entendimento geral é que, ao permitir a reestruturação de
empresas em crise, a lei melhorará o ambiente de negócios no País, na medida em
que dará segurança jurídica para investidores e credores. Entre os pontos
negativos, o receio é de que a flexibilização da legislação em vigor, que foi
concebida para “tempos normais” e não para períodos de calamidade pública,
acabe sendo usada de modo abusivo por empresários aventureiros em momento de
crise econômica, gerando com isso mais problemas do que soluções em matéria de
direito falimentar. Outro temor é que, por ter alterado a legislação em vigor
abruptamente por razões conjunturais, ela beneficie somente alguns grupos
específicos.
Esse
é um dos problemas que o Executivo e o Judiciário costumam enfrentar quando uma
legislação é modificada às pressas, por causa de adversidades econômicas.
Inovações concebidas para tempos de exceção tendem a corroer o esforço de anos
dos tribunais para pacificar entendimento da legislação em vigor e consolidar a
jurisprudência, como ocorreu com a Lei de Recuperação Judicial que acaba de ser
modificada. A nova Lei de Recuperação Judicial e Falência não está imune a esse
risco. A boa notícia é que parte dela foi feita com base em sugestões feitas
pelo STJ, a Corte encarregada de firmar a jurisprudência em matéria de direito
empresarial.
O FMI e o Brasil sem rumo – Opinião | O Estado de S. Paulo
Boas
propostas do Fundo são inúteis se falta ao País um governo organizado
Políticas sensatas – e até óbvias – foram sugeridas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para o Brasil avançar na recuperação econômica, seguir enfrentando a pandemia e crescer mais. Algumas ações urgentes são complicadas. O governo deve respeitar o teto de gastos, mas precisa estar pronto para providenciar mais auxílio fiscal, se a atividade for muito fraca. Os técnicos do Fundo também recomendaram “maior urgência” na busca de reformas para tornar o País mais eficiente, mais competitivo e mais atraente para investidores. Quando a lista de recomendações foi divulgada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, estava enrolado numa confusão sobre o Orçamento de 2021: a meta fiscal deveria ser fixa ou flexível?
Pressionado
pelo Tribunal de Contas da União (TCU), o ministro prometeu indicar um limite
exato para o déficit primário. Na primeira semana de dezembro, o País
continuava sem uma clara programação financeira para o próximo ano. Além disso,
permanecia sujeito ao risco de um rombo primário ampliado pela transferência de
despesas de 2020 para 2021, autorizada pelo próprio TCU.
Voltando
ao relatório do FMI: algumas ações propostas podem ser complicadas, mas o
governo é o principal entrave à adoção das medidas mais necessárias. Para
sustentar a recuperação da economia no próximo ano, os técnicos do Fundo
sugerem redistribuição de recursos orçamentários sem violação do teto. O jogo
seria mais fácil e mais seguro com a aprovação da chamada PEC Emergencial. Isso
permitiria, por exemplo, reduzir jornada e gastos salariais, mas a proposta,
apresentada ao Congresso em novembro de 2019, continua empacada no Senado.
Em
outubro, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, propôs cuidar prioritariamente
desse projeto, para aprová-lo antes da votação da proposta de Lei Orçamentária.
Dezembro começou e o País continua sem PEC e sem o Orçamento de 2021. Perdido
em suas confusões e conflitos internos, o Executivo foi incapaz, até agora, de
trabalhar pelas condições mínimas de cumprimento de suas funções no próximo
ano.
Não
cabe ao FMI, nem ao Banco Mundial, dizer como o presidente e sua equipe devem
organizar-se para programar suas ações nem como o Executivo deve agir para
obter aprovação de matérias de seu interesse no Congresso Nacional. Muito menos
cabe a instituições multilaterais cobrar do presidente da República mais
atenção ao Brasil e menos dedicação a interesses pessoais, como a sua reeleição
e a proteção de filhos suspeitos de participação em rachadinhas, em fake news e
em ações contrárias ao regime democrático.
O
relatório recém-divulgado pelo FMI resulta da consulta anual entre a
instituição e países associados. Técnicos do Fundo vão ao país, conversam com
fontes oficiais e privadas e coletam ampla informação. Em seguida, analisam e
avaliam as condições econômicas e elaboram projeções e recomendações. O
material é divulgado com autorização do governo.
O
documento contém uma avaliação positiva das ações oficiais em defesa do emprego
e da atividade a partir do início da pandemia. O governo, segundo o relatório,
ofereceu resposta rápida e considerável, com medidas fiscais e parafiscais
equivalentes a 18,2% do Produto Interno Bruto. O documento elogia também o
corte de juros e os estímulos ao crédito.
Mas
o Brasil tem velhas vulnerabilidades, agravadas neste ano, e é preciso
enfrentá-las. O relatório lista medidas de efeito rápido e ações de maior
alcance, destinadas a tornar o País mais eficiente e mais inclusivo. Chega a
apoiar, como política de longo prazo, uma reforma dos programas de
transferência de renda, com a unificação de vários tipos de benefícios e
ampliação dos beneficiários.
Alguns
problemas apontados, como a rigidez orçamentária, são discutidos há mais de 20
anos. É preciso, por exemplo, eliminar a vinculação de verbas, mas isso envolve
emenda constitucional. Tudo fica bem mais difícil quando falta ao governo um
mínimo de organização e de propósitos claros – além daqueles perseguidos como
objetivos pessoais do presidente.
Desafio de Paes será resgatar o orgulho do carioca – Opinião | O Globo
Novo
prefeito precisará adaptar suas promessas à realidade de uma cidade
deteriorada, com prefeitura falida
Uma
característica das eleições municipais deste ano foi a aversão a riscos. Num
2020 atípico, sacudido pela mais letal pandemia em um século, o cidadão
preferiu escolher nomes conhecidos — e de trabalho reconhecido. A vitória do
ex-prefeito Eduardo Paes sobre Marcelo Crivella é exemplo dessa tendência.
O
eleitor confrontou os quatro anos desastrosos de Crivella com os oito de Paes
(2009-2016), período em que o Rio — embalado por Copa do Mundo e Olimpíada —
recebeu um volume de obras comparável à administração reformista de Pereira
Passos, no início do século passado. Mas os cariocas devem estar conscientes de
que essa fase ficou para trás. No horizonte, não há mais grandes eventos, muito
menos dinheiro. O que há é uma pandemia que continua a matar sem piedade.
Paes
herdará uma terra arrasada. O futuro secretário de Fazenda, Pedro Paulo
Carvalho, estima para o ano que vem um rombo de R$ 10 bilhões, dos quais R$ 7,5
bilhões seriam déficit acumulado deste ano. Não há certeza se haverá recursos
para pagar o salário de dezembro e o 13º do funcionalismo, embora Crivella
tenha enviado à Câmara projeto para reduzir o IPTU alegando folga no caixa. A
proposta de Orçamento para 2021 superestima receitas e subestima despesas.
O
novo prefeito também receberá uma cidade deteriorada. Sinais de degradação se
espalham pelas zonas Norte, Sul e Oeste. O Centro virou um deserto. Os BRTs
Transoeste, Transcarioca e Transolímpico, e o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT)
— implantados na gestão de Paes — estão à beira do colapso. Os ônibus urbanos
caem aos pedaços. As escolas, que passaram o ano fechadas, precisam se preparar
para fundir dois anos em um.
Paralelamente,
a pandemia não dá trégua. Crivella não se move, mas o vírus sim. A
flexibilização segue sem freio, enquanto profissionais de saúde se desdobram em
hospitais superlotados, onde já não há vagas de UTI. A vacina por enquanto
ainda é miragem.
O
maior desafio de Paes será adaptar as promessas de campanha à realidade
financeira. Trata-se de questão objetiva: elas precisam caber no Orçamento. Na
saúde, Paes prometeu contratar 6 mil profissionais, reabrir leitos e implantar
21 clínicas de especialidades e 13 centros de diagnóstico por imagem. Na
educação, quer contratar 3 mil professores, aumentar em cem mil o número de
alunos em tempo integral e distribuir tablets a todos os da rede municipal (500
mil). Aos servidores, acenou com reajustes pela inflação e com a volta da gratificação
anual por produtividade. Nos transportes, anunciou a recuperação das vias dos
BRTs e a reabertura de estações fechadas.
É
claro que uma gestão eficiente das contas e a aposta em parcerias
publico-privadas podem abrir espaço orçamentário. É boa a ideia de propor um
teto de gastos municipal e uma Lei de Responsabilidade Fiscal para a cidade.
Espera-se que vá além do discurso.
Na
equipe, Paes optou por nomes já testados, como o ex-secretário e médico Daniel
Soranz na Saúde, o próprio Pedro Paulo na Fazenda ou Washington Fajardo,
ex-presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, no Planejamento
Urbano. Também é bem-vinda a ideia de criar uma Secretaria da Integridade e
Governo, a cargo do ex-ministro da Cultura Marcelo Calero.
O
prefeito eleito terá mais um desafio, que resume os demais: reconciliar o
carioca com a cidade (mais da metade gostaria de deixá-la, segundo o Ibope).
Nas urnas, a população apostou que Paes resgatará o orgulho do carioca.
Espera-se que não decepcione.
Ditadura da Venezuela ameaça com a fome para se legitimar nas urnas – Opinião | O Globo
Eleições
legislativas são parte da farsa montada por Maduro para dar sobrevida a seu
regime
A
cleptocracia venezuelana tenta outra vez se legitimar nas urnas. As eleições
legislativas de hoje fazem parte da nova farsa montada pelo ditador Nicolás
Maduro para dar sobrevida ao regime responsável por uma crise humanitária sem
precedentes no continente americano. É paradoxal, mas parcela minoritária da
oposição optou pela cumplicidade.
A
ditadura teme a abstenção. Os venezuelanos têm mesmo uma preocupação mais
elementar: sobreviver em meio à pobreza. O colapso econômico é visível nos
preços, que subiram 1.798% entre janeiro e outubro. O custo da cesta básica
aumentou 43% em outubro. Passou a consumir 80% do salário mínimo mensal,
equivalente a US$ 39 (R$ 195 reais). Um dos efeitos é o êxodo. Já há 1,7 milhão
de venezuelanos abrigados na Colômbia e mais de 200 mil no Brasil.
Nesse
ambiente de carência, em meio à pandemia, a cleptocracia resolveu usar o acesso
à comida, fornecida pelo comércio estatal, para empurrrar cidadãos às urnas.
Diosdado Cabello, condestável do regime, deixou isso claro num comício na
segunda-feira: “Quem não vota, não come. Para aquele que não vota, não há
comida.”
Maduro
tem se esforçado para dissimular a manobra política. Convidou aliados de outros
países para avalizar o embuste eleitoral — obviamente, com todas as despesas
pagas pelo povo venezuelano. Do Brasil, escolheu quatro aliados fiéis do PT
(Gleisi Hoffmann, Paulo Pimenta, Carlos Zarattini e Enio Verri); dois do PDT
(Dagoberto Nogueira e Idilvan Alencar); um do PSOL (Glauber Braga) e outro do
PCdoB (Perpétua Almeida). Aceitaram, mas desistiram pouco antes da viagem.
Aliar-se
à cleptocracia de Caracas é questão de caráter. Implica desprezar o código moral
sobre o qual se sustentam os direitos humanos. A ONU tem divulgado relatórios
sobre prisões, torturas e assassinatos de opositores. No mês passado, a
procuradora do Tribunal Penal Internacional, Fatou Bensouda, anunciou ter “base
razoável” para abrir investigação contra Maduro e seus sócios por crimes contra
a Humanidade. O regime venezuelano está cada vez mais radioativo para os
amigos, como a esquerda brasileira.
Projeto de ditador – Opinião | Folha de S. Paulo
Mesmo
reprimido pelo aparato da democracia, Bolsonaro dá roncos de perseguição à
imprensa
Perto
de completar a metade de seu mandato, o presidente Jair Bolsonaro, depois de
muitas derrotas, acostumou-se aos limites que a mecânica institucional impõe
aos ocupantes do Palácio do Planalto. Acostumou-se, mas não se pode dizer que
tenha aprendido.
Vez
ou outra o projeto de ditador adormecido que habita o espírito presidencial
volta à tona, ainda que com menos estrépito, às vezes por interpostas pessoas.
Nos
últimos dias, a criatura rosnou no Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(Cade), órgão que existe para zelar pela concorrência entre empresas, e sua
vítima foi o Grupo Globo, considerado pelo presidente inimigo perene a ser
destruído.
A
pretexto de investigar negócios corriqueiros e legais no mercado publicitário,
sem que se saiba o indício concreto de irregularidade, a autoridade bloqueou
apenas ao grupo a faculdade de bonificar agências que carreiem mais clientes
para o veículo.
Seus
concorrentes podem seguir com a prática, que é disseminada no meio publicitário
e inclusive regulada por lei. O ato de ofício foi do superintendente-geral,
ligado a caciques do PP, o partido que sonha em filiar o presidente e que serve
de base para o Centrão ora bolsonarista no Congresso.
De
resto, a ação está em linha com promessa feita por Bolsonaro ou seus asseclas
já na campanha, depois reforçada em entrevista a esta Folha no ano passado.
Então, ele havia dito que editaria uma medida provisória cujo alvo seria a
Globo.
"Pelo
menos por cinco meses por ano [na verdade o prazo de validade de uma MP é de
120 dias se não for votada pelo Congresso] teremos democracia na distribuição
de verbas publicitárias no Brasil", disse.
O
caminho da medida provisória foi descartado aqui, mas escolhido para outra
obsessão do mandatário: acabar com a obrigação legal de empresas de sociedade
anônima de publicar balanços em jornais impressos.
Medida
provisória neste sentido já fora expedida antes e a sabedoria do Congresso a
deixou caducar. Segundo revelou seu anspeçada nas Comunicações, Fabio
Wajngarten, em "entrevista" a Eduardo, o filho deputado federal do
presidente, a ideia é reeditá-la –o que fere o bom senso, mas isso não parece
incomodar a turma.
Seu
objetivo é uma tentativa escancarada de atingir veículos que, ao praticar
jornalismo profissional, publicam reportagens críticas ao governo federal –o
mais prejudicado seria de longe o jornal Valor Econômico, do mesmo grupo
fluminense.
Mesmo
reprimido pelo aparato da democracia, Bolsonaro dá seus roncos persecutórios
contra a imprensa. Se o nível de vigilância for o mesmo, vai fracassar de novo.
Omissão e preconceito – Opinião Folha de S. Paulo
Subnotificação
é um dos obstáculos ao combate à LGBTfobia; polícias deveriam seguir protocolo
Mesmo
um ano e meio após o Supremo Tribunal Federal enquadrar
homofobia e transfobia como crimes de racismo, Brasil ainda patina
para efetivar a decisão.
A
corte considerou à época que houve omissão legislativa a respeito do tema e
determinou que os crimes fossem equiparados até que seja promulgada uma lei
específica para esses casos.
Um
dos entraves para que a criminalização da prática surta efeitos concretos é a
precariedade de dados sobre LGBTfobia, em grande parte por descaso dos órgãos
estaduais de segurança pública.
Levantamento
recente por meio da Lei de Acesso à Informação, realizado pelo Jornal Nacional,
da TV Globo, em setembro deste ano, revelou que, ao todo, nove estados
informaram que não têm números a respeito, enquanto dois outros deram respostas
inconclusivas.
Apenas
15 estados e o Distrito Federal contavam com alguma estatística, contabilizando
ao todo 161 casos registrados no primeiro ano após a decisão do STF –de violência
letal a casos menos graves.
O
Atlas da Violência de 2020 trouxe pela primeira vez cifras sobre o tema. Foram
1.685 queixas em 2018 registradas pelo sistema de denúncias do governo federal,
o Disque 100. Dados do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação,
alimentado por hospitais), revelam aumento de violência física, psicológica e
outras, inclusive sexual, contra essa população.
Segundo
a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 124 pessoas trans
foram assassinadas no Brasil em 2019 –e até outubro deste 2020 o país já
testemunhou uma alta de 22% em relação ao mesmo período do ano passado.
Com
o objetivo de enfrentar os problemas da subnotificação e do despreparo das
polícias, a Faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas, publicou, em
parceria com outras entidades, um protocolo para orientar as autoridades.
Para
evitar que LGBTs sofram novas violências quando forem buscar proteção policial,
os agentes de segurança devem saber quais são as condutas tidas como
preconceituosas, respeitar a identidade de gênero dos atendidos e orientá-los
de maneira respeitosa.
Tais normas deveriam ser recomendadas pelo Ministério da Justiça às secretarias estaduais de segurança, como já se faz nos casos de violência contra a mulher. O presidente Jair Bolsonaro, no entanto, encabeça os exemplos de autoridades avessas a essa pauta.
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