Este
ano que passou foi terrível. Mas o que virá será muito difícil ainda
O
fato do ano foi a pandemia, a esperança de superação é a vacina. Há muitas
coisas além disso, mas esse é o dilema essencial.
O
processo de vacinação não significa apenas poupar vidas. É um imperativo
econômico. A sorte do País vai depender de duas variáveis: o aumento do número
de pessoas vacinadas e a queda do número das contaminadas.
O
Brasil tem, segundo os especialistas, um bom sistema de imunização nacional,
melhor do que muitos outros no mundo. Além disso, o País é um dos maiores
fabricantes de vacinas do planeta, com dois centros de excelência, o Instituto
Butantan e a Fundação Oswaldo Cruz.
Esses
são os pontos positivos. Mas os negativos são muito fortes.
Bolsonaro não só negou a epidemia de covid-19, mas faz uma campanha de descrédito contra a vacina. Da mesma forma, seu ministro da Saúde, general Pazuello, acha que a expectativa em torno da imunização é exagerada. Se considerarmos que os dois principais responsáveis nacionais não estão na linha de frente – ao contrário, um deles, Bolsonaro, milita na retaguarda –, o processo poderá ser mais lento e acidentado.
Há
muitas frentes abertas com esse cenário contraditório. Será preciso uma pressão
dos setores produtivos que entendem a importância da vacina para a recuperação.
Igualmente será preciso uma ação dos governadores no sentido de buscar a
eficácia e preencher as lacunas abertas pela ausência de uma boa coordenação
nacional.
Outra
batalha se dará no campo das mentes e dos corações. Algumas das vacinas que já
estão em uso, como a da Pfizer, são produto da medicina genética, trabalham com
a técnica do RNA mensageiro. Essa novidade, que representa muito para o
controle futuro de doenças, dá margem a inúmeras especulações sobre mudanças no
sistema imunológico. Uma das mais bizarras é do próprio Bolsonaro, insinuando
que a pessoa pode virar jacaré, homem falar fino e crescer barba em mulher. É
apenas uma tentativa de afastar as pessoas da vacinação apelando para mitos,
mas precisa ser combatida de forma inteligente e eficaz. A simples
obrigatoriedade não funciona – o voto é obrigatório e houve mais de 30% de
abstenção.
Nem
tudo, entretanto, se vai decidir no front sanitário. O governo
Bolsonaro, além de negar a pandemia, concentra-se na sua própria defesa,
jogando todas as fichas no controle da Câmara dos Deputados. No início do ano,
fracassaram as manifestações que pediam intervenção militar. Bolsonaro foi
contido pelas instituições.
O
Ministério Público do Rio desvendou a corrupção no gabinete do filho e,
consequentemente, uma técnica usada por todo o clã Bolsonaro. Com a prisão de
Fabrício Queiroz, o movimento de intervenção militar desapareceu, assim como
menções a um artigo na Constituição que daria às Forças Armadas poder
moderador. Bolsonaro procurou o Centrão e reinaugurou uma fase mais familiar e
tradicional da política brasileira: o toma lá dá cá. Até nomeou um ministro
para o Supremo Tribunal que alguns políticos do Centrão chamam de “o nosso
Kassio”.
A
disputa pelo controle da Câmara é vista pelo governo como fator decisivo para
evitar processos de impeachment. O caso mais importante em investigação no
momento são as chamadas rachadinhas no gabinete de Flávio Bolsonaro. Em tese,
mesmo se elas tiverem existido no gabinete de Jair Bolsonaro, não deveriam
atingi-lo no cargo, pois seria crime cometido antes da posse como presidente.
Acontece
que, no empenho de blindar não só o filho, mas suas próprias atividades,
Bolsonaro, segundo denúncia de Sergio Moro, tentou interferir na Polícia
Federal do Rio. E, finalmente, foi descoberta uma articulação da Abin para
proteger o filho do presidente e atacar a Receita Federal, de onde surgiram os
dados que denunciaram Flávio Bolsonaro. Sobretudo este último caso, o de
interferência da Abin, configura, se demonstrado, crime de responsabilidade.
São
casos mais recentes, porque Rodrigo Maia, atual presidente da Câmara, reteve 24
pedidos de impeachment por achar que não havia condições políticas para tal.
No
quesito condições políticas, a análise da situação da Câmara dos Deputados não
é a única variável. Bolsonaro perdia apoio na sociedade quando o Congresso
aprovou a ajuda emergencial na pandemia. Isso foi capitalizado por ele, que
conseguiu crescer nos setores mais pobres. Acontece que a ajuda emergencial,
que se tornou a renda única de muita gente no Brasil, vai ser cancelada em
2021.
A
principal margem de manobra é o crescimento da economia, que, por sua vez,
depende diretamente do sucesso do plano de vacinação. Por questões ideológicas,
não apenas pelas reservas quanto à vacina chinesa, mas também por uma posição
obscurantista em relação às vacinas em geral, Bolsonaro é um grande obstáculo
em 2021.
Não
há volta atrás, ao momento em que alguns aliados pediam intervenção militar.
Mesmo se conquistar a Câmara, contra uma grande frente democrática que se
formou contra ele, dificilmente o Centrão, que o apoia, resistiria a uma
intensa pressão social.
Este ano que passou foi terrível. Mas o que virá será muito difícil ainda.
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