O
presidente está fragilizado, tenta mostrar uma força que não tem
O
Brasil vive uma perigosa crise de inteira responsabilidade do presidente Jair
Bolsonaro: a intervenção política nas Forças Armadas com o propósito de
instrumentalizá-las como “partido do presidente”.
Bolsonaro
teria ordenado ao general Edson Leal Pujol, comandante do Exército, que se
opusesse ao Supremo Tribunal Federal (STF) em razão de decisões favoráveis ao
ex-presidente Lula da Silva, seu provável adversário em 2022, a exemplo do que
fizera o general Villas Bôas em abril de 2018, num erro monumental. Bolsonaro
não foi atendido e exigiu a cabeça do general Pujol. Nesse contexto, o general
Paulo Sérgio, em entrevista ao Correio
Braziliense, abordou a política de saúde da Força em consonância
com os protocolos da Organização Mundial de Saúde (OMS), não com a cloroquina
de Bolsonaro. Um ano antes, diante da pandemia, o general Pujol estabelecera
que salvar vidas era a guerra mais importante do Exército. Bolsonaro de um
lado, Exército do outro.
Bolsonaro trocou a direção do Ministério da Defesa e os comandantes da Marinha, da Aeronáutica e do Exército. A crise não se resolveu, apenas mudou de fase. Pois o seu cerne está em Bolsonaro pretender que as Forças Armadas sejam instituições de seu governo (“meu Exército”) para pressionar o processo político, ameaçar a sociedade e forçar os governadores e os prefeitos (que verdadeiramente combatem a pandemia) a abrir a economia e abandonar o isolamento social.
Até
aqui encontrou resistência das Forças Armadas e tampouco tem força política
para tanto. Resta-lhe ameaçar com o estado de sítio e com a mobilização
nacional, instrumentos específicos diante da ameaça de agressão estrangeira.
O
presidente sempre anunciou o que pretendia fazer. Ele não necessita de um golpe
militar, basta-lhe operar os processos legais a seu favor: armar a população
(retirando do Exército e da Polícia Federal o controle de armas), promover a
militância dos seus adeptos em grupos sociais, milícias e polícias. Mais armas
liberadas, mais armas disponíveis para os grupos criminosos, mais difícil se
torna o monopólio estatal da violência legal.
Disse
também que a invasão de propriedades rurais e urbanas passaria a ser
considerada ação terrorista; que daria cobertura legal para a violência
policial e militar com o excludente
de ilicitude. Bolsonaro estimula o conflito social com violência.
Quando tudo isto tiver sido processado, nossa democracia não será a mesma. E as
Forças Armadas?
Trata-se
da estratégia de “destruir antes de construir”. Ou “combater o socialismo”, que
Bolsonaro avalia estar implantado desde a Presidência de Fernando Henrique
Cardoso!
E
Bolsonaro está destruindo mesmo: nega a identidade cultural e étnica das
pessoas negras, suas famílias e seus grupos sociais; assim também as políticas
indigenistas; submete as escolas públicas estaduais e municipais com o projeto
“escola cívico-militar”, que se destina a formar estudantes com valores
conservadores e a dar emprego a militares da reserva; confronta a liberdade de
imprensa e de expressão; quer impedir a participação de professores, discentes
e funcionários na escolha de reitores das universidades federais; põe em xeque
as universidades federais com a direção eclesiástico-militar do MEC, do Inep e
da Capes; fragiliza o SUS; faz ruir as políticas afirmativas do meio ambiente;
submete as relações exteriores às convicções antigramscistas de Bolsonaro e
filhos, insuflando o conflito com a China e produzindo o fracasso na compra de
vacinas; abate as políticas de direitos humanos; estimula a militância
bolsonarista de policiais estaduais, de modo a confrontar a autoridade dos
governadores, que Bolsonaro pretende enfraquecer com nova legislação.
Bolsonaro
está fragilizado, tenta mostrar uma força que não tem.
Está
em jogo a preservação do regime democrático, uma tarefa das instituições
(Poderes, Ministério Público, partidos, etc.) e da cidadania. Que a sociedade
civil reaja a tempo, como a imprensa faz. Que o clamor das mais de 300 mil
vítimas da pandemia, de seus familiares e amigos seja um oxigênio para o SUS e
a ciência na saúde pública. Que os(as) reitores(as) das universidades públicas,
as associações estudantis, docentes e científicas defendam as universidades e a
pesquisa.
A
eleição presidencial de 2022, se a ela chegarmos, será realizada no rescaldo da
presente crise. Meus votos de cidadão são: que os políticos e os partidos se
preparem sobre a defesa nacional, tema em que o improviso não cabe; que as
Forças Armadas se orientem, efetivamente, “pelos inarredáveis preceitos
constitucionais”, palavras do demitido comandante brigadeiro Bermudez aos
militares da Força Aérea; que os postulantes à Presidência da República assumam
a defesa da anistia de 1979, cuja constitucionalidade foi reafirmada pelo STF.
*Cientista Político, é professor titular aposentado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
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