O
governo Bolsonaro acabou, mas ainda não terminou. Foi o que me disse uma fonte,
um pouco antes de eu sair para tomar a primeira dose da vacina. Receber o
imunizante virou festa, emoção, defesa de valores, bandeira. Não há o que
Bolsonaro faça que apague as muitas gravações que existem mostrando seus
ataques à vacina. Sua tardia rendição é inútil. Os últimos tempos têm sido
dilacerantes. O gráfico das mortes é uma exponencial. Numa semana de muitas
emergências e dores, o presidente mandou celebrar a ditadura, demitiu os chefes
militares, combateu, de novo, as medidas de proteção.
O fim do governo se vê por todos os lados. Ele virou um peso morto. O desmonte na área econômica é visível. Na quinta-feira demitiu-se o presidente do conselho do Banco do Brasil, Hélio Magalhães, e foi acompanhado pelo conselheiro José Monfort. Já saiu muita gente. Quem se enganou com esta administração o fez porque quis. O presidente intervém em qualquer setor da área econômica ou empresa. O ministro Paulo Guedes não se opõe. Ele disse, segundo o blog de Tales Faria, do UOL, que já sabia das substituições (na Petrobras e no Banco do Brasil). “O presidente não estava satisfeito e é um direito dele.” Guedes mimetiza a visão de Bolsonaro: acha que ele foi eleito rei absolutista e não presidente temporário de uma república democrática e federativa. O ministro fez feia acusação a Roberto Castello Branco. “No caso do Castello, ele, na verdade, vinha segurando aumento nos preços dos combustíveis. É claro que, quando soube que ia sair, começou a realinhar os preços.”
O
governo acabou, mas o fato de não ter terminado pesa toneladas sobre o país. O
Ministério da Educação está à deriva, ajudando a passar a boiada de absurdos,
conforme contou Renata Cafardo, no “Estado de S.Paulo”. Neste momento de
devastação na educação, o que o país mais precisava era de ter um ministro na
Educação. Não tem. As crianças e jovens estão pagando um preço intolerável. O
quarto ministro da Saúde é melhor do que o terceiro, o que é fácil, mas se
tentar ser eficiente, será sabotado como o primeiro. Há os ministérios que
trabalham com a pauta de destruição, como o Meio Ambiente. No Itamaraty, se o
inexperiente ministro Carlos Franco França seguir o cerimonial, já estaremos no
lucro.
O
pior Orçamento desde a estabilização não surgiu por acaso. Teve contribuição do
executivo e é um dos sinais de um governo disfuncional. O problema é que para
consertar será preciso um coquetel de remédios: vetos em algumas partes e
emendas, cortes, contingenciamentos e um PLN para recompor despesas
obrigatórias. Se for sancionado como está e executado será pedalada. E tem que
ter a mesma punição. Já há servidores temendo a inabilitação para a função
pública. Neste fim de semana o TCU está debruçado sobre ele. Com lupa.
As
Forças Armadas foram atropeladas na semana passada com todo o desrespeito
possível. O país também foi. Bolsonaro disse que o general Braga Netto “sabe os
motivos e morre aqui”. A democracia exige transparência nos atos do setor
público. O “morre aqui” é normal numa ditadura, aquele regime que Braga Netto
acha que precisa ser “celebrado”.
A
democracia, sim, merece ser celebrada. Ela estabilizou a moeda consertando a
bagunça hiperinflacionária deixada pela ditadura, resolveu a dívida externa,
acumulou reservas, criou o SUS, universalizou o ensino fundamental, colocou na
Constituição que os indígenas têm direito à sua identidade, cultura e idioma,
abriu as portas das universidades públicas para negros e criou uma rede de
proteção social.
Acordei animada na sexta-feira. Passei minha camisa escrito “Vacina sim”, coloquei uma N95 e fui para o posto com alegria juvenil. Tomei a Coronavac. O ato da vacinação vai muito além do que seria em tempos normais. Bolsonaro fez ataques sórdidos contra a saúde, a ciência, as vacinas, os governadores e prefeitos. Promoveu aglomerações, estimulou a exposição ao vírus, fez apologia da ditadura e ameaças à ordem constitucional. Tudo isso transformou a vacina num ato de resistência. Já seria excelente ter essa resposta ágil e eficiente dos cientistas. Mas, no Brasil, ela virou proteção de tudo o que amamos. Virou defesa da vida.
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