domingo, 4 de abril de 2021

Janio de Freitas - Por falar em demissões

- Folha de S. Paulo

Militares não repudiam o que há de mais criminoso contra o Estado democrático

O primeiro ato do general Braga Netto como ministro da Defesa foi de obediência a Bolsonaro e de confronto com a inquietação deflagrada nos altos comandos do Exército, da Marinha e da Força Aérea.

Braga Netto frustrou o ato, muito simbólico, dos comandantes das três Forças: antecipou-se, demitindo-os, à entrega dos seus cargos em resposta à exoneração do general Fernando Azevedo e Silva, até então ministro da Defesa.

Mas as exonerações em questão eram outras. A insatisfação de Bolsonaro com a falta de pronunciamentos políticos do general Azevedo, para fortalecê-lo em seu isolamento crescente, concentrou as explicações para a turbulência.

Esses raciocínios, muito defensáveis, embalaram-se até à função das Forças Armadas e sua relação com governos e política. Por isso, soterraram uma causa primordial para a mexida de Bolsonaro na Defesa e a perigosamente importante nomeação do delegado Anderson Torres para ministro da Justiça.

Um dos personagens mais relevantes no problema entre Bolsonaro e o Exército ficou citado apenas como um dos ministros substituídos. Ministro da Saúde ideal para Bolsonaro, pela dócil obediência e, sobretudo, pela tolerância aos efeitos letais de que foi agente, para o Exército o general Pazuello veio a ser um problema.

Em parte, pela projeção do seu desempenho sobre a Força e a capacidade dos colegas. E também por ser da ativa, o que agravava a situação. O general Luís Eduardo Ramos resistiu pouco e passou à reserva, para continuar no Planalto. Pazuello, não.

O comandante do Exército, Edson Pujol, não absorveu os problemas representados pelo general da Saúde e da mortandade. Para Bolsonaro, a saída necessária não era a de Pazuello. Passava a ser de Pujol. Fora de cogitação, no entanto, para o ministro Azevedo.

Nem com um cargo prestigioso nas Forças Armadas, para compensar a obediência de Pazuello, Bolsonaro contava obter do general Pujol, considerando que também as pressões externas contra o Ministério da Saúde chegavam à saturação. Se é assim, vai-se Pazuello, mas com ele vão Azevedo e Pujol.

Braga Netto promete, desde o primeiro ato. Mas esquentou o clima, e nem no plano interno há alguma clareza sobre o que surgirá depois da fumaça.As atenções deslocaram-se para o general Paulo Sérgio Oliveira, sucessor de Edson Pujol.

Muitos atribuem especial sentido à nomeação, por serem contrárias ao cloroquínico Bolsonaro todas as suas bem sucedidas providências antipandemia no Exército. Vai ver, foi elevado a novo cargo para não dar mais entrevistas sobre a eficácia de máscaras, distanciamentos e ficar em casa.

Ou foi escolha de Braga Netto, pela eficiência sem lado.Deduzir desse entrevero todo, como tantos comentaristas e cientistas políticos (mais isso, menos aquilo), que “os militares têm consciência de que servem ao Estado e não ao governo”, e outras tiradas oníricas, vai toda a distância a que estamos da segurança institucional e democrática.

Enquanto faltar a coragem moral de reconhecer que antecessores seus cometeram crimes bárbaros e estrangularam as liberdades e demais direitos universais, os militares não estarão a serviço legítimo da sua função de Estado. Porque não repudiam o que há de mais criminoso contra os princípios da vida em comum e do Estado democrático.

Em sendo assim, pode-se até concluir que chamados de militares são uma classe de servidores armados e fardados, com privilégios que os distinguem, praticantes de política e intervencionismo por métodos próprios e proporcionados pelas armas.

Militares propriamente ditos, militares autênticos, no entanto, são profissionais apartidários em ideologia e em política, armados pela sociedade para, em seu nome, servir ao Estado e à nação. O Brasil ainda não conheceu essa classe.

OS INTERESSADOS

Seis pretendentes a candidatos à Presidência — Henrique Mandetta, Ciro Gomes, João Doria, Eduardo Leite, João Amoêdo e ainda Luciano Huck — assinaram uma carta pública apresentando-se como defensores da democracia.

Defendê-la é muito oportuno. Contudo, no caso cabem ressalvas. Qualquer político pode defender a democracia. Nenhum, porém, que tenha apoiado a eleição de Bolsonaro, ainda que de modo indireto, tem condições morais de fazê-lo.

Todos sabiam quem era Bolsonaro, conheciam suas defesas da ditadura, da tortura, sua louvação na Câmara ao criminoso coronel Ustra. Era a democracia que estava em jogo na eleição, e todos os políticos sabiam disso.

Para defendê-la, nem precisavam superar sua ojeriza ao PT, havia outros candidatos democratas. Os que apoiaram Bolsonaro quiseram Bolsonaro. Defendam a democracia, que sabemos não o fazerem por ela.

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