Presidente perde controle, retira a máscara e manda repórter calar a boca após atos contra o governo e País chegar a 500 mil mortes por covid
O Estado de S. Paulo
O
presidente Jair Bolsonaro se descontrolou ontem ao ser questionado por uma
jornalista sobre o fato de não usar máscara e sobre multa recebida em São Paulo
por isso. Bolsonaro dava entrevista em Guaratinguetá (SP) e, aos gritos, mandou
a repórter calar a boca e xingou a imprensa. Bolsonaro foi alvo de protestos no
fim de semana, quando o País atingiu a marca de 500 mil mortos por covid.
“Estou
sem máscara em Guaratinguetá. Está feliz agora? Você está feliz agora?” JAIR
BOLSONARO, ao responder a repórter
Sob
pressão diante do número alarmante de mortes por covid-19 e da perda de
popularidade, o presidente Jair Bolsonaro reagiu ontem com fúria ao ser
questionado sobre o fato de chegar a um evento sem máscara. No momento da
entrevista, ele retirou a proteção facial e, aos gritos, mandou uma repórter
calar a boca. Bolsonaro disse ser alvo de “canalhas”, pediu “pergunta decente”
e mostrou descontrole.
A
cena ocorreu em Guaratinguetá (SP), após participação do presidente na
cerimônia de formatura de sargentos da Escola de Especialistas de Aeronáutica,
dois dias depois de manifestações de rua, em todo o País, cobrarem o seu
impeachment.
Questionado pela repórter da TV Vanguarda, afiliada da Rede Globo, sobre o fato de chegar ao local da solenidade sem máscara, quando o Brasil já ultrapassa a marca de 500 mil mortes por coronavírus, Bolsonaro ficou furioso. “Olha, eu chego como eu quiser, onde eu quiser, está certo? Eu cuido da minha vida. Parem de tocar no assunto”, disse ele, sem esconder a irritação.
Logo
em seguida, o presidente tirou a proteção facial e começou a gritar. “Estou sem
máscara em Guaratinguetá. Está feliz agora? Você está feliz agora?",
perguntou Bolsonaro duas vezes, dirigindo-se à repórter. A Organização Mundial
da Saúde (OMS) diz que, além da vacinação, o uso de máscara é a forma mais
eficaz para evitar o contágio pelo coronavírus. Visivelmente exaltado, ao lado
da deputada Carla Zambelli (PSL-SP), o presidente continuou a insultar a
jornalista. “Essa Globo é uma merda de imprensa. Vocês são uma porcaria de
imprensa”, afirmou. A repórter tentou engatar uma pergunta. “Cala a boca!”,
interrompeu Bolsonaro.
Aos
berros, ele não economizou xingamentos aos profissionais que tentavam entrevistálo.
“Vocês são canalhas! Vocês fazem um jornalismo canalha, que não ajuda em nada!
Vocês destroem a família brasileira, vocês destroem a religião brasileira!
Vocês não prestam”, afirmou o presidente. “A Rede Globo não presta. (...) Você
tinha que ter vergonha na cara em se prestar (a fazer) um serviço porco que é
esse que você faz”. Zambelli, que o acompanhava, também tirou a máscara.
Um
pouco antes, ao dizer que era alvo de canalhas, Bolsonaro percebeu um
burburinho vindo de sua comitiva. Não teve dúvidas: virou-se para trás e passou
uma descompostura em todos. “Dá para calar a boca aí atrás, por favor?”,
esbravejou.
Pela
primeira vez desde sábado, quando o número de vidas perdidas por covid-19
passou de 500 mil, o presidente se manifestou sobre o assunto. Mesmo assim, ele
defendeu novamente tratamento com ineficácia comprovada para enfrentar a
doença.
“Lamento
todos os óbitos. Muito. É uma dor na família. E (...), desde o começo, o
governo federal teve coragem de falar em tratamento precoce. (Mas) Como está
sendo conduzida essa questão, parece até que é melhor se consultar com
jornalistas do que com médicos”, ironizou.
O
presidente também criticou a emissora de TV CNN e pediu “pergunta decente” ao
indagar de que veículo eram os repórteres. “CNN? Vocês elogiam a passeata agora
de domingo, né? Jogaram fogos de artifício em vocês e vocês elogiaram ainda”,
reclamou, ao confundir a data das manifestações que pediram o seu impeachment e
foram realizadas no sábado.
Sempre
que está acuado, Bolsonaro ataca a imprensa. Nos últimos tempos, porém, os
momentos de fúria têm vindo numa escalada, à medida em que a crise no governo
se agrava e sua popularidade cai. Ontem, por exemplo, a irritação começou
quando a repórter da TV Vanguarda o questionou sobre a multa recebida do
governador de São Paulo, João Doria, depois que ele se recusou a usar máscara
durante motociata no dia 12. “Você quer fazer uma pergunta decente?”, retrucou.
O
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo e a Federação
Nacional dos Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) repudiaram a “atitude
brutal” do presidente. “Ela se deu em novo caso de ataque ao exercício
profissional do jornalismo, que Bolsonaro já provou reiteradamente desprezar,
tanto quanto despreza a própria democracia”, diz trecho da nota.
/ André Shalders, Gustavo Côrtes, Matheus de Souza e Bruno Ribeiro
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